Jane Silva: “Quando os instrumentos tocavam, eu não conseguia ouvir. Era algo que vinha de dentro de mim." – Por Cristina Di Paula

“Meu pastor não concorda com o que você faz e nem quer que a gente aprenda essa dança!” 

Eram comentários como este que Jane Silva escutava quando encontrava amigos e conhecidos evangélicos nas ruas. Há 11 anos, ela realiza um trabalho de inserção da dança afro em igrejas evangélicas. 

Bailarina desde a adolescência, hoje ela é levita; assim é chamado aquele ou aquela que domina um tipo de arte como canto, dança e teatro dentro de uma congregação pentecostal. Louvar através da própria ascendência, no entanto, não foi uma decisão fácil.

Mais nova dentre os 12 irmãos, Jane teve contato com a dança afro aos 15 anos, durante uma oficina. Foi nessa mesma época que enfrentou, pela primeira vez, a intolerância. 

Primeiro seus pais não aceitavam a ideia de ter uma filha envolvida no mundo da dança. Segundo, as aulas não eram aprovadas pela sua mãe, que dizia que aquilo não era coisa de Deus. 

“Eu falava para minha mãe que o professor falava de Deus, mas ela não entendia por causa da tradição e do preconceito. Eu dizia que ele tocava os instrumentos com músicas evangélicas, mas não adiantava.” Para continuar fazendo as aulas, chegou ao ponto de mentir para os pais. “Lembro de muitas vezes sair escondida ou dizer que ia para outro lugar."

Tanto jogo de cintura valeu a pena. Aos 17 anos, já participava da Cia. de Dança Brasil Tropical e viajou para apresentações no exterior. A fase coincidiu com o fato de ela ter passado no concurso da Policia Militar da Bahia. O pai queria que a filha ficasse no país e tivesse um emprego estável. “Foi muito difícil, mas optei por viajar contra a vontade do meu pai”.

Quando foi pela primeira vez para Europa, descobriu que viajou grávida. A turnê, que duraria seis meses, para ela durou apenas quatro. Em maio de 1998, nascia seu único filho, Ranan Renato. A paixão pela dança era tanta que decidiu deixar o filho pequeno com o pai e voltar para a Europa para continuar dançando. 

“Voltei ao Brasil por conta da saudade duas vezes. Na primeira vez, descobri que José Renato (pai do filho) havia se convertido à religião cristã protestante. Na segunda, decidi casar com ele e não viajei mais para fora do país.” 

Foi o marido, inclusive, que a apoiou durante as fases mais turbulentas. “Ela passava várias noites sem dormir, convicta de que fazia a coisa certa. Hoje, pela sua perseverança, as pessoas percebem que podem, sim, dançar afro e tocar instrumentos de percussão dentro da igreja”, conta José Renato Anunciação.

Apesar de ir aos cultos desde pequena com a mãe, Jane só se converteu à religião em 12 de outubro de 2002. Dois anos após a conversão, uma gincana ofereceu a primeira oportunidade de montar uma coreografia na igreja.

“Decidi fazer uma adoração com uma amiga. Não era nem dança afro, porém, como os meus movimentos sempre foram muito fortes, algumas pessoas da congregação interpretaram como dança afro. Apesar dos movimentos terem sido dançados ao som de uma música gospel, foi o suficiente para surgirem alguns comentários desagradáveis”, conta. Na opinião de alguns membros, ela estava levando rituais de religiões africanas e afrobrasileiras para dentro da igreja.

Depois de alguns anos fazendo parte do grupo de dança a aceitação foi melhorando. Ela alcançou a liderança da equipe e passou a ter mais liberdade para montar as coreografias das festas e espetáculos da comunidade. 

“Quando os instrumentos tocavam, eu não conseguia ouvir nem guitarra, nem violão e nem teclado, somente a bateria ou algum outro instrumento de percussão que estava tocando. Era algo que vinha de dentro de mim."

Adorafro

Atualmente, Jane resolveu se aprimorar em um curso superior. Ela é estudante do quarto semestre da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e congrega na igreja Ramo da Videira, no bairro de São Caetano. 

O pastor da igreja Ramo da Videira, Jonatas Almeida, apoia e fale em quebra de tradicionalismos. Para ele, as Igrejas estão se abrindo para todas as formas de artes, já que antigamente não se podiam usar instrumentos musicais como bateria ou guitarra durante os cultos. 

“É óbvio que existe um bloqueio das pessoas em relação à dança afro, mas que precisa cada vez mais ser combatido e explicado”, ressalta o pastor.

Segundo Sergio Ferretti, professor emérito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e pesquisador de religiões afro-brasileiras e cultura popular, as “igrejas evangélicas pentecostais e neo-pentecostais costumam demonizar os elementos das culturas populares e das religiões de origem africanas”. 

A dança afro é um dos exemplos. “Mas algumas são mais abertas à dança e a elementos da cultura popular”, ressalta. 

Ele fala também que determinadas igrejas pentecostais, que se difundem muito entre populações negras, valorizam no negro o orgulho de serem pessoas que podem se promover com o apoio da igreja. “Penso que toda religião cumpre também este papel de desenvolver a autoconfiança nos adeptos”, destaca.

Após passar por todos os percalços para alcançar o respeito das pessoas e conseguir se firmar na dança dentro e fora da igreja, Jane decidiu levar esta modalidade da dança para outras congregações. 

Em 2010, montou uma equipe e fez a primeira oficina de dança afro, realizada em Morro de São Paulo, destino turístico próximo a Salvador. Hoje, a ADORAFRO faz parte do Projeto Mais Que Dançar, que em 2014 entra na quarta edição. 

“Convidei palestrantes de fora, que ministraram sobre a dança afro, contando sua história e cultura com linguagem gospel”. Para quem ainda questiona a inclusão da dança afro nas igrejas, Jane recita o Salmo 150, que diz para louvar "com tamborins e danças", "com os címbalos sonoros e altissonantes", com "tudo quanto tem fôlego". 

SERVIÇO

Adorafro - Projeto Mais Que Dançar
Dias 7, 8 e 9 de fevereiro de 2014
Inscrições: (71) 3215-4148 / 8715-7880 / 9174-4897/ 9174-6777 
projetomaisquedancar_@hotmail.com





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