Religiões de terreiro ajudam na formação de percussionistas
“Precisamos de um bom
percussionista, mas tem que ter vindo do terreiro!”.
Não é incomum, no meio
musical, ouvir comentários como esse quando algum artista ou banda está
montando banda para gravações ou shows. Claro, isso não é regra: existem ótimos
percussionistas sem ligações com a umbanda, o candomblé e a jurema.
Mas não deixa de impressionar
como é possível encontrar, aos montes, grandes músicos dos tambores ligados
direta ou indiretamente com essas importantes e ricas tradições religiosas.
“Apesar da frequência, não sou
iniciado no candomblé nem na jurema. Mas tenho fortes influências sonoras em
minhas criações e trago em meu coração muitos ensinamentos”.
Palavras de Lucas
dos Prazeres, o qual, além do projeto solo: O som da(r) vida, da banda Rivotrill
e da Orquestra dos Prazeres, tem trabalhando com Lula Queiroga, Elba Ramalho,
Naná Vasconcelos, SpokFrevo Orquestra, entre outros.
Para Lucas, cujo significado do
nome de origem grega quer dizer “luminoso” ou “aquele que traz a luz”, o
ambiente constantemente sonoro do terreiro reflete diretamente não só na sua
musicalidade, mas também na sua maneira de enxergar o mundo. “Representa pra
mim, antes de qualquer coisa, a busca pelo simples e por uma harmonia vital
mais equilibrada”, diz.
Ex-membro do seminal Mestre
Ambrósio, o percussionista, baterista e professor Eder “O” Rocha tem formação
erudita (já integrou as orquestras sinfônicas da Paraíba e do Recife), tocou na
banda recifense de hard rock e metal Arame Farpado e no Maracatu Nação Estrela
Brilhante.
Falando de São Paulo, onde mora
atualmente, Eder diz ter aprendido bastante sobre ritmos devido a suas práticas
espirituais. “Sempre estive ligado ao xangô do Recife e aos candomblés
brasileiros, até entrar no maracatu. Isso ficou mais forte com o contato com a
umbanda”, conta.
Dentro do conjunto de seus estudos, ele inclui ainda o
espiritismo (a doutrina codificada por Allan Kardec), taoísmo, hinduísmo,
budismo e tradições indígenas brasileiras.
Praticante e grande defensor das
tradições de matriz africana, o percussionista e ex-baterista das bandas
pernambucanas The Ax, de thrash metal, e Faces do Subúrbio, de rap rock,
Alexandre Garnizé mostra grande satisfação em falar sobre o assunto.
“Sou
descendente do Ase Oba Ìgbó Ìgbómìnàs dirigido pelo sacerdote Adifa Oba Alaaye
(Antonio Penna), de Caxias (RJ). As religiões com raízes na África são um
instrumento de conscientização, sensibilização e resistência”, defende.
Para o atual percussionista do
grupo carioca Abayomy Afrobeat Orquestra, estar no candomblé é ser consciente
da diversidade étnica, racial e, principalmente, religiosa de todos os povos.
“Somos uma religião de traços e origens muito fortes. Tolerar todo mundo
tolera, mas o que queremos mesmo é ser respeitados!”, desabafa Garnizé. O
músico já teve sua vida retratada no documentário: O rap do Pequeno Príncipe
contra as almas sebosas, lançado em 2000 e dirigido por Paulo Caldas e Marcelo
Luna.
Do terreiro para os palcos
Muitos percussionistas desenvolveram suas habilidades atuando como ogans em terreiros. Exemplo disso é o grupo Bongar, formado por seis músicos, todos criados no terreiro Xambá, do Quilombo do Portão do Gelo, em Olinda.
No
mês passado, junto com a Orquestra Contemporânea de Olinda, os rapazes representaram
Pernambuco na Womex, a maior feira de música do mundo, cuja edição deste ano
aconteceu no País de Gales.
“Fazemos parte de uma geração que
mantém esse diálogo entre o artístico e o sagrado. Não levamos para o palco o
aspecto religioso do candomblé e da jurema. Existe um cuidado para não se
ultrapassar esse limite”, explica o vocalista e percussionista Guitinho da
Xambá.
O músico diz que, tanto ele quanto os outros colegas, aprenderam e continuam aprendendo com seus parentes mais velhos. Algo que reforça o sentimento e respeito entre as gerações. “Os meninos do Bongar são nossos garotos-propaganda, que levam para o mundo o ritmo do coco”, orgulha-se Pai Ivo de Xambá.
“Os ogans exercem papel muito
importante nos terreiros, eles são responsáveis por invocar as divindades nas
cerimônias religiosas”, explica Alexandre L'Omi L'Odò.
O pesquisador e
juremeiro foi selecionado, recentemente, para integrar a cadeira de suplente no
Comitê Nacional de Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos do
Governo Federal.
Ogans
Pai Ivo explica que a formação dos ogans começa desde a infância. “É o garoto que naturalmente se interessa em tocar o ilú (instrumento de percussão) e vai se especializando”.
Também cabe aos ogans contribuir
para a defesa do seu terreiro e da sua comunidade. Há os que são grandes
conhecedores de plantas medicinais e religiosas e cuidam dos animais que serão
ofertados aos orixás.
Documentário
Nesta quarta-feira (20/11), será lançado no Terreiro de Xambá, às 19h, o videodocumentário Babalorixá Ivo de Xambá - Memória e História do Portão do Gelo, 3°quilombo urbano do Brasil.
A produção do filme foi coordenado
por Auxiliadora Maria da Silva, do Centro de Educação da UFPE. Entrada franca.
O Terreiro Casa de Xambá fica na Rua Severina Paraíso da Silva, 75, Peixinhos,
Olinda.
Discos à vista
Janeiro de 2014 é a data pensada
para o percussionista que carrega no nome artístico sua relação com os tambores
sagrados lance seu primeiro disco solo. Desatando o laço vai mostrar
Toca Ogan, percussionista da Nação Zumbi, cantando e tocando sons que ele
aprendeu nos terreiros de umbanda e candomblé, além de sambas e o uso do
berimbau em muitas das músicas. O disco é produzido pelo também percussionista
Marcos Axé, integrante da banda de Otto.
Na mesma época, Axé também deve
lançar sua estreia solo, Negrito Guapo. “Tenho 33 anos e mais de 20 de
umbanda. Foi nela que aprendi tudo. O disco tem produção de Bactéria (ex-Mundo
Livre) e participações de China, Josildo Sá, Pácua e Otto”, revela Marcos.
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