Teresa Forcades, a freira sem medo – Por Maria João Lopes
A monja beneditina Teresa
Forcades está em divergência com a Igreja em muitos temas fracturantes, é
anticapitalista e espera uma "revolução pacífica" na Europa, mas
elogia o Papa Francisco por ter vontade de mudar as coisas.
Já recebeu uma carta da Santa Sé
e foi alvo da ira de católicos mais conservadores. Não rejeita cegamente o
aborto, aceita o casamento gay, a adopção por parte destes casais, defende
o acesso das mulheres ao sacerdócio.
Catalã, de 47 anos, estudou Medicina e
Teologia, e aos 30 abraçou a vida monástica. É anticapitalista e faz parte de
um movimento que reivindica a independência da Catalunha. Do vocabulário que
usa fazem parte palavras que causam desassossego na Igreja: revolução, ruptura,
mudança, política, desobediência civil.
O encontro de Teresa Forcades com
a fé dá-se aos 15 anos. Como não cresceu numa família religiosa, os pais eram
católicos não-praticantes, sempre achou que Igreja era uma instituição
“caduca”.
Na adolescência leu os evangelhos: “Quando terminei, tive uma
sensação de indignação. Vivi 15 anos sem saber isto? Foi muito forte”, recorda
a irmã beneditina que, apesar de este ano estar em Berlim a dar aulas de
Teologia, vive no Mosteiro de St. Benet de Montserrat, perto de Barcelona.
Estudou Medicina, que já não
exerce, na Universidade Estatal de Nova Iorque e Teologia em Harvard. Doutorada
em ambas as áreas, tem uma tese sobre medicinas alternativas.
O recurso
excessivo a medicamentos é outro dos temas que a preocupam. Escreveu um livro
chamado: Crimes das Grandes Companhias Farmacêuticas e ficou conhecida
por se ter oposto à vacina da gripe A e desmontado vários aspectos ligados a
este mediático caso de saúde.
A vocação monástica só surgiu aos
28 anos, aos 30 entra para o mosteiro. Na adolescência, nunca pensou que iria
ser monja: “Por causa do celibato; imaginava que não se podia ser feliz sem um
par”, conta.
"Na Igreja Católica é muito fácil
esconder-se atrás da tradição e ele [Papa Francisco] não faz isso", diz Teresa Forcades.
Hoje aceita que o repto da vida
religiosa passa por trabalhar a afectividade: “As pessoas casadas ou com um par
também podem ter esta experiência de se sentirem atraídos por outra pessoa, e
têm igualmente de trabalhar isso”. As pessoas da Igreja também se apaixonam. Já
lhe aconteceu e teve de trabalhar a emoção: “É um desafio, sempre”, admite.
Teresa Forcades esteve em Lisboa
na sexta-feira, dia 15, a falar sobre: As Falsas Democracias e as
Consequências Políticas da Noção Cristã de Pessoa, no III Colóquio de Teologias
Feministas, organizado pela Associação Portuguesa de Teologias Feministas em
colaboração com o Policredos - Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra.
No sábado, apresentou A Teologia Feminista na História, que o
padre e poeta José Tolentino Mendonça considera um “verdadeiro livro do
desassossego”. Nele, Forcades pergunta: “Por que é que as contribuições
intelectuais das mulheres tiveram tendência a desaparecer da História?”
“É verdade que os homens dominam
a História ou o mundo? Porquê? É verdade que não quiseram ou não puderam
preservar as contribuições intelectuais das mulheres ou tê-las em conta?
Porquê? E Deus, o que diz de tudo isto?”. Ela faz muitas perguntas.
Muitas das posições que assume
estão no livro Conversas com Teresa Forcades. Aceita o casamento
entre homossexuais, que adoptem crianças e defende que uma mulher que aborta
não deve ser perseguida nem punida.
“Para uma pessoa religiosa, católica,
cristã, e para qualquer pessoa, o respeito pela vida é fundamental, e eu não
vou contra isso. O que se passa é que eu não quero que a mulher que aborta vá
para a prisão. Entendo que as circunstâncias são complexas. Mas sou contra que
a pessoa que aborta tenha essa pena e seja perseguida”, sintetiza.
Convicções que lhe valeram uma
carta do Vaticano em 2009, em que lhe era pedido que se explicasse. Ela fê-lo,
mas não recuou. “O conflito entre o direito à vida e à autodeterminação do
próprio corpo é um tema complexo”, diz. Dá um exemplo: no caso de um pai que
tenha um filho que precise de um rim para sobreviver, a Igreja não o obriga a
dar esse rim. “Por que é que não fazemos uma lei católica que diga que tem a
obrigação, naturalmente, de dar o rim ao filho? O pai não vai morrer, só vai
salvar a vida do filho”, questiona.
"Creio que temos uma Igreja que,
na sua estrutura, é patriarcal e misógina. Realmente discrimina as mulheres.
Impede o acesso ao sacerdócio e as tomadas de decisões também não estão abertas
às mulheres", diz Teresa Forcades.
Ser polémica não lhe agrada, mas
é impossível não agitar as águas. Foi alvo da indignação de cerca de cinco mil
católicos que assinaram uma petição a pedir que fosse suspensa. A esta
seguiu-se outra de apoio, que reuniu cerca de 12 mil subscritores.
Agitar as pessoas
Com tanta abertura em relação a
temas fracturantes, não é de estranhar que se entusiasme com o inquérito do
Papa Francisco para a preparação do Sínodo da Família. Para este sínodo, que
vai ter duas assembleias gerais, uma extraordinária, em Outubro de 2014, e uma
ordinária, em 2015, o Papa quer ouvir as bases sobre temas como o aborto,
a contracepção, o divórcio, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adopção
por parte destes casais. Não é um referendo, mas está a dar que falar.
“É um primeiro passo. A solução
de um conflito é dar-se conta de que existe e quantificá-lo. É muito
importante. O que está a pedir o Papa? Que os bispos saibam quantas pessoas
divorciadas têm nas suas dioceses, quantas gostariam de receber o sacramento da
comunhão e que agora estão impossibilitados por culpa do divórcio. É muito bom,
saber quantos há”, diz, repetindo os mesmos argumentos para casais que vivem
juntos, sem ou antes do matrimónio, sejam heterossexuais ou homossexuais.
Para a irmã beneditina, este
levantamento permite outro olhar sociológico sobre estas questões. “Uma coisa é
saber em genérico que existe o divórcio, os casais homossexuais, outra coisa é
quantificar em cada diocese. O mesmo para a contracepção. Quantas mulheres
utilizam? É óbvio, também em Portugal, que as famílias católicas não têm 20
filhos. Algo se passa...”, diz, sorrindo.
Apesar das expectativas criadas
em torno do inquérito, no final da reunião da assembleia geral da Conferência
Episcopal Portuguesa (CEP), que decorreu em Fátima na passada semana, o assunto
mereceu apenas dez linhas num comunicado de sete páginas.
O patriarca de Lisboa
e presidente da CEP, D. Manuel Clemente, defendeu que o protagonismo já tinha
sido dado pelo Papa e garantiu que a CEP abraça, e vai cumprir, o apelo, sendo
bem-vinda a contribuição de todos os católicos.
No entanto, na carta pastoral: A
Propósito da Ideologia de Género, os bispos deixam bem clara a posição em
relação ao aborto ou ao casamento gay, e apelam mesmo à revogação das
leis.
Entre outros excertos, pode ler-se que “os cidadãos e legisladores que
partilhem uma visão mais consentânea com o ser e a dignidade da pessoa e da
família são chamados a fazer o que está ao seu alcance para as revogar”.
Na carta, lê-se ainda que “nunca
um ou mais pais podem substituir uma mãe, e nunca uma ou mais mães podem
substituir um pai” e que “uma criança desenvolve-se e prospera na interacção
conjunta da mãe e do pai, como parece óbvio e estudos científicos comprovam”.
Representa isto um retrocesso em
relação à abertura pastoral do Papa? Teresa Forcades entende que é uma defesa
de alguns sectores da Igreja. Como se, diante de tanta agitação, estivessem a
dizer:
“Não pensem que algo vai mudar”: “Não sei o que se vai fazer com os
resultados do inquérito, por isso poria aqui uma nota de precaução. Porque
podemos ter uma decepção. Creio que é positivo que se estude isto, mas não quer
dizer que vá haver mudanças. Pode haver, e é positivo, mas vamos ver”,
acautela.
Apesar de a última palavra vir
sempre do topo, Teresa Forcades diz que só a expectativa já é de saudar: “Mesmo
que a resposta oficial seja a de que não há alterações, já se está a gerar uma
expectativa social, e depois não há quem a pare. É bom que as pessoas se
agitem, para que haja mudanças”.
De uma forma geral, o que Teresa
Forcades destaca no Papa Francisco é “essa vontade que tem demonstrado em mudar
coisas”: “Na Igreja Católica é muito fácil esconder-se atrás da tradição e ele
não faz isso”.
Além disso, não tem dúvidas de que está a tornar-se uma ameaça
para muitos “interesses”. Notícias recentes deram conta de que os alertas do
Papa contra a corrupção, dentro e fora do Vaticano, poderiam tê-lo
colocado na mira da máfia.
O procurador responsável pelos processos da
N'drangheta, a organização criminosa calabresa, diz que os grupos estão
“nervosos e agitados” com tantas chamadas de atenção do Papa.
“No capitalismo posso contratar
alguém com o seu trabalho, ganhar mil euros e pagar-lhe um euro. Não me parece
bem. É imoral. Não quero esse mundo”, diz Teresa Forcades.
Deus e dinheiro
Também em relação às mulheres, esta monja defende que teologicamente nada impede não só que sejam cardeais, como acedam ao sacerdócio.
“Creio que temos
uma Igreja que, na sua estrutura, é patriarcal e misógina. Realmente discrimina
as mulheres. Impede o acesso ao sacerdócio e as tomadas de decisões também não
estão abertas às mulheres”, diz. Não é só isto que “tem de mudar radicalmente”,
a Igreja também tem de ser entendida “de um modo menos clerical”, acrescenta.
Multifacetada, gosta ainda da
palavra política. Faz parte do movimento de cidadãos Procés Constituente, que
está a criar um modelo para um estado independente e livre do capitalismo na
Catalunha e que tem acções de desobediência civil marcadas para dia 30.
No Evangelho diz-se que não se
pode servir a Deus e ao dinheiro, isto é anticapitalismo. "No capitalismo
posso contratar alguém com o seu trabalho, ganhar mil euros e pagar-lhe um
euro. Não me parece bem. É imoral. Não quero esse mundo”, esclarece.
Entre
outros modelos de organização, defende, por exemplo, as cooperativas. “Esta
sociedade que imagino não é uma sociedade controlada por um comité central. Não
quero o capitalismo nem um governo que controle tudo. Não quero isso para nada,
já vimos isso na História e é um desastre”, frisa.
Diz que os partidos políticos,
tal como existem e são financiados, são reféns do poder económico e não estão a
servir a democracia. No livro: Sem Medo, escrito com a especialista em
movimentos sociais Esther Vivas, defende, entre outras ideias, a incompatibilidade
entre capitalismo e democracia.
Esta monja beneditina, para quem
o mundo é hoje um conjunto de “falsas democracias”, foi considerada pela BBC
como uma das mais influentes intelectuais de esquerda e “a freira mais radical”
da Europa.
Ela acredita que o momento que se vive na Europa é uma “oportunidade
política” para a mudança. Não uma mudança “de cosmética”, não uma “reforma”,
mas uma ruptura, uma revolução: “Uma revolução pacífica e democrática”.
Fonte: http://www.publico.pt
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