No Candomblé, casamento tem 'fale ou cale-se para sempre' decidido por orixás – Por Paula Maciulevicius
No casamento no candomblé, em que
todos vestem branco e só os noivos usam sapatos, a benção é dada pelos orixás.
O ‘sim’ precisa vir primeiro deles para depois serem ditos pelos noivos. O
juramento de amor eterno é feito ao comer o fruto sagrado na religião e a troca
de alianças é coadjuvante numa cerimônia repleta de significados.
O casamento de Raquel e Valdecir,
no Candomblé, aconteceu no terreiro Ilè Dará, no bairro Santo Luzia, neste
final de semana, em Campo Grande. Ela, Raquel da Silva, tem 42 anos, trabalha
como técnica em enfermagem e segue a religião há quase duas décadas. Ele,
Valdecir Sanches Pimenta, de 38 anos, é do ramo de operação de máquinas e
conheceu o Candomblé pela, agora, esposa, no início de namoro há três anos.
Nos preparativos para a
cerimônia, quem passa os olhos procurando uma noiva se perde entre tantas
mulheres de branco. Todas vestem a mesma cor e trabalham os detalhes com lenços
e acessórios coloridos, mas não tem erro se olhar as mãos. Quem vai casar entra
de buquê até mesmo no Candomblé. Já o noivo, deixou de lado o terno escuro e
também vestiu branco.
A noiva não parecia em nada
nervosa, Raquel é só tímida, mas o brilho nos olhos e o sorriso que estampava o
rosto transpareciam a felicidade de se chegar ao grande dia, e ali, onde ela
sempre sonhou, na religião. “Eu amo, isso aqui é minha vida, meu tudo, meu
equilíbrio” diz apressada antes de se posicionar para a entrada da noiva.
Sob um tapete vermelho que corta
o salão e chega até o altar, passam, primeiro o noivo, seguido dos padrinhos,
para então, entrar Raquel. A noiva é conduzida até o futuro marido pelo pai no
Candomblé, já que o pai biológico, não é mais vivo. As notas repetidas que
anunciam a marcha nupcial são substituídas pelas batidas do atabaque, que no
ritmo das palmas dos padrinhos, convidados e filhos da casa, embalam o Ijexá, o
toque de Oxum, considerado o orixá da fertilidade, maternidade e que zela pelos
sentimentos.
O significado do toque é tão
forte que mesmo quem não conhece nada no Candomblé, sabe que a música, equivale
a emoção de se ouvir a marcha nupcial. Os olhos se voltam para a noiva, como em
toda e qualquer cerimônia, ela é entregue ao noivo no altar para que as bênçãos
comecem.
Um dos sacerdotes que realiza o
matrimônio é o ‘babalorixá’ da casa, Lucas Junot Dutra Morisson, de 26 anos.
Ele começa como um sermão, dizendo que eles estão ali hoje para selar a união
através dos orixás. “Nosso casamento existe como em qualquer outra religião”,
diz ao explicar a autonomia que o terreiro tem para os enlaces.
“O matrimônio é viver a vida
juntos, saber respeitar as diferenças, que se somarão até vocês atingirem a
cumplicidade. O amor é construído como uma casa, tijolo, acima de tijolo. E
hoje vamos celebrar aquilo que os orixás já sabiam que ia acontecer. Se
ajoelhem para consultar se é da vontade deles”.
Nas mãos, o ‘obi’, fruto sagrado
da religião, formado por quatro gomos. A consulta aos orixás é feita ao dividir
os gomos e jogar diante dos noivos. É como se abrisse a margem para que, se
alguém tiver algo a dizer, fale agora ou cale-se para sempre, das cerimônias
tradicionais.
No entanto, os únicos que podem
se pronunciar são eles. Se as quatro partes caírem para cima, ‘aláfia’ é dito
em coro, sinal de que os orixás abençoam e recebem a união do casal como algo
escrito para acontecer.
“Aláfia. Está entregue, aceito e que assim seja a vida
de vocês”, profetiza o babalorixá Lucas. E novamente outro cântico é puxado
pelos presentes no batuque do atabaque.
Feita a vontade dos orixás, é a
vez dos noivos dizerem ‘sim’, através do mesmo fruto. Como sinal do amor e da
fidelidade, eles selam o compromisso de amar um ao outro na alegria e na
tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, mastigando as
sementes.
“É pela vontade de cada um de
vocês que estão aqui hoje?” pergunta Lucas. A resposta é sim e ele então segue
a explicar o juramento. “Isso requer sabedoria e honestidade. É sua jura ao
mastigar o obi e vale mais que milhões de contratos”.
Raquel e Valdecir trocam os obis
e mastigam juntos. Momento em que se aproximam os padrinhos para o enlace,
simbolizado pelas coroas de Obará, a aliança, convenção do mundo porta afora do
terreiro, ali equivale às coroas. A dele, coberta por folhas de louro,
significa o ciclo da vida e da prosperidade, já a dela, reprodução e
fertilidade. O enlace é feito pelos padrinhos, perante o sacerdote e toda
comunidade.
Antes do ‘pode beijar a noiva’,
eles trocam as alianças, ritual dos matrimônios tradicionais. “Eu agradeço aos
orixás por colocarem você na minha vida. Através de você comece nova
caminhada”. Estas foram as palavras de Raquel diante dos votos matrimoniais. A
cerimônia se encerra com a chuva de arroz, sob os cânticos que desejam
felicidade absoluta ao casal. Agora, declarados marido e mulher.
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