A liberdade religiosa – Por Manuel Augusto Rodrigues

Há 1700 anos, os imperadores Constantino e Licínio assinaram o célebre “Édito de Milão” que concedia aos cristãos a liberdade religiosa depois dum período agitado e por vezes de forte perseguição. 

O documento imperial que conhecemos por Eusébio de Cesareia e Lactâncio informa-nos que Constantino e Licínio concederam aos cristãos e a todos os outros cidadãos a livre escolha de seguirem o culto que quisessem. 

Nos 300 anos de história do cristianismo anteriores ao Édito já a nova religião conhecera uma expansão significativa, especialmente no quadro do império romano que, com a sua administração, língua, meios de comunicação, etc. facilitou bastante a missionação. 

Nas cidades de Alexandria, Cartago, Milão, Roma, Cesareia nasceram pujantes comunidades cristãs e surgiu uma literatura importante graças ao labor dos Padres apostólicos e depois dos Padres da Igreja (latinos e gregos) como Arnóbio, Atanásio, Clemente, Orígenes, que brilharam em Cartago, Alexandria, etc. A Cruz tornou-se o distintivo cristão por excelência na luta entre o politeísmo e o monoteísmo.

O cardeal de Milão, Angelo Scola, de Milão na solenidade de Santo Ambrósio, a 6 de Dezembro de 2012, que abriu o Ano constantiniano, proferiu um notável discurso sobre o Édito e o seu significado para a actualidade. Partindo do ano de 313 até ao Vaticano II que viria a consagrar verdadeiramente a liberdade religiosa. 

Disse Scola: o Édito foi “o acto do nascimento da liberdade religiosa” e da laicidade do Estado, o “initium libertatis do homem moderno”. Mas acrescentou que foi um “início falhado”. É que logo a seguir os Éditos de Teodósio (391 e 392) que actualizaram o de Tessalónica (380) declararam o cristianismo como religião de estado do império romano excluindo todas as outras crenças. 

Estava assim invertido o genuíno sentido de liberdade religiosa do Édito de Milão e abria-se o caminho que conduziu à ideia de Cristandade baseada na afirmação da supremacia absoluta de Roma. 

Mas ao lado da Igreja de Roma como instituição com a sua supremacia enorme, havia a Igreja espiritual, comunidade e comunhão do Povo de Deus de que fala a constituição “Lumen gentium” do Concílio Vaticano II, a qual continuou fiel à Boa Nova do Nazareno.

A Igreja teve papel relevante na formação da Europa, tendo sido extraordinariamente fecunda em muitas áreas a sua acção como, por exemplo, na criação das universidades. A Europa cresceu e projectou-se à sombra do cristianismo que, depois da forte investida muçulmana, se fracturou com o cisma do Oriente (1054) e com a Reforma de Lutero (1517). 

Mas a Cristandade saída de Constantino esteva ligada essencialmente à Europa com uma alternância entre teocracia e regalismo e com frequentes conflitos entre o poder espiritual e o temporal. Perdera-se a liberdade religiosa das origens. Os privilégios concedidos deram origem à célebre “Donatio Constantini”. Reclamando a liberdade para si quando é minoritária recusa-a quando está em maioria.

O Concílio Vaticano II com a Declaração “Dignitatis humanae” (1965) sancionou de uma vez por todas o princípio da liberdade religiosa. A supremacia de Roma ia muito para além de uma visão ecuménica, de uma mundividência cultural e do respeito pela consciência individual. 

O texto de Chenu, “O fim da era constantiniana”, constituiu um importante ponto de reflexão, depois retomado por Mauro Pesce e outros. No Vaticano II foram várias as intervenções contra a forma de Cristandade que a Igreja teimava em não ultrapassar. Scola define o texto conciliar como uma verdadeira mudança de direcção da Igreja no seu conjunto.

Jesus como lembra a “Dignitatis humanae” na sua pregação renunciou a tudo o que fosse violência e uso do poder e os seus discípulos anunciaram a Boa Nova serena e pacificamente. A Deus o que é de Deus e a César o que é de César.

O Papa João Paulo II estabeleceu o dia 12 de Março de 2000 como jornada da purificação da memória. Pediu perdão pelo holocausto, a inquisição, as cruzadas, os cismas, as guerras de religião, as perseguições contra os judeus, as injustiças sociais, a escravatura e outros males em que a Igreja esteve envolvida. 

A evocação do Édito de Milão serve de ensejo para reflectir sobre a liberdade religiosa, a laicidade do Estado, o papel público da religião, a relação da fé com a política, a tolerância, a democracia, a cristianofobia, o relativismo, o ateísmo, etc. E também sobre a cristianofobia que é um fenómeno bem patente aos olhos de todos. 

O último relatório do movimento “Ajuda à Igreja que sofre” (AIS) elucida-nos acerca do que está acontecendo por esse mundo fora. O diálogo ecuménico e de religiões, culturas e civilizações tornou-se um imperativo em que todos se devem sentir envolvidos para que os direitos humanos e a paz sejam salvaguardados como tem defendido o actual Papa Francisco como agora na Exortação “Evangelii gaudium”.





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