Carta aberta da Associação Brasileira de História das Religiões
Carta aberta da Associação
Brasileira de História das Religiões sobre a polêmica em torno do lançamento do
livro:
“A grande onda vai te pegar. Marketing, espetáculo e ciberespaço na Bola
de Neve Church”
A Associação Brasileira de
História das Religiões, ABHR, recusa determinadas posturas assumidas pela “Bola
de Neve Church” diante do livro de Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão
Filho, “A grande onda vai te pegar, espetáculo e ciberespaço na Bola de Neve
Church”.
No dia 30 de outubro de 2013, durante os trabalhos do I Simpósio
Internacional / I Simpósio Regional Sudeste da ABHR na Universidade de São
Paulo, aconteceu uma sessão de lançamentos de livros. Como é comum acontecer em
eventos acadêmicos, nesses momentos os pesquisadores falam de seus trabalhos
para seus pares.
Por seu lado, o colega Eduardo Meinberg informou a todos que
um advogado da Bola de Neve Church o procurara instantes antes tentando
dissuadi-lo de lançar seu livro. Essa obra é desdobramento de sua dissertação
de mestrado em História na Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC.
Esse ocorrido está relatado na carta que o autor enviou à ABHR e a outras
associações científicas:
“No momento do lançamento,
um advogado da BDN foi à porta do auditório me chamar, acompanhado de dois
rapazes de porte avantajado, que aparentavam ser seguranças. O advogado tentou
me persuadir a não realizar o lançamento, dizendo que eu “iria ter
problemas”. Alegou que eles tinham propriedade intelectual do nome da
igreja e que o nome estava na capa; que aquele era um livro comercial e não
acadêmico (mal sabem que pelo acordo com a editora eles vão me encaminhar uma
pequena parcela em livros, e nada em dinheiro). Algumas pessoas do evento
testemunharam este contato da igreja comigo.”
A ABHR recusa essa prática
relatada pelo colega Eduardo Meinberg e é-lhe solidária em seu constrangimento.
Vale dizer que Meinberg estava na coordenação geral do evento.
Portanto, se
encontrava em situação de grande cansaço. Não compreendemos essa impostura
diante de um trabalho resultado de pesquisa conduzida de acordo com o Comitê de
Ética da UDESC, segundo relato da carta do autor, que recebeu orientação formal
e foi aprovada por uma banca idônea. O livro é apresentado por três grandes
estudiosos do Brasil e do mundo da área de religião, mídia e marketing.
Parte de nossas perguntas foi
respondida com o acesso ao documento do Diário de Justiça do Estado de São
Paulo[1]. A Igreja Bola de Neve tentou impedir a divulgação da obra de
Meinberg porque ela não havia autorizado o uso de sua marca em livro comercial.
Sobre essa questão vale ler o texto de alta sabedoria e competência jurídica do
Douto Magistrado.
Há um terceiro dado que nos
deixou sobremaneira impressionados e estamos seguros que deve ser objeto de
atenção de toda a comunidade acadêmica brasileira. O Blog “Religiosamente, bastidores e curiosidades do mundo religioso” publicou notícia com o título: “Bola de Neve tenta barrar ‘biografia’ sobre marketing e igreja” onde
encontramos a fala de uma advogada da instituição religiosa:
“(…) também diz que, pela sinopse
do livro, ‘foi possível deduzir que o juízo de valor promovido pelo autor não
condizia à realidade da entidade’. Enxergar a Bola de Neve como uma ‘agência
mercadológica é uma inverdade e, portanto, uma ofensa à entidade, que tem como
único alvo e fomentador de seus trabalhos o Senhor Jesus Cristo’[2]”
Essa fala parece recusar a
alteridade acadêmica. Um trabalho cientificamente orientado não elabora
meros juízos de valor. Ele opera com conceitos que são aprovados ou recusados
pela banca, dentro dos ritos legítimos da multissecular instituição
universidade.
A compreensão daquilo que é reputado como “realidade da
entidade”, a partir do lugar intelectual do historiador e daqueles que passam
pelos processos de formação dessa área de pesquisas no nível da pós-graduação,
é, em sua natureza, diferente do chamado senso comum. E é assim em todas as
instituições objetos de investigação pelos historiadores e, também, dos
diversos pesquisadores das humanidades.
Ambas as compreensões são legítimas. No
entanto, os estudiosos da Universidade não se ocupam em recusar as produções de
sentido das pessoas que participam dos grupos / instituições investigadas. Eles
esperam compreender, dada a sua relevância histórica. Por outro lado, àqueles
que participam dos grupos / instituições investigados não cumpre recusar a
compreensão produzida pela Universidade.
Causa espécie essa aparente recusa por
parte da advogada. Uma compreensão saudável da Universidade e de suas produções
são, recorrentemente, úteis para as próprias instituições religiosas. São
muitos os exemplos dessas instituições que promovem eventos em que são
convidados pesquisadores de diversas áreas, que são especialistas no estudo
dessas instituições e que não participam de suas comunidades de fiéis, para
falar e produzir textos.
As instituições religiosas com maior maturidade
compreendem que os acadêmicos são úteis para que elas próprias se
autocompreendam a partir do outro relevante que se constitui a Universidade.
Impossível não nos lembrarmos da
questão das biografias não autorizadas. No caso de Eduardo Meinberg de
Albuquerque Maranhão Filho parece ser a história não autorizada. É admirável o
teor de uma carta assinada por 200 intelectuais brasileiros, intitulada
“liberdade para as biografias”. Retiramos dessa carta um fragmento que nos
interessa de maneira especial:
“O historiador não pede licença
ao Estado ou aos partidos para escrever a história política; não solicita a
benção de Igrejas ou templos para expor sua visão sobre a história das
religiões; não depende de empresas ou corporações para analisar o fenômeno
econômico. Do mesmo modo, o biógrafo não pode estar submetido à autorização do
biografado para falar de seu personagem.”[3]
O livro de Eduardo Meinberg de
Albuquerque Maranhão Filho é uma produção que foi elaborada a partir de sua
pesquisa de mestrado em História. Suas referências bibliográficas são
admiráveis. Ele se reveste de grande interesse público. A tentativa de impedir a
sua divulgação é um atentado contra a Universidade brasileira num momento em
que ela passa por um singular e rico processo de admirável crescimento do campo
de estudos das religiões.
Confiamos sempre que os órgãos do Poder Judiciário
saberão proteger os direitos da Pessoa Humana que cobrem a liberdade
intelectual quando exercida com responsabilidade e competência. Entendemos que
a busca pelos tribunais da nação para impedir o lançamento de um livro
produzido dentro dos rigores da Universidade brasileira seria uma tentativa de
realizar o absurdo: usar o Estado Democrático de Direito para conseguir algo
que se avizinha à censura.
ABHR – Associação Brasileira de
História das Religiões
GT História das Religiões e das
Religiosidades – ANPUH
Apoio:
ANPUH – Brasil – Associação
Nacional de História
ACSRM – Associación de Cientistas
Sociales de la Religión Del Mercosur
[3] http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/11/1370016-academicos-divulgam-carta-a-favor-das-biografias-nao-autorizadas-leia-integra.shtml
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