Tráfico de pessoas avilta a dignidade humana, diz arcebispo de Porto Velho - Por Carlos Araújo
Rondônia é comprovadamente o
estado federado mais evangélico do Brasil, com uma grande quantidade de igrejas
protestantes, das mais diversas denominações.
Tentando resistir a essa onda
evangélica, que conquista cada vez mais novos fiéis, a igreja católica, uma das
mais antigas religiões do mundo, segue buscando novas tendências para manter e
conquistar adeptos da denominação que, historicamente, teria sido fundada pelo
próprio Jesus Cristo ao eleger Pedro, o primeiro Papa, seu representante maior
entre os apóstolos e demais cristãos.
Um dos diferenciais do
catolicismo, em relação a muitas religiões, é a atuação efetiva da igreja no
enfrentamento a alguns dos principais problemas da sociedade, tendo inclusive
atuação direta em muitos fatos registrados na história do Brasil. Uma das
formas da igreja agir é suscitando discussões em nível nacional, sobre temas
polêmicos e relevantes, através da Campanha da Fraternidade, que é realizada
anualmente desde a década de 1960.
Para falar da Campanha da Fraternidade
deste ano e de outros temas relevantes, o www.tudorondonia.com.br ouviu o
arcebispo de Porto Velho, Dom Esmeraldo Barreto de Farias. Há dois anos em
Porto Velho, Dom Esmeraldo é originário de Santo Antônio de Jesus, na Bahia.
Ele substituiu a Dom Moacyr Grechi, um arcebispo que teve forte atuação
política em Rondônia e no Acre, sendo inclusive ameaçado de morte por
criminosos e políticos corruptos acreanos, mas, diferente de seu antecessor,
Dom Esmeraldo é menos político e, a exemplo do Papa Francisco, é mais ligado a
missionariedade da igreja.
Apesar da evasão de fiéis da
igreja católica, o religioso diz não ter a pretensão de forçar ninguém a ser
católico nem de tentar convencer, por meios escusos ou ações proselitistas.
Segundo ele, se a pessoa acredita e respeita Deus, não importa a religião em
que congrega, mas os atos e palavras que testemunham em favor dele.
Confira a seguir a integra da
entrevista:
Tudorondônia: Quem é Dom
Esmeraldo?
Dom Esmeraldo: Eu nasci no
interior da Bahia, no município de Santo Antonio de Jesus, no ano de 1949. Fui
ordenado padre em janeiro de 1977 e sempre trabalhei em paróquias rurais e nas
cidades, até o ano 2000, quando fui designado bispo para a diocese de Paulo
Afonso. Em 2007 recebi o convite de transferência para Santarém, no Pará, e, em
03 de março de 2012, assumi a Arquidiocese de Porto Velho.
Tudorondônia: Quais são as
diretrizes da igreja católica, ou pelo menos da arquidiocese de Porto Velho?
Dom Esmeraldo: Nós temos um
plano de pastoral que foi trabalhado em todas as comunidades e nas coordenações
pastorais das paróquias e das duas regiões pastorais, que são Porto Velho e
Ariquemes. Nesse plano de pastoral nós temos três grandes prioridades, que são:
a missão, a formação de missionários e a pastoral de conjunto. Esse plano de
pastoral traz vários projetos e cada projeto traz varias atividades. Isso é
importante para dar uma visão de comunhão e de conjunto em todas as paróquias,
em todas as dioceses. Esse plano vigorará até 2016 e segue as orientações já
traçadas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras
orientações da Santa Sé e da igreja no mundo. Ele vai sendo colocado em
prática, porque em cada conselho pastoral paroquial e também nas pequenas
comunidades é estudado o que está no plano, até porque atinge todas as
pastorais, movimentos e as comunidades.
Tudorondônia: Qual tema da
Campanha da Fraternidade de 2014?
Dom Esmeraldo: Cada ano,
desde 1964, quando teve início a Campanha da Fraternidade, é assumido
nacionalmente um tema sempre ligado a uma realidade social que está precisando
de uma consideração, de um debate, de indicações de ações práticas. Este ano o
tema é “O tráfico humano”. A Pastoral da Mobilidade Humana, a Pastoral dos
Migrantes e a Comissão Pastoral da Terra já vinham trabalhando esse assunto na
prática há muito tempo, mas em 2011 esse assunto foi levado ao Conselho
Permanente da CNBB, que é formado por presidentes de cada uma das 18 regiões e
também pelos bispos que assumem as 12 Comissões de Pastoral da CNBB. O Conselho
Permanente junto com a presidência da CNBB aprovou esse tema ano passado para
vigorar na campanha desse ano. É claro que é uma situação muito forte e que
vai, com certeza, nos ajudar a descobrir algumas iniciativas importantes para
combater e, se Deus quiser, erradicar esse grande crime, esse grande mal.
Tudorondônia: Quais os
critérios que a igreja adota para definir o tema de cada campanha?
Dom Esmeraldo: É a
incidência daquele tema na vida social. A repercussão que tem e que pode ter.
Por isso, já tivemos temas relacionados à saúde, a ecologia, a questão da
terra. Isso sempre aparece em razão de serem temas importantes e situações que
precisam ser considerados em nível nacional, e este ano a questão é o tráfico
humano.
Tudorondônia: Qual será o
papel da igreja no desenvolvimento dessa campanha?
Dom Esmeraldo: Antes de
entrar no papel da igreja, queria só lembrar o objetivo geral da campanha deste
ano que é identificar as práticas de tráfico humano, suas várias formas, e
denunciá-las como violação da dignidade e da liberdade humanas, mobilizando
cristãos e pessoas de boa vontade para erradicar este mal, com vista ao resgate
da vida das filhas e filhos de Deus. A partir daí, o que a CNBB quer é primeiro
debater o tema em cada diocese, conselho pastoral, entre bispos, padres e
leigos. O tema precisa fazer parte da nossa pauta, nas igrejas, nas comunidades
e na cidade, através dos meios de comunicação, em suas várias modalidades. O
assunto precisa ser refletido, precisamos descobrir as causas desse grande
problema e vê-lo a partir do evangelho. A campanha da fraternidade não é
simplesmente uma ação sociológica ou política, ela tem é claro o ponto social,
o ponto político, mas é, antes de tudo, uma campanha feita a partir da fé. Por
isso que a iluminação da palavra de Deus é muito importante para, a partir daí,
se tirar os caminhos, as ações, que podem ser em nível do que cada pessoa pode
fazer, o que cada comunidade pode fazer, e, também, o que os órgãos públicos
podem e devem fazer. O que se espera é que, seja em nível de município, de
estado ou nacional e que esses âmbitos todos possam ser atingidos, já que é uma
reflexão que vai ser feita desde a pequena comunidade. Temos, na diocese, um
folheto sobre o tema da campanha, esse folheto já está sendo distribuído em
todas as paróquias para que, a partir dessa primeira semana de fevereiro, os
grupos bíblicos nas comunidades possam estudar, refletir e descobrir pontos de
encaminhamento para esse problema.
Tudorondônia: Como a igreja
pretende envolver a sociedade nesse debate?
Dom Esmeraldo: No caso de
Rondônia, temos vários órgãos que se preocupam também com essa questão de
trabalho escravo e de tráfico humano, o Ministério Público do Trabalho, a
Justiça do Trabalho. Então, é claro que vamos fazer contatos com essas
entidades, assim como com outras da sociedade civil, que possam se interessar e
que, com certeza, terão interesse sobre isso, porque um ponto muito importante
é que estas práticas de tráfico humano, incluindo o trabalho escravo, é uma
dura e terrível violação contra a dignidade humana. A região Norte tem a
maior incidência de redes de tráfico. Das 240 redes de tráfico do Brasil, que
pelo menos se tem notícia, 79 delas estão na região Norte. Isso em razão de ser
região de fronteira, de fácil acesso a países da Europa.
Tudorondônia: Então, o tema
da Campanha da Fraternidade cabe bem para a região Norte?
Dom Esmeraldo: Isso. A
região Norte é vulnerável nesse ponto. Seja para pessoas que saem daqui para
outros países seja também de pessoas que vêm da América Latina para cá. Essas
pessoas, às vezes, são aliciadas para o trabalho escravo, seja o trabalho como
emprego, seja também a exploração sexual. Há também a exploração das pessoas
para a utilização de órgãos para finalidades, com certeza, comerciais. Convém
lembrar que esse é um dos pontos mais lucrativos e fala-se de milhões de
dólares em todo o mundo. Coloca-se o tráfico de pessoas no mesmo nível do
tráfico de drogas. São dois grandes pontos da lucratividade ilegal que, com
certeza, faz apagar a consciência de tantas pessoas que não enxergam, nessa
atividade absurda, um grande crime contra a dignidade das pessoas.
Tudorondônia: Em Rondônia, a
gente vive uma realidade que é a presença dos imigrantes haitianos, é uma
realidade no Brasil, mas mais forte na região Norte, sobretudo, em Rondônia e
Acre. A igreja tem alguma denúncia de abuso, trabalho escravo ou se tem algum
tipo de tráfico nessa questão dos imigrantes haitianos?
Dom Esmeraldo: Aqui, na
Arquidiocese, temos a Pastoral do Migrante, que é um serviço prestado através
das irmãs religiosas da Congregação das Escalabrinianas e, nela, não há nenhuma
notícia de que esses haitianos, que aqui em Porto Velho já somam três mil
pessoas, sejam aliciados para trabalho escravo. Agora, quando eles chegam,
infelizmente, as condições em que se encontram são difíceis. Houve uma medida
do Governo Federal que, até fevereiro de 2012, concedeu documentação para
legalização. Só que, depois disso, em 2013, outros tantos chegaram por aqui,
normalmente vindos através do Acre. Manaus é outro grande pólo de concentração
de haitianos e se calcula que lá estejam oito mil haitianos. A cada dia que
chegam eles são atendidos pelo serviço que a Arquidiocese de Manaus
disponibiliza que é de acolhida, alimentação e curso da língua portuguesa. Aqui
também, na paróquia São João Bosco, em 2012 e 2013, foi oferecido sopa e outros
alimentos e também curso de português para os haitianos.
Tudorondônia: Dom Esmeraldo,
o Haiti não é um país de tradição católica e nem sua população. Aqui em Porto
Velho, por exemplo, apesar do trabalho que a igreja desenvolve com esses
imigrantes, não é perceptível a presença deles durante os cultos, durante as
missas. A igreja faz o bem sem olhar a quem ou ela tem uma predileção pelos
católicos?
Dom Esmeraldo: Essa é uma
pergunta que coloca a questão do proselitismo. Nós não somos proselitistas,
quer dizer, o que se pode fazer, se faz às pessoas que precisam sem interesse
de que elas possam participar da comunidade católica. Nós temos duas vertentes
de ação: ações que são feitas para aquelas pessoas que necessitam e que já
fazem parte da comunidade católica e aquelas outras que não estão participando
da comunidade católica, mas que tem necessidade. Afinal de contas, o que se
quer é que essas pessoas possam ter uma vida digna, e nossa luta não é só no
sentido da assistência, dar o alimento, o remédio, a colhida, mas também e
especialmente, lutar pelo direito que as pessoas têm. A palavra do Evangelho
diz: “Eu vim para que todos tenham vida”. Esse “todos” é abrangente, é
globalizante e isso é muito importante para nossa ação, não ficar só no
assistencialismo, mas lembrar que é um direito da pessoa, o direito, isto a
constituição brasileira reconhece, tendo com base a Declaração Universal
dos Direitos da Pessoa Humana de 1948, que declara que toda pessoa tem esse
direito de ir e vir, de ser considerada como pessoa humana. Então, isso é importante
por que é o que esta na lei, e olha que não faltam leis no Brasil. Mas o
tráfico existe, o trabalho escravo existe e outras situações que contradizem o
que as leis estão dizendo. Portanto o que falta é colocar essa lei em prática,
lutar para que aqueles que têm a responsabilidade de punir empresas ou grupos
que atuem nesse campo de ferir a dignidade das pessoas, desrespeitar, que isso
possa ser realizado.
Tudorondônia: Dom Esmeraldo,
o senhor tem falado muito da dignidade da pessoa humana. A própria Campanha da
Fraternidade desse ano tem esse tema como pano de fundo. A Constituição da
Republica, promulgada em 1988 tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.
O senhor acha que nesses 25 anos de constituição, as autoridades brasileiras
têm procurado cumprir esse fundamento da nossa Carta Magna?
Dom Esmeraldo: Em parte sim.
Mas não podemos tapar o sol com a peneira, em partes vemos que a valorização,
por exemplo, dos negros, em algumas partes dos povos indígenas, em outra ainda
tem muito a desejar, valorização das mulheres, da criança, etc. As nossas leis
procuram concretizar na prática aquilo que esta na constituição, mas, por outro
lado, quando olhamos, por exemplo, as periferias de Porto Velho, das grandes
cidades, o problema dos povos indígenas, o que eles estão sofrendo, sabemos que
tem uma pressão grande no Congresso Nacional para retirar direitos da própria
constituição para os povos indígenas, alegando que eles são poucos, com muita
terra, de que o Brasil precisa de empresas que possam desenvolver a terra e
quando olhamos as periferias, quando olhamos a questão da saúde, por exemplo,
qual é o tratamento que é dado aos pobres na saúde em Rondônia? Eu me lembro
que em abril de 2012 entreguei pessoalmente, nas mãos do governador, uma carta
com a minha assinatura e dos padres. A situação do hospital João Paulo II,
colchões pelo chão, a falta de higiene dentro do hospital, a falta de
atendimento, então, é claro que isso fere a dignidade humana, por que para
aqueles que têm dinheiro têm ótimos hospitais e, a aqueles que têm o direito ao
SUS e não se fazem isso? E claro que depois da pra ver também, se o hospital do
Câncer, que é mantido pelo SUS, com campanhas e dá um tratamento digno, seja em
Barretos, seja a filial aberta aqui em Porto Velho. Por que é que nos hospitais
que são comandados pelo poder publico isso não acontece? Isso mostra que as
leis são muito bonitas, mas que, na prática, essa situação permanece. Olhando a
questão do esgotamento sanitário e do saneamento básico em Porto Velho,
olha, se você visitar um bairro como o Nacional, onde o esgoto corre a céu
aberto, onde a onda de mosquito invade todas as casas e outras áreas daqui,
isso me parece que não precisa de nenhuma estatística, mas basta olhar pra ver
a situação em que esse povo vive.
Tudorondônia: Dom Esmeraldo,
mudando de assunto, vamos falar, de forma mais generalizada, da ação da igreja.
Como é que a igreja católica deve lidar com a questão da perda de fieis para
outras religiões?
Dom Esmeraldo: Esse é um
assunto que já vem sendo refletido. Então, nossa preocupação, como já me
referi, não é uma preocupação de proselitismo, de ir atrás das pessoas para que
elas venham a todo custo participar ou fazendo ameaças de que se não vier pra
igreja católica não serão salvas. A nossa perspectiva não é essa. O principio
fundamental é que cada pessoa de fé, seguidor e seguidora de Jesus Cristo,
discípulo, essa pessoa é chamada a ser missionária, e missionária é ir ao
encontro das pessoas, para escutar o que Deus faz na vida delas e para
descobrir a presença de Deus na vida delas. Agora mesmo, em Campo Novo de
Rondônia e em Monte Negro, do dia 27 de dezembro a 26 de janeiro, eu
acompanhei, juntamente com 65 seminaristas que vieram de vários estados do
Brasil, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, e 13 seminaristas daqui, 5
padres, 2 diáconos, alguns leigos, éramos num total de 90 pessoas missionárias,
indo de casa em casa escutando as pessoas, meditando o evangelho e fomos muito
bem recebidos por evangélicos, por católicos e fazendo celebrações, reuniões.
Então, isso também que já foi dito por mim de que o nosso plano de pastoral
trás como primeira prioridade, a missão, como segunda prioridade a formação
missionária. Isso mostra que precisamos retomar, sim, esse caminho que é o
próprio caminho de Jesus. O que Jesus fazia? Ele ia de aldeia em aldeia, de povoado
em povoado, de cidade em cidade. Ele entrava em muitas casas. Então, precisamos
fazer isso. Não podemos ficar pensando que basta ser o padre, o animador de
comunidade ou catequista ou bispo, ficarmos esperando que as pessoas venham. A
dinâmica, o incentivo agora é esse, de ir ao encontro das pessoas de
escutá-las, de dar atenção, escutar sua historia. Rondônia é uma terra de
migrantes, mais ou menos, as pessoas que tenham de 20 anos acima de idade, 70%
dessas pessoas são migrantes, inclusive eu que vim da Bahia. Então, nós
precisamos ir ao encontro das pessoas, escutar sua história e valorizar essa
presença de Deus que está na vida delas e, a partir daí, aprofundar o
Evangelho. Se a pessoa já participa da igreja católica, se declara católica,
mas não participa, fazemos o convite. Se a pessoa é de outra religião, de outra
instituição religiosa, incentivamos para que ela participe da sua comunidade,
para que siga o Evangelho, para que tenha o amor ao próximo. Portanto, esse é o
caminho que nós estamos fazendo hoje, ainda mais que toda a realidade de
Rondônia tem uma realidade de migração.
Tudorondônia: Os católicos
de Porto Velho e da jurisdição dessa arquidiocese conviveram durante muito
tempo com a liderança de Dom Moacir, o arcebispo que lhe antecedeu, e ele tinha
uma atuação com forte teor político. Desde sua chegada à arquidiocese,
percebemos que sua ação tem um apelo mais missionário, essa mudança tem sido
bem aceita pelo fiéis dessa arquidiocese?
Dom Esmeraldo: Não me cabe
aqui fazer avaliação do tempo de Dom Moacir. A classificação política fica por
conta do jornalista Carlos Araujo. O que eu digo é que toda ação humana tem
implicação social, política, cultural e ela parte do fundamento de que a pessoa
quer, na linha que ela quer dirigir, da qual ela parte. Claro que, para nós,
partimos sempre do Evangelho que é a fonte e o Evangelho nos diz que precisamos
ir ao encontro das pessoas, considerar a realidade das pessoas, a realidade
familiar, social, política e que não podemos ser indiferentes diante do
sofrimento das pessoas. Por isso é que o encaminhamento que fazemos nos vários
organismos sociais, políticos, nas autoridades que estão no Poder Judiciário,
Executivo e Legislativo, faz parte da nossa ação. Não é que a igreja queira
fazer política partidária, isso não. O que nós queremos é que a pessoa seja
beneficiada, que a dignidade humana seja recuperada, seja respeitada e, é claro
que não podemos deixar de conversar, de propor, de reivindicar daqueles que
tenham competência para isso que são os poderes.
Tudorondônia: O senhor
assumiu a Arquidiocese há menos de dois anos e tem essa proposta de uma igreja
mais missionária. O Papa Francisco, que assumiu no ano passado, tem o mesmo
discurso. Ele também tem feito essa mesma pregação, de uma igreja menos
encastelada e mais missionária. O senhor acredita que essa é uma nova tendência
da igreja Católica, agora referendada pela atuação do Papa Francisco?
Dom Esmeraldo: Veja bem,
esse ponto já vem de antes. Vem do Concílio Vaticano Segundo, realizado de outubro
de 1962 ate 1965, quando, em período de alternâncias, os bispos iam para Roma
e, depois, ficavam um tempo nas suas arquidioceses. O Conciliojá define a
igreja, por natureza, como missionária. É um dos documentos que se refere a
missão junto a povos não cristãos e define a igreja como fazendo parte da sua
natureza ser missionária. A partir daí, o papa João Paulo II, quando completou
25 anos desse documento, sobre a missão junto a povos não cristãos numa
encíclica chamada Retempitorio is missio, ele exatamente enfoca a missão
de Cristo e a missão da igreja e convida toda a igreja a reavivar a
missão. Quando foi na preparação do jubileu no ano de 2000, o papa João Paulo
também lembrou isso, dizendo: “Nós precisamos de uma nova evangelização, com novos
métodos, novo modo de se aproximar das pessoas”. A partir daí, é claro que
antes podemos dizer que uma famosa encíclica do papa Paulo VI, de 1975, sobre
evangelização dos povos, tem essa dimensão missionária. O que aconteceu nos
últimos anos é que o enfoque se tornou mais incisivo e esse enfoque aparece no
documento de Aparecida, de 13 a 31 de maio de 2007, com a abertura feita pelo
Papa Bento XVI em Aparecida, São Paulo, lá no Santuário de Nossa Senhora
Aparecida. Ali, em torno de 200 bispos de toda America Latina e alguns
representantes da Santa Sé, mais 20 que foram do Brasil, esses bispos definiram
o caminho da evangelização como o caminho missionário. Por isso que a expressão
que mais se repete é discípulo missionário. Com isso, os documentos e as diretrizes
da CNBB enfocam uma igreja em estado permanente de missão, essa expressão vem
do documento de Aparecida de 2007, passa para as diretrizes da CNBB e, claro,
como o Papa Francisco, na época Cardeal Jorge Bergoglio, foi o redator
principal do documento de Aparecida, então ele era o cabeça da equipe que
ajudou a construir, se responsabilizou pela redação final. Eram mais de 200
bispos, todos dando a sua idéia, mas essa comissão era coordenada e presidida
pelo então cardeal Bergóglio, agora Papa Francisco. Quando olhamos a ultima
encíclica de novembro do papa Francisco, sobre a alegria do Evangelho, vemos
que ele cita várias vezes e toma, mesmo quando não cita claramente, várias
intuições missionárias do documento de Aparecida e uma expressão bonita é essa:
“Não deixemos que nos roubem a força missionária”. Então, eu creio que é um
ponto muito importante. O papa Francisco usa essa expressão: “uma igreja em
saída”, quer dizer, uma igreja que vá às periferias existenciais. Portanto, os
idosos, os drogados as pessoas que por tantas razões se afastaram do
convívio, não só da igreja católica, mas da fé. Rondônia tem 22%, conforme o
senso de 2010, de pessoas que se declaram não participantes de nenhuma
confissão religiosa. É um índice alto que corresponde em torno de trezentas mil
pessoas no nosso Estado, com um milhão e seiscentos mil pessoas, é a maior
percentagem do Brasil em termo de pessoas que não se declaram ligadas a nenhuma
religião. Então, vendo essa situação de periferias existenciais, mas, também de
periferias sociais, como já mencionei os indígenas, os pobres dos bairros,
daqueles que moram em regiões tão distantes, na área rural, são situações
assim, muito terríveis e que precisam fazer com que possamos acordar para ir ao
encontro dessas pessoas, com todo respeito e descobrindo que a presença de
Cristo já está especialmente também no meio dessas pessoas.
Tudorondônia: Vivemos num
mundo cada vez mais de facilidades, as mídias sociais, as redes, enfim, a
informática facilita uma série de atividades da vida humana, permitindo um novo
entendimento do mundo, levantando inclusive questionamentos sobre a família e
outros assuntos considerados tabus. Há ainda as exigências da igreja católica,
na questão, por exemplo, do batismo, do casamento e de alguns outros sacramentos,
isso tudo pode contribuir para o afastamento de alguns fiéis ou o senhor não
considera isso?
Dom Esmeraldo: A igreja
católica tem suas normas e várias dessas normas vão se adaptando a realidade
das pessoas. É claro que o fundamental é ver a situação concreta de cada
pessoa, se existe uma norma a respeito do batismo, por exemplo, precisamos
olhar e, inclusive, o Papa se refere nas suas ultimas entrevistas exatamente a
isso. Ele disse: “se chega uma mulher, cujo pai não se declarou e nem assume
a criança ou se declarou, pôs o nome no registro mas não assume, vamos acolher
essa pessoa com carinho, com toda a dignidade que ela tem e merece, e a partir
daí vamos conversar, vamos ver por quê. É claro que não se trata do sacramento
pelo sacramento, mas de ter um mínimo de garantia, para que aquela criança
batizada, ou aquele adolescente batizado, ou aquele adulto batizado, possa ser
acompanhado, porque a fé é uma semente que precisa ser cultivada e
acompanhada. Então, as exigências existem, mas precisamos considerar cada
pessoa em sua historia, em sua vida, em sua situação.
Tudorondônia: Dom Esmeraldo,
em cima disso que o senhor falou e, considerando que a atuação do Papa
Francisco tem forte apelo popular como ficou demonstrado na Jornada
Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, possa contribuir para evitar as fugas
dos fiéis da Igreja Católica e ate mesmo para revitalizar a fé dos
católicos?
Dom Esmeraldo: A fé é um dom
de Deus, a fé é uma semente como já falei e essa semente precisa ser cultivada.
Toda semente, toda árvore, se ela não é cultivada, a não ser que ela já tenha
autonomia, mesmo assim, ela sendo uma castanheira por exemplo, de 10 ou 20
metros, ela precisa da chuva. Se ela fica num lugar que passa um ano, dois,
três, quatro sem chuva, ela vai morrer. Então, ela precisa de chuva, ela se
alimenta do adubo, das folhas do húmus que a própria terra vai fabricando com
tudo aquilo que ela recebe. A fé precisa ser cultivada na família, na
comunidade eclesial, onde a pessoa participa mais diretamente, cultivada com
ajuda do testemunho de outras pessoas, cultivada também pelo que os meios de
comunicação podem transmitir, podem ajudar, e é claro que uma pessoa como o
Papa tem influência muito grande. Nós vimos, eu vi e escutei de pessoas aqui em
Porto Velho o seguinte: “olha que maravilha ver um Papa humilde, simples, que
não fica com medo de se aproximar das pessoas. Um Papa que se refere a um
Evangelho (não que os outros não se referiam, mas, ele tem um modo particular
de fazer isso), um papa que se abre”. Veja nas entrevista que ele deu, falando
sobre tantos assuntos, um papa que telefona para as pessoas de Buenos Aires ou
de outros lugares do mundo. Um papa que se dispõe a isso é claro que mostra que
quem assume um cargo ou uma missão na igreja não é para se distanciar das
pessoas. Ao contrario, é para ser um servidor e eu vejo que é isso que desperta
um grande entusiasmo, não só para os católicos mas entre pessoas de outras
denominações religiosas e pessoas que não professam credo nenhum e que admiram isso.
Não é à toa que, por exemplo, o presidente da França, não é só uma questão
política, já teve uma entrevista com o Papa e o presidente dos EUA já tem
audiência marcada com o Papa. Isso mostra que um homem pode, com a graça de
Deus, não por ele próprio, não só ajudar a Igreja, mas também ao mundo a
reencontrar caminhos.
Tudorondônia: Qual é o peso
das Ceb’s, as Comunidades Eclesiais de Base, para a missão da Igreja
Católica?
Dom Esmeraldo: As Ceb’s
surgem especialmente nos anos 60, quando já havia os grupos bíblicos e ação
católica com seus vários campos no meio juvenil, rural, universitário, entre os
profissionais liberais, ação católica operaria e a partir dos anos 60, foi
vendo a importância de não se ficar centralizado na igreja, isto é, no templo e
que essas pequenas comunidades poderiam muito bem meditar o evangelho e serem
pequenas igrejas sem ser em forma de templo, mas pequenas igrejas vivas,
reunindo famílias, reunindo pessoas. Isso foi crescendo, foi tendo
reconhecimento. Na America Latina, o documento de Medelim,de 1968, e a própria
Encíclica de Paulo VI, de 1975, sobre a evangelização dos povos. Essa encíclica
faz menção às comunidades eclesiais de base e, a partir daí, foi se vendo o
quanto cresceu nos anos 70, 80 e 90, e eu participei, agora, em Juazeiro do
Norte, de 07 a 11 de janeiro, do XIII Encontro Intereclesial das Comunidades
Eclesiais de Base, com mais de cinco mil pessoas. Isso revitaliza e mostra a
importância desses pequenos grupos que, a partir do Evangelho, procuram viver a
fraternidade, a solidariedade e a fé em suas regiões.
Tudorondônia: Qual será a
programação da Arquidiocese de Porto Velho para o período de Carnaval?
Dom Esmeraldo: Todas as
paróquias funcionam normalmente, com todas as celebrações, com os encontros já
previstos. Como evento especial, temos o “Viva Cristo”, que é organizado pela
Renovação Carismática Católica, que faz a sua abertura no sábado de carnaval e
termina com a celebração na terça-feira de carnaval, no período da tarde. E os
Salesianos organizam, com os jovens que estão mais ligados a paróquia do
Salesianos, um evento nos sítios que os Salesianos têm na BR-364, a 20 km de
Porto Velho. Todas as outras atividades, celebrações, momentos de oração, isso
continua em todas as paróquias, porque o que queremos é rezar pelos que
participam do carnaval, para que possam fazer uma festa em paz, para que não
usem de violência, para que saibam respeitar suas famílias e em preparação ao
começo da quaresma e da campanha da fraternidade, na quarta-feira de
cinzas.
Tudorondônia: Vai ser o
lançamento da Campanha da Fraternidade na quarta-feira de Cinzas, como em todos
os anos?
Dom Esmeraldo: Quarta-feira
de Cinzas, na parte da tarde. E aqui vai um convite para a imprensa. Deveremos
fazer uma pequena caminhada que está sendo coordenada pela Rede de Luta Pela
Vida, para o combate ao tráfico humano. Se Deus quiser, faremos a caminhada e a
abertura da campanha. Vamos fazer um convite a toda a imprensa e assim podermos
iniciar a Campanha da Fraternidade com a celebração da quarta-feira de
cinzas.
Tudorondônia: Como o senhor
avalia a afirmação do padre Fabio de Melo, que é um padre pop, um padre com
muita influência, sobretudo na juventude, de que a igreja católica exacerba o
culto à Maria. O senhor acha que isso tem algum peso no dia-a-dia da
Igreja?
Dom Esmeraldo: Eu não li. Na
verdade estou sabendo aqui pelo senhor. Como eu não li o contexto em que ele
falou isso, então fica pra mim difícil fazer uma ponderação. O que para nós é
verdade é que Maria ocupa um lugar importante, o lugar principal é sempre de
Jesus Cristo, que é o Salvador do mundo. Isso faz parte da nossa fé, mas a
partir do que encontramos na bíblia, no evangelho de Lucas, de João, livro de
Apocalipse, Atos dos Apóstolos, são livros bíblicos que estão aí em todas as
denominações religiosas, são livros bíblicos que colocam um valor importante de
Maria dentro do mistério da salvação. Então, vemos quando o Evangelho diz que
Maria é Cheia de Graça, quando o Evangelho diz que, através da palavra de
Isabel, do anjo Gabriel, Deus está contente com Maria, o espírito santo virá
sobre “você”, a criança que será concebida será pela força do Espírito Santo,
quando Isabel diz: “bendita és tu entre as mulheres, você é feliz porque
acreditou, você é mulher de fé”. Quando Maria, com muita humildade, reconhece
que Deus fez grandes coisas através da humildade dela, que o maior é Deus, que
Deus é o Senhor. Ora, não podemos deixar de considerar essa pessoa, criada por
Deus. A Igreja Católica continua afirmando que ela é concebida sem a mancha do
pecado original, que ela é imaculada. Isso é importante para nós. Quem não tem
essa visão não descobriu ainda esse lugar importante de Maria na nossa vida
espiritual, na nossa evangelização. Com certeza ainda vão sentir alegria de
descobrir e, olha, é uma mulher que tem pela bíblia, uma posição muito
especial. Precisamos escutar e descobrir nessa mulher os sinais de Deus, tudo
por causa de Jesus Cristo. Se ela foi escolhida por causa de Jesus, se palavras
são ditas, por causa de Jesus, pois Ele é que é Salvador do mundo.
Tudorondônia: Finalmente, eu
gostaria de ter uma mensagem do nosso Arcebispo Dom Esmeraldo Barretos de
Farias para a nossa comunidade para a nossa sociedade.
Dom Esmeraldo: Através do
Tudorondônia, através do jornalista Carlos Araujo, primeiro eu agradeço a
oportunidade da entrevista, e segundo, eu quero dizer que assim como o Papa
diz: “não deixemos que nos roubem a força missionária”, eu diria: não deixemos
que nos roubem a esperança, a vida comunitária. Diante do individualismo da
sociedade atual, não deixemos que nos roubem o Evangelho, não deixemos que nos
roubem a fé. Então que a fé, a esperança, a força do evangelho, a caridade continuem
sempre, na minha vida, mas também na vida de quem tem oportunidade de
acompanhar este momento, na vida de cada pessoa, que sejam pontos fundamentais
da nossa vida, porque é assim que Cristo nos deseja. Ele, que é o salvador do
mundo, deseja que todos tenham vida, que tenham vida em abundância.
Fonte: http://www.tudorondonia.com
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