A concórdia, dever a efectivar-se nas diversas formas de religião – Por Cunha Sério*.
Nas informações que, todos os
dias, nos chegam das lutas e guerras vividas, neste mundo, sobressaem, hoje, as
terras do Médio Oriente, onde se cruzam ódios e rivalidades entre os fiéis
pertencentes às chamadas Religiões do Livro: judeus, cristãos e muçulmanos.
Ora estas crenças cuja origem se enxerta no mesmo tronco: Abraão, o grande patriarca apontado, no primeiro livro da Bíblia, que judeus e cristãos têm como revelação divina e é indicado, no Alcorão, a leitura dos muçulmanos (a palavra Alcorão significa Leitura) como antepassado dos seguidores das religiões monoteístas seguidas ainda hoje por milhões e milhões de crentes.
Da parte da Igreja Católica existe hoje um anseio de entendimento recíproco entre todos os homens mormente entre os que aceitam a fé num único Deus verdadeiro, Criador de todas as coisas.
Textos conciliares do Vaticano II, ao mencionarem estas três famílias que fundamentam a sua fé na existência de um só Deus, depois de citarem o cristianismo indicam as outras duas:
“Em primeiro lugar, aquele povo que
recebeu a aliança e as promessas e do qual nasceu Cristo segundo a carne...Mas o desígnio de salvação
estende-se também àqueles que reconhecem o Criador, entre os quais vêm, em
primeiro lugar, os muçulmanos, que professam seguir a fé de Abraão e connosco
adoram o Deus único”.
Infelizmente, ao longo da história, entre os seguidores do monoteísmo surgiram
não poucas controvérsias até por causa de ensinamentos julgados divinos
misturados com critérios e desequilíbrios humanos. Nasceram mesmo guerras civis
por motivos que deveriam ser fonte de unidade e concórdia entre quem se
considera nascido do único Senhor.
Ao falar destas rixas entre os seguidores de Cristo e os discípulos de Maomé escreve o Concílio:
“E se é verdade que, no decurso dos séculos, surgiram entre
cristãos e muçulmanos não poucas discórdias e ódios, este Sagrado Concílio
exorta todos a que, esquecendo o passado, sinceramente se exercitem na
compreensão mútua e juntos defendam e promovam a justiça social, os bens morais
e a paz e liberdade para todos os homens”.
É que em numerosos aspectos da vida humana, todos seguem mandamentos cujas raízes defendem: a concórdia entre os povos, o respeito por todos os filhos de Deus que compõem a humanidade, a paz universal do mundo inteiro.
Nos nossos dias, os mentores e dirigentes destas religiões apregoam continuamente, com gestos e palavras, o dever da unidade e da paz a estabelecer entre todas as raças, doutrinas, nações, respeitando a liberdade de todos numa tolerância benévola e caridosa.
Recordemos os diferentes encontros iniciados por São João Paulo II, em Assis e estendidos até aos dias de hoje, sobretudo quando se temem os horrores de conflitos sinistros, destruidores de vidas humanas, populações indefesas, monumentos da história¸ organizações do presente, construções para o futuro e uma série imensa de engrenagens estruturais para as gentes vindouras.
Por entre os acontecimentos que agitam sobretudo as nações onde os muçulmanos vivem, em grandes colectividades, provocando mal-estar e desordens até à morte, apraz escrever algumas palavras de seguidores de Maomé, de Cristo e de Moisés, para sabermos não nascerem estes factos tremendos na fé dum único Deus.
Ibn’Arabi, muçulmano espanhol de século XIII, afirma:
“Houve tempo em que eu
rejeitava o meu próximo, se a sua religião não fosse a minha. Agora o meu
coração tornou-se receptáculo de todas as formas religiosas: é pradaria de
todos os animalejos, claustro de monges cristãos, templo de ídolos,
abrigo de peregrinos, Tábuas da Lei e Folhas do Alcorão, porque professo a
religião do Amor e vou onde correr o seu corcel, pois o Amor é o meu credo e
minha fé”.
S. Bento deixa exalçado na sua Regra:
“A todos os hóspedes que se apresentem no
mosteiro hão-de acolher-se como ao próprio Cristo em pessoa, porque Ele dirá,
um dia: ‘fui peregrino e acolhestes-Me’. Aos peregrinos sair-se-á a receber com
nossa sincera caridade, saudando-os com humildade profunda. Uma vez acolhidos,
ler-se-á, diante deles a Lei divina e logo se lhes obsequiará com todos os
sinais da mais humana hospitalidade”.
Abraão, patriarca de todos os crentes, o pai do Povo Escolhido Israel, foi registado pelos israelitas como o exemplo do hospedeiro, porque, sem o saber, recebeu o mesmo Deus:
“Abraão ergueu os olhos e viu três homens de pé em frente
dele. Imediatamente correu à entrada da tenda ao seu encontro, prostrou-se por
terra e disse: ‘Meu Senhor, se mereci o teu favor, peço-te que não passes
adiante, sem parar em casa do teu servo. Permite que te traga um pouco de água
para te lavar os pés; e descansai debaixo desta árvore. Vou buscar um pouco de
pão e, quando as vossas forças estiverem restauradas, prosseguireis o vosso
caminho, pois não deve ser em vão que passastes junto do vosso servo’. Eles
responderam: ‘Faz como disseste’”.
Tal disponibilidade que levou o patriarca a
preparar um lauto banquete granjeou da parte de Deus, presente nos transeuntes,
a promessa de um filho na sua velhice.
Entre os homens paira o ditame antigo: “Faz aos outros o que queres que te façam a ti” ou noutra versão: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”.
Ao pensar nas guerras e revoltas actuais, não vamos julgar ser a religião que provoca tantos males. Muitos homens não seguem as suas crenças, mas seus apetites.
Nada de confusão na análise destes acontecimentos e saibamos estabelecer a paz entre todos os homens, firmando-nos na compreensão que gera a caridade.
Cunha Sério* - Padre.
Fonte: http://www.jornalaguarda.com
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