A crença, em muitos tamanhos e formatos – Por Samuel Silva
Israel é o território onde Natan
Dvir fotografou, durante cinco anos, cerimónias de quatro religiões, mas também
manifestações políticas e sociais.
Com essas imagens construiu Belief, a
série com que expõe pela primeira vez em Portugal: Encontros da Imagem, em
Braga.
“Perturbado”. Ao longo da conversa com o
Ípsilon, Natan Dvir (Nahariya, Israel, 1972) repete esta expressão mais do que
uma vez.
Nascido em Israel, mas radicado
nos Estados Unidos desde há cinco anos, o corpo central do seu trabalho tem-se
centrado nas diferenças culturais e religiosas, abrindo possibilidades de
convivência que parecem arredadas do quotidiano daquela região.
Esta
característica do seu trabalho abre uma porta para que, além de fotografia,
fale sobre temas políticos. E é nessa altura que começa a repetir a mesma
palavra.
“Perturbado”. Usa-a para falar da ameaça do Estado Islâmico e do
fanatismo religioso, repete-a quando o assunto é a limitação que sente, no seu
país de origem, para expressar a visão plural que tem para aquele território.
Voltará a recorrer a ela para falar da última guerra em Gaza, no Verão deste
ano.
Dvir é hoje um homem menos
optimista do que há dez anos, quando começou a fotografar Belief, a série
que expõe, desde há uma semana, na Reitoria da Universidade do Minho, no âmbito
dos: Encontros da Imagem, até 31 de Outubro. E ainda mais depois do último
Verão. A guerra (mais uma) em Gaza “acabou de matar a esperança”, diz.
Nasceu em Israel, agora vive em
Nova Iorque. Por que se mudou?
Quando comecei a minha carreira era um auto-didacta. Comecei no fotojornalismo, mas o meu trabalho estava a ir, cada vez mais fortemente, para o mundo da arte e senti que precisava de expandir o meu conhecimento. Decidi entrar num Master em Fine Arts, na School of Visual Arts. Esta foi a desculpa para ir para Nova Iorque. Mas a razão principal é que queria viver em Nova Iorque e expandir a minha inspiração visual. Sendo um país fascinante, Israel é limitado desse ponto de vista. E eu queria novos desafios para desenvolver a minha fotografia.
O facto de ser de Israel é uma marca no seu trabalho como fotógrafo.
Nem sempre. Tenho diferentes
corpos de trabalho, que correspondem a diferentes temas. Tento explorar
questões politica, sociais, culturais e económicas, de um ponto de vista
humano.
As pessoas em Israel gostam de
expressar as suas opiniões e gostam de debater sobre elas. No passado, senti
que esta era uma troca de ideias ou opiniões mais frutífera, mas nos anos mais
recentes tem-se tornado cada vez mais problemático. Algumas opiniões têm-se
tornado ilegítimas, o que realmente me perturba ao pensar que Israel é um país
democrático e que devia aceitar que todas as opiniões sejam ouvidas e
partilhadas.
Mas crescer num país como Israel, onde as diferentes identidades
religiosas e culturais estão bastante presentes, não é parte da explicação para
o facto de ser tão aberto às diferenças entre culturas?
Definitivamente é parte da
questão. Israel é uma sociedade muito heterogénea em termos de religião, de
opiniões, de estatutos económicos e sociais. É um local pequeno, mas com muitas
coisas a acontecerem. Ali, alguém pode escolher manter apenas uma opinião e
defendê-la com muita força, ou, como é o meu caso, pode preferir abrir o
espectro e ser mais interessado em pessoas que são diferentes de si. Não penso
que essas pessoas sejam uma ameaça à minha existência ou que haja um problema
por serem diferentes. Na verdade, interessam-me por isso. Israel é
definitivamente parte deste ponto de vista pluralista.
É isso que encontramos nesta série Belief. Foi um trabalho longo?
Trabalhei nesta série por cinco anos. Os trabalhos mais antigos são de 2004 e o último foi fotografado em 2009. No início, não sabia que estava a trabalhar nele. Estava a fotografar em vários locais de Israel e, um ano ou dois depois, comecei a olhar para o meu arquivo e a perceber que havia várias fotografias em eventos políticos e religiosos que eram muito cinematográficas. Comecei a analisar qual era o meu interesse neste tipo de imaginário e percebi que estava fascinado com a forma como as pessoas praticam as suas crenças, os lados bons e os maus disso. E depois decidi começar a trabalhar de forma mais consciente, o que aconteceu algures no final de 2005 ou no início de 2006.
Todas as fotografias foram feitas em Israel? E que religiões são
retratadas?
Sim, todas as fotografias são
feitas em Israel. Há, obviamente, judeus, mas também cristãos, muçulmanos e
samaritanos. São quatro religiões diferentes. Mas Belief não é apenas
sobre religiões, é sobre crenças. É por isso que titulei a série desta forma. Podem
ser crenças políticas, questões de género, ou qualquer coisa que esteja na
nossa vida.
Há fotografias que têm uma aproximação claramente mais fotojornalística
e outras que são mais pictóricas.
Todas as fotografias foram
escolhidas porque não descrevem um momento específico. Pode questionar o que
está a acontecer aqui, mas não há muita informação, intencionalmente, porque
isso não é importante. As fotografias devem criar um “mini-cosmos” para poderem
ser contempladas, independentemente do evento específico. Estas imagens têm
muitos mais sentidos e é isso que as torna arte. Não descrevem um evento, mas
permitem a contemplação e um questionamento mais abrangente. A série adopta,
intencionalmente, uma linguagem mais dramática e, uma vez que estamos a falar
de religião, obviamente que há referencias à historia da arte, especialmente à
arte religiosa. Além disso, a luz, a composição, a cor foram instrumentos muito
importantes.
É mais do que um catálogo de crenças?
Não é um catálogo de crenças. De
facto, a série trabalha em sentido contrário à possibilidade de falar-se de um
quadro específico de crenças ou religiões. O que pretende é pensar acerca do
que é mais comum entre as religiões e do que é diferente entre elas. Olho para
a crença como uma necessidade de a pessoas acreditarem em alguma coisa. As
crenças têm uma série de valores, como um sentido de tradição, de pertença a
uma comunidade, de entendimento das questões mais importantes da vida, mas, por
outro lado, podem empurrar-nos para situações extremas, como o fanatismo e para
outras situações muito complexas. Tento explorar este eixo entre os lados bons
e os maus. E uso as crenças políticas e religiosas apenas como exemplo, porque
Israel é visualmente muito interessante desse ponto de vista. No entanto, podia
facilmente fazer uma série como estas nos EUA acerca das crenças politica ou
económicas. A crença vem em muitos tamanhos e formatos. Em Israel faz mais
sentido falar sobre questões políticas e religiosas.
Como olha para fenómenos como o Estado Islâmico e o que está a
acontecer na Síria e no Iraque?
Fico perturbado com o fanatismo
na religião e com as várias formas de comportamento extremista. percebo de onde
vem este fenómeno, mas isso é também parte daquilo que “Belief” está a
discutir. É assustador pensar no que está a acontecer na Síria ou no Iraque,
porque é uma ameaça sobre a forma como vemos a nossa vida moderna.
Por outro lado, as pessoas do
Estado Islâmico também podem olhar para nós e dizer que é o mundo Ocidental que
é uma ameaça à forma como as pessoas deviam estar a viver as suas vidas como
muçulmanos. É sempre uma questão de ponto de vista. Mas penso que o
comportamento fanático é muito problemático para nós, enquanto seres humanos.
Tem este ponto de vista equilibrado sobre as questões religiosas. Isso
não lhe levanta problemas em Israel?
Provoca, em alguns casos. As pessoas em Israel gostam de expressar as suas opiniões e gostam de debater sobre elas. No passado, senti que esta era uma troca de ideias ou opiniões mais frutífera, mas nos anos mais recentes tem-se tornado cada vez mais problemático. Algumas opiniões têm-se tornado ilegítimas, o que realmente me perturba ao pensar que Israel é um país democrático e que devia aceitar que todas as opiniões sejam ouvidas e partilhadas. Também fiz alguns projectos acerca do conflito israelo-árabe.
Sim, Eigtheen, uma das suas séries mais recentes.
Precisamente. Foca-se na
população árabe de Israel. Pessoas que são cidadãos de Israel, mas têm origens
palestinianas e que são 20% da população do país. Eu concentro-me em pessoas
com 18 anos, porque queria pensar sobre o futuro. Estas são pessoas que estão a
começar as suas vidas.
E esse é um momento onde começa a haver diferenças entre os jovens daquele
território, uma vez que os árabes não vão para o exército, ao contrário dos
judeus, que têm que cumprir o serviço militar.
É exactamente isso. Foi aí que
começou a minha ideia: É aqui que nós nos separamos. Eu fico perturbado porque,
como muita gente, espero que se encontre algum tipo de solução onde toda a
gente possa viver junta e ter uma vida próspera. Toda a região tem um potencial
fascinante, mas, com o passar dos anos, fico cada vez menos optimista e cada
vez mais perturbado, especialmente depois da recente guerra em Gaza.
Porquê?
Porque há opiniões radicais a
serem partilhadas dos dois lados e a devastação foi incrível e acabou de matar
a esperança. Neste momento há uma nova geração em Israel que odeia os
palestinianos e uma nova geração em Gaza que odeia Israel. Houve uma destruição
imensa que vai demorar anos e anos a reconstruir. Nada, absolutamente nada,
mudou, apenas a esperança foi destruída.
Como é que se passa de trabalhos como Belief ou Eighteen para Coming soon,
onde fotografa cartazes gigantescos em Nova Iorque? O mundo da publicidade
também é um mundo de crenças?
Não há crença aí. A minha ideia
aí era fotografar um tema diferente e usar uma linguagem fotográfica diferente. Eighteen é
muito mais retrato, retratos muito confrontadores, que discutem a natureza da
minha relação com aquelas pessoas. No caso de Coming soon sou muito
mais um observador. Mudei-me para os EUA há cinco anos e não o mesmo que viver
num sítio por 30 e alguns anos e poder chamar-lhe lar. Eu queria justapor o
sonho nos cartazes com a realidade debaixo deles e queria discutir a paisagem
urbana e comercial de Nova Iorque, a cultura comercial, pensando sobre os
sonhos que existem nos Estados Unidos.
É o ponto de vista de um estrangeiro?
Ser estrangeiro ajuda, neste caso.
Muitos americanos nem sequer reparam nos cartazes. Quando lhos mostrei, diziam:
“A sério? Nunca tinha reparado nisso”. Às vezes, é preciso vir de fora para
perceber coisas que, para as pessoas de lá, são muito comuns, outras vezes vé
preciso estar por dentro para ir ao fundo das questões. São capacidades
diferentes que ajudam em projectos diferentes. Ambos me interessam e estou no
momento certo da minha vida para ser capaz de o fazer, em termos fotográficos,
mentais e de interesse num tema, sendo capaz de o explorar do ponto de vista
visual, filosófico e artístico.
Fonte: http://www.publico.pt
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