As religiões do mundo sob um mesmo teto - Por Marc-André Miserez
Dizem que é única no mundo: na
periferia operária e multicultura de Berna, capital suíça, uma casa tem cinco
santuários, de cinco religiões diferentes.
Lugar de coexistência, mas também de
trocas e abertura a todos os públicos.
Com a ponta da espátula, o artista
faz o acabamento do ombro de Ganesh. O pequeno deus com cabeça de elefante
sentado em um joelho de Shiva, é uma maiores divindades do panteão hindu.
Mais
baixo no andaime, um operário prepara a argamassa, encobrindo o barulho da
máquina ouvindo uma cantora tâmil que ele vocaliza num pequeno aparelho de som.
Um pouco mais longe, certos altares já mostram suas cores vivas. Mas a grande
torre que marca a entrada do templo, por enquanto só tem a cor do cimento.
É que essas esculturas e pinturas
vieram especialmente do Tamil Nadu. “Foi bem difícil de obter os visas.
Tínhamos a impressão que a cada etapa do procedimento, devíamos recomeçar toda
a papelada”, conta Sasikumar Tharmalinguam, o sacerdote hindu da Casa das
Religões.
“Difícil, é pouco”, retifica Brigitta Rotach», responsável do
programa cultural da instituição.
Mas hoje, ambos têm tendência a
sorrir. Porque no dia da abertura, neste domingo 14 de dezembro) chegou enfim.
Então se esquecem dos problemas administrativos, é hora de festa, de encontros,
da concretização de uma ideia que surgiu há quase 15 anos.
Construir antes de construir
Na época, Brigitta Rotach,
teóloga de Zurique de origem judaica, anima o programa “Sternstund” na
televisão suíça de língua alemã.
É lá que ele encontra Hartmut
Haas, pastor morávio (um ramo do protestantismo) que dirige atualmente a
associação Maison des religions – Dialogue des cultures.
“Ele tinha
passado alguns anos na Palestina, era logo depois do 11 de setembro de 2001,
todo mundo falava do choque de civilizações. Ele veio com um imame e um rabino
e os três expuseram essa utopia de uma casa onde as religiões poderiam coabitar
e se entender.”
Naquele momento, os pais da ideia
são conscientes que os muros não vão sair da terra por milagre. Mas Hartmut
Haas não quer esperar que a casa seja erguida. Então ela começa na cozinha
dele, depois encontra um primeiro local na cidade, que já se chama Casa de
Religiões e onde as comunidades mantém um restaurante, organizam cursos de
línguas, de integração, de yoga ...
A instituição depois muda para barracas de
madeira. Os hindus têm um pequeno templo e os budistas e os morávios se reúnem
para rezar e meditar.
Necessidade faz lei
Nada tinha a ver, contudo, com os
novos locais de Europaplatz. Aqui, em um complexo novo em folha tem hotel,
escritórios, apartamentos, centro comercial, as religiões realmente se
instalam.
A parte que lhes é reservada, abre-se a uma grande sala e série de
cômodos menores no primeiro andar, que servirão para atividades comuns. Em toda
a volta, em dois níveis igualmente, estão repartidos os lugares de culto de
cinco religiões: cristã, muçulmana, hindu, budista e alevita.
Por que elas e não as outras?
Aqui entra o aspecto local dessa realização. Porque se a Casa das Religiões tem
valor potencial universal, ela está inserida na realidade de Berna.
“Não
estabelecemos classificação para selecionar as religiões que têm mais adeptos.
De fato, as que têm um local prece na Casa são as que tinham necessidade”,
explica Brigitta Rotach. “Aqui, na região oeste de Berna, tem muitos imigrantes
e várias religiões tinham local de culto zonas industriais ou porões.”
As outras religiões, que não
tinham necessidade de um local de prece são presentes através de uma vitrina e
nas animações no espaço comum. É o caso dos judeus, dos siques.
Berna, capital da tolerância?
Se todo mundo reconhece o papel
motor de Hartmut Haas e da comunidade morávia nessa aventura bernesa, Toni
Hodel estema que ela poderia dar certo em outro lugar.
“Mas aqui nós temos o
hábito faz muito tempo de dialogar, em locais provisórios que precederam a Casa
das Religiões”, precisa o teólogo católico.
“Era o destino e vontade de
Deus”, afirma o imame albanês Mustafa Memeti, “que todas as forças
progressistas das diferentes comunidades religiosas ajam juntas, de maneira
exemplar e construtiva, à realização desse projeto único”.
Um projeto que deve
favorecer o entendimento e o diálogo e dar “uma contribuição duradoura para a
paz e a compreensão mútua”, acrescenta Ralph Friedländer, presidente da
comunidade judia de Berna.
Para o corpo e para a alma
“Somos muito conscientes que não
vamos salvar o mundo”, resume Brigitta Rotach; “mas a Casa terá atingido
seu objetivo se pelo menos poder contribuir a alguma coisa em Berna. Quando
alguém tem medo de outra religião, pode bastar um encontro com membros dessa
religião para derrubar os preconceitos.”
E como o encontro passa
frequentemente pela mesa, o térreo da parte central da Casa é onde está o
restaurante. O cozinheiro é Sasikumar Tharmalinguam que propõe menus 100% vegetarianos
que prolongam a vida». Uma parte dos legumes virá da horta da Casa, as
mulheres vêm fazer doces à tarde e nos finais de semana, o restaurante tem
brunchs internacionais.
Cada um tem sua fé
Ao sair das zonas comuns, cada
religião quer conservar sua especificidade. “Defendemos o diálogo, não a
mistura”, precisa a animadora cultural.
“Não se trata de dizer que somos todos
parecidos e de reduzir ao menor denominador comum. Me lembro, durante os
debates, de ter visto jovens crentes vir expor a verdade deles com veemência e
ter dificuldade de admitir que os outros possam também ter a verdade deles.
Aqui, eu pretendo animar discussões desse tipo e será bom que pessoas no
público venham defender sua fé com vigor.”
Quando aqueles em que a fé é mais
branda ou inexistente, e que parecem cada vez mais numerosos na Suíça, deverão
também encontrar o que procuram na Casa das Religiões.
Nem que seja no plano
dos encontros e de trocas. Como diz Brigitta Rotach, “o restaurante, a yoga, os
filmes vão atrair muita gente pode-se apreciar uma comida Ayurveda sem ser
convicto de nada. Também devemos oferecer algo às pessoas que não são
totalmente apaixonados por questões de verdade.”
“O milagre de Berna”
“Esse projeto é inteiramente
supérfluo e não vai dar certo com uma probabilidade perto da certeza”. Essa
foi, nos início dos anos 2000, a resposta de uma das primeiras funcionárias a
quem os pais da Casa das Religiões submeteram a ideia.
De fato, os recursos necessários
à construção não foram fáceis de encontrar. Cada uma das comunidades presentes
instalou seu lugar de culto por conta própria, mas os locais e serviços comuns
custaram 10 milhões de francos suíços. Foi preciso solicitar mais de 150
fundações, instituições e empresas para reunir a soma.
Finalmente, o essencial veio da
fundação Rudolf e Ursula Streit (2,75 milhões), do Fundo de loteria do cantão
de Berna (2,2 milhões), da burguesia de Berna (900 mil francos) e de diversos
doadores (2 milhões). As duas Igrejas oficiais (católica e reformada) doaram
cada uma um milhão de francos suíços.
Fonte: http://www.swissinfo.ch
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