Muçulmanos criticam reação da imprensa a triplo assassinato nos EUA – Por Christoph Hasselbach
Mesmo sem motivação religiosa
confirmada, observadores criticam inércia da mídia e autoridades nas três
mortes em Chapel Hill, apontando para a recorrente caracterização de islâmicos
como violentos e fundamentalistas.
O crime aconteceu já na terça-feira (10/02) em Chapel Hill, no estado americano da Carolina do Norte. Não muito longe do campus da cidade universitária, Craig Stephen Hicks, branco, de 46 anos, matou a tiros, em plena luz do dia, um casal muçulmano e a irmã da esposa. As duas mulheres usavam o lenço de cabeça islâmico.
Pouco depois Hicks apresentou-se
à polícia. Ao que consta, ele ainda não alegou um motivo para o ato. Segundo
depoimentos de familiares e da polícia, houve um desentendimento por causa de
vagas de estacionamento. Sua esposa, Karen, declarou que há muito Hicks discute
com os vizinhos pelas vagas no condomínio, e que o ocorrido nada teve a ver com
religião.
Mas religiões todas elas parecem
ter representado um papel no modo de pensar e agir de Hicks, ainda que um papel
negativo. No Facebook, ele afirmava que tanto muçulmanos quanto cristãos são
culpados pelos problemas no Oriente Médio, concluindo: "Só há uma solução:
ateísmo." A imagem em seu perfil de usuário é um revólver.
"Vidas muçulmanas
importam"
Para o Conselho das Relações
Islâmico-Americanas, o caso é claro: "Três muçulmanos foram assassinados
por serem muçulmanos." Também Aiman Mazyek, presidente do Conselho Central
dos Muçulmanos na Alemanha, reage com irritação, perguntando o que aconteceria
se o atirador fosse islamita. Segundo ele, ao apresentar os muçulmanos
sobretudo como agressores, a mídia só acirra ainda mais "o clima
anti-islâmico já existente", também na Alemanha.
Numerosos muçulmanos dos Estados
Unidos estão indignados não só pelo crime em si, mas também pelo fato de só na
quarta-feira a imprensa ter começado a noticiá-lo. E que, de início, os
veículos locais teriam ocultado a religião das vítimas.
Muitos veem nisso uma expressão
da discriminação e da dupla moral em relação aos muçulmanos. Sob os hashtags: #MuslimLivesMatter (Vidas muçulmanas importam) e #CallItTerrorism (Diga que é
terrorismo), essas pessoas dão vazão a sua ira no Twitter.
Dois pesos e duas medidas
Com grande amargor, boa parte dos
comentadores compara a magra e tardia repercussão do triplo assassinato de
Chapel Hill à reação da mídia e da política ocidentais aos atentados de
motivação fundamentalista contra o tabloide satírico parisiense Charlie Hebdo,
que publicara caricaturas de Maomé.
Em artigo no website da emissora
Al Jazeera, o professor Mohamad Elmasry, da Universidade do Norte do Alabama,
afirma estar claro que, consciente ou inconscientemente, os meios de
comunicação do Ocidente alimentam atitudes negativas em relação ao islã.
"Muçulmanos são apresentados
com frequência como violentos, atrasados, fundamentalistas e como ameaças à
civilização ocidental. Quando cristãos, judeus e outros não islâmicos são
mortos por muçulmanos, a religião é apontada como causa direta. No caso
inverso, contudo, a religião do assassino é minimizada ou ignorada."
Não combater fogo com fogo
As três vítimas de Chapel Hill
eram islamitas praticantes, sem que haja qualquer indicação de alguma forma de
extremismo. O marido era dentista formado, a esposa também pretendia começar em
breve o estudo de medicina odontológica. Ambos coletavam donativos para os
refugiados de guerra sírios na Turquia.
Para o prefeito de Chapel Hill,
Mark Kleinschmidt, o casal era um "exemplo da comunidade". O
jornalista Ethan Casey, do Huffington Post, enfatiza que, assim como a grande
maioria dos muçulmanos nos EUA, os três mortos desejavam ter uma vida
absolutamente normal.
"Infelizmente é bem
previsível que alguns muçulmanos vão querer tomar as coisas nas próprias mãos
assim como o suposto assassino de Chapel Hill, tragicamente confuso e
desorientado. Tenho medo disso. Mas tenho igualmente medo do contrário, de que
as comunidades muçulmanas por todos os Estados Unidos sejam aterrorizadas ao
ponto de se retraírem em seu temor."
Casey diz caber aos próprios
islamitas que lições vão tirar do incidente para suas próprias vidas. Eles só
não devem se submeter caso sintam que estão sendo discriminados. "Na
América, é você mesmo que deve se empenhar pela sua causa, ninguém vai fazer
isso no seu lugar."
Entretanto, pelo menos em seu
luto e indignação, os muçulmanos de Chapel Hill não estão sozinhos. Na noite da
quarta-feira cerca de 2 mil pessoas de todas as confissões se reuniram em
vigília no campus da universidade. Falando à multidão, o irmão do dentista
assassinado pediu contenção: "Não combatam o fogo com fogo."
Fonte: http://www.opovo.com.br
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