Ato inter-religioso na Catedral da Sé homenageia Vladimir Herzog, morto pela ditadura



A Catedral da Sé, em São Paulo, recebeu, em 25 de Outubro, um ato inter-religioso em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), há exatos 40 anos. 

O evento lembrou a celebração em memória do jornalista, ocorrida seis dias após sua morte, conduzida pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright, que reuniu oito mil pessoas na mesma Catedral, para protestar contra a barbárie cometida pela ditadura militar, em vigor no país desde 1964.

Na tarde de 25 de Outubro, cerca de 800 cantores, de 30 corais, se concentraram na Praça da Sé, subiram as escadarias e entraram na Catedral cantando o refrão de  Para não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, composta em plena ditadura. 

Quando todos já estavam dentro da igreja, a canção foi apresentada por completo, junto à banda que estava próxima ao altar. Logo após, começou o ato envolvendo diversas religiões, que o Instituto Vladimir Herzog descreveu como “uma prece multicultural, uma oração de todos os homens e de todos os credos, numa só voz”.

A viúva Clarice Herzog disse que seu sentimento hoje, diante do ato, é de vitória da sociedade. “A dor, a revolta, o ódio que eu senti, aconteceram há 40 anos e me mobilizaram a fazer tudo. Eu tinha que fazer alguma coisa, eu tinha que provar para a sociedade que o Vlado tinha sido assassinado e eu consegui fazer isso”, declarou.

Segundo ela, o fato de Vlado dar aulas na Universidade de São Paulo (USP), ser diretor de um telejornal da TV Cultura, ser conhecido internacionalmente e também ser um cara do bem, deixou a sociedade muito fragilizada e ajudou na conscientização das pessoas de que elas precisavam se mobilizar contra a violência da ditadura militar.

“Eles [militares] tinham tanto poder, se sentiam tão protegidos, que podiam fazer qualquer coisa. Eles nem precisavam tentar criar uma cena mais crível, não precisava disso, porque não existia resistência, não acontecia nada”, disse Clarice. Para ela, a missa que aconteceu há 40 anos foi uma declaração de “basta” da sociedade.

Ela disse também que não houve punição dos torturados e assassinos. “O nosso Exército atual deveria ter a honradez e a coragem de declarar quem foram eles (torturadores), para termos credibilidade outra vez nos militares. Tentar resgatar a credibilidade dizendo quem são os assassinos”, acrescentou.

“A violência policial matou meu pai, a violência policial continua matando centenas, milhares de pessoas nas periferias. Isso é absolutamente inaceitável, a sociedade tem que começar a se organizar e exigir o fim disso”, declarou Ivo Herzog, filho de Vlado, que tinha nove anos quando o pai foi assassinado. Para ele, é importante manter essa memória viva como inspiração para aquelas pessoas que continuam indignadas com uma série de coisas ruins que acontecem na sociedade.

A principal memória que Ivo tem do ato de 40 anos atrás é ter conhecido Dom Paulo Evaristo Arns e o acolhimento que ele deu para a família Herog. “O carinho, o abraço, as palavras dele. A família estava sofrendo muito e veio uma pessoa muito humana que cuidou da gente”, disse.

A performance musical do ato foi dirigida pelo maestro Martinho Luthero Galati, que esteve presente no ato de 40 anos atrás. Ele contou que 25 de Outubro de 1975 foi um dia sombrio e triste, mas de muita esperança, ao mesmo tempo. “Eu me lembro que o dia estava fechado, em todos os sentidos, desde o clima até o espaço ali fora, com os tanques e soldados na rua. E nós tínhamos que disfarçar para entrar aqui”, disse o maestro.


Para ele, é emocionante rememorar o ato. “É muito interessante repetir isso 40 anos depois com a democracia, em que não precisamos mais nos esconder. Podemos nos encontrar ali fora e cantar e entrar cantando. Essa é a grande diferença entre ontem e hoje”, disse ao comparar os dois momentos de homenagem a Vlado.



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