Jorge Silva Melo: “Gosto do Deus do amor e do perdão, não da culpa” – Por Ângela Roque
Jorge Silva Melo foi o primeiro
convidado das “Conversas sobre Deus” que semanalmente, até 16 de Dezembro, a
jornalista Maria João Avillez vai conduzir, na Capela do Rato, em Lisboa. Às
quintas-feiras, das 22h00 às 22h30, pode ouvi-las na Renascença/Portugal.
A infância de Jorge Silva Melo
marcou boa parte da primeira “Conversa sobre Deus” que encheu a Capela do Rato,
em Lisboa. O cineasta contou como foi despertando para a fé católica.
Numa
família onde o pai “era o tradicional republicano, jacobino e mata-frades”, e a
mãe mantinha “um catolicismo social, de baptizados, casamentos e festa”, acabou
por ser influenciado pela rebeldia da irmã, 12 anos mais velha, e que era profundamente
católica.
A passagem pelo colégio dos
maristas, para onde foi com seis anos, não lhe deixou boas recordações, mas foi
aí que ouviu pela primeira vez a história da transfiguração, que o marcou até
hoje. “Deus fez-se homem, e há uma altura em que o homem vai revelar o seu
esplendor divino”.
"É uma história que me
encanta”, diz, e que também o fez amar o teatro: “Isto foi uma cena de teatro
fantástica, lá no alto da montanha, Jesus chamou dois profetas, Moisés e Elias,
ou seja, não só fez o teatro de si próprio, como fez o teatro histórico, trouxe
as personagens históricas, aqueles que vieram antes dele, que O anunciaram”.
“Também é por causa desta
história que a minha profissão nunca foi muito bem vista na Igreja, porque nós
ousamos fazer aquilo que só Jesus pode, que é tranfigurarmo-nos”. E
acrescentou: “Criador é só Deus e os artistas. Nós roubámos essa palavra, por
isso nunca somos muitos bem vistos. Nós, os do teatro, somos sempre olhados um
bocadinho de soslaio”.
O cineasta e encenador contou
como também o marcou ter visto, ainda miúdo, o filme “Quo Vadis”: “Fiquei
fascinado com aquele catolicismo primitivo, era uma religião que se opunha à
religião dos poderosos que me era ensinada no colégio, castigadora, da culpa.
Eu fiquei encantado com os pobrezinhos que estavam nas catacumbas”.
Houve também livros que considera
fundamentais na sua vida, como as “Florinhas de São Francisco” e os de Simone
Weil, que já lia em francês. “Percebi que era tudo muito diferente da religião
que me era ditada, martirizada e crucificada no colégio”.
Os colegas ouviam Pink Floyd, ele queria
“ser militantemente católico”. Jorge Silva Melo explicou que o que sempre o
atraiu na fé católica “foi o amor e o perdão” e que nunca seria protestante:
“Eu quero pertencer a uma comunidade que se centra no perdão e nunca na culpa,
e no amor como fonte de criação”.
“A ideia de que é possível
perdoar o mal que fazemos, e que fazemos todos os dias, é uma coisa que me
transcende, acho isso absolutamente maravilhoso, voltarmos a partir do zero. A
vida recomeça com o perdão e esse perdão é feito do amor. São princípios do
catolicismo”.
Em 1968, Jorge Silva Melo foi
bolseiro da Gulbenkian na London Film School: “Quando todos os meus colegas
estavam a ouvir Pink Floyd, e nos êxtases extrasensoriais, eu queria ser
militantemente católico”.
Gostava das idas à missa numa
igreja onde não conhecia ninguém. Houve uma altura em que ia com o amigo Luis
Miguel Cintra, que estava a estudar em Bristol. No regresso a Portugal,
fundaram os dois, em 1973, o Teatro da Cornucópia. Foi “uma grande aventura” e
um marco na sua vida: “A minha saída foi uma dor de que ainda não me refiz”.
Jorge Silva Melo está a trabalhar
neste momento num filme autobiográfico, e vai levar a cena a “A Noite do
Iguana”, de Tennessee Williams. Trabalhos criativos feitos “a meias com Deus”:
“Vou fazer o Tennessee Williams com a Maria João Luis porque a amo e entendo-me
bem com ela. São horas felizes de ambos e superamo-nos. Ela dá-me mais do que
lhe dou e eu dou-lhe tranquilidade, e isso é Deus, é a tal história do perdão e
do amor. Quando estou a trabalhar nos ensaios estou a dar atenção aos actores,
que é o que Deus me pede. Isso é o amor”.
As "Conversas com
Deus", conduzidas por Maria João Avillez, prosseguem na próxima
terça-feira com Assunção Cristas. As restantes, até 16 de Dezembro, serão
sempre à quarta-feira, às 21h30, e os convidados vão ser Marcelo Rebelo de
Sousa, Maria de Belém, Fernando Santos, Pedro Mexia, Carminho, Henrique
Monteiro, e João Taborda da Gama. Esta é uma iniciativa da Capela
do Rato, com o patrocínio da Renascença.
Fonte: http://rr.sapo.pt
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