Casaldáliga: ícone de uma igreja revolucionária latino-americana em filme Por Yana Marull (AFP)


A vida de Pedro Casaldáliga, o bispo espanhol reconhecido como um dos maiores expoentes da teologia da libertação latino-americana e radicado desde 1968 em São Félix do Araguaia, está sendo filmada em uma coprodução espanhola-brasileira para a televisão.

"Nesta terra é fácil nascer e morrer, o difícil é viver", disse Casaldáliga sobre a região que adotou há 44 anos, quando chegou a São Félix (no estado do Mato Grosso) e encontrou um mundo de tensões sociais, onde os grandes proprietários de terra se impõem sobre os pobres, trabalhadores rurais e indígenas.

Hoje com 84 anos e ainda vivendo em São Félix, continua comprometido com a luta. "Nós não nos conformamos com este sistema que faz da humanidade um negócio", afirmou à AFP, com a voz enfraquecida pelo Parkinson, mas com uma clareza intacta.

Casaldáliga também continua a defender uma igreja comprometida com o povo. "Hoje, mais do que nunca, a Igreja teria de ser a voz da esperança", disse, pedindo que "o Vaticano não seja um Estado, o papa não seja um chefe de Estado, que reconheça os direitos das mulheres, que não seja uma igreja de poder, e sim de serviço", considera.

Este sacerdote catalão que nunca mais voltou à Espanha enfrentou os grandes proprietários de terra, o governo e até mesmo o Vaticano ao denunciar o latifúndio e sair em defesa dos trabalhadores rurais, indígenas e de uma Igreja mais comprometida. Viveu sob a ameaça de morte de pistoleiros e foi fundador da Pastoral da Terra e do Conselho Indígena, fundamentais na luta pela reforma agrária e pelos direitos dos índios.

"A vida de Casaldáliga é uma história de luta e conquista da terra no Brasil e do compromisso de um homem que deu uma resposta extrema a uma situação extrema, entregando a sua vida para corrigir essa situação. É uma história universal e é isso que dá força para o filme", contou à AFP Francesc Escribano, escritor, produtor e jornalista catalão, autor de "Descalço sobre a terra vermelha", que é o título do filme.

Uma equipe de 100 pessoas invadiu São Félix do Araguaia para as filmagens, que devem durar até o início de setembro. A cidade, a 24 horas de ônibus de Brasília, tem agora cerca de 10.000 habitantes, mas ainda nenhuma estrada pavimentada.

Para o filme foram reconstruídos cenários que levam a cidade aos moldes de 40 anos atrás: uma terra em processo de colonização, com bordéis e pistoleiros, explica Escribano.

O ator catalão Eduard Fernandez interpreta Casaldáliga no que será uma minissérie de dois episódios, com um orçamento de 3,5 milhões de euros, que conta com o roteirista premiado de "Central do Brasil", Marcos Bernstein, e com a participação da Televisão Espanhola, da catalã TV3 e da TV Brasil.

Em 1988, Casaldáliga foi chamado a Roma e submetido a um duro interrogatório realizado pelo então cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa. Encenado como uma batalha entre dois pesos pesados da Igreja, este diálogo é o ponto de partida do filme.

Em 1985, o bispo catalão viajou para a Nicarágua para apoiar a greve de fome do chanceler e sacerdote Miguel d'Escotto e para Cuba, convidado pelo então presidente Fidel Castro.

Sobre ele, o teólogo brasileiro Frei Betto, um símbolo da esquerda católica latino-americana, disse: "Há no Brasil um santo e herói, Pedro Casaldáliga. Santo por sua fidelidade radical ao evangelho, herói pelos riscos de vida enfrentados e pelas adversidades sofridas".

"Não façam um filme sobre mim, que seja um filme sobre as verdadeiras causas desta luta: a vida, a terra, a libertade e a dignidade", pediu Casaldáliga ao seu amigo Escribano quando soube que ele realizaria o filme.

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