Missão da Igreja num país em crise
Nota do Conselho Permanente da
Conferência Episcopal Portuguesa
1. O momento socioeconómico que
Portugal atravessa está a ser difícil para muitos portugueses. A Igreja é
sensível ao sofrimento de todos, particularmente dos mais pobres e dos
desempregados, independentemente da fé que professam. A Igreja faz parte da
sociedade e, com a visão do homem e da vida que lhe é própria, é chamada a
contribuir para o bem das pessoas e da comunidade nacional como um todo. A
principal resposta da Igreja para o momento atual tem sido dada pelas suas
instituições de solidariedade social, como prática ativa da caridade.
A Igreja e a comunidade política
2. Quando celebramos 50 anos do
início do Concílio Vaticano II, é oportuno recordar o seu ensinamento, tantas
vezes confirmado pelo Magistério posterior, sobretudo dos Papas. A Igreja é um
Povo, uma comunidade estruturada e organizada, que assume como dever a procura
do bem-comum de toda a sociedade. Esse é também o fim da comunidade política.
“No campo que lhe é próprio, a comunidade política e a Igreja são independentes
e autónomas uma da outra. Mas ambas, embora a títulos diferentes, estão ao
serviço da vocação pessoal e social dos mesmos homens” (Gaudium et Spes, nº
76).
Segundo a doutrina do Magistério,
a Igreja como comunidade intervém na sociedade a três níveis: os cristãos
leigos, guiados pela sua consciência cristã, têm toda a liberdade de
participação e intervenção política; as associações da Igreja, com particular
relação à hierarquia, devem intervir tendo em conta o diálogo com os seus
pastores; os sacerdotes e bispos têm como ministério anunciar o Evangelho e a
doutrina da Igreja para todos, de modo que ela possa ser acolhida, nomeadamente
no que diz respeito à sua doutrina social.
A Igreja e o atual momento da
sociedade portuguesa
3. A doutrina social da Igreja,
que temos sempre o dever de anunciar, ilumina a realidade, interpela a
consciência dos intervenientes na coisa pública e sugere atitudes que exprimam
valores.
- Prioridade na busca do
bem-comum. Esta primazia da busca do bem-comum de toda a sociedade atinge todas
as pessoas e todos os corpos sociais. É o caminho para construir uma unidade de
objetivos, no respeito das diferenças: governo e oposição, partidos políticos,
associações de trabalhadores e de empresários, etc. As diferenças são
legítimas, mas a unidade na procura do bem-comum é sempre necessária e
indispensável. A superação das legítimas divergências, num alargado consenso
nacional, supõe sabedoria e generosidade lúcida.
- Direito ao trabalho. Este não
deve ser concebido apenas como forma de manutenção económica, mas como meio de
realização humana. O desemprego é, certamente, um dos aspetos mais graves desta
crise, o que supõe um equilíbrio convergente de vários elementos: criatividade
nas empresas, caminhos ousados no financiamento, diálogo social em que pessoas
e grupos decidam dar as mãos, apesar das suas diferenças.
- Estabilidade política. É
exigida pela própria natureza da democracia e da responsabilidade dos seus
atores, requerendo a busca permanente do maior consenso social e político. Numa
democracia adulta, as “crises políticas” deverão ser sempre exceção. Em
momentos críticos, podem comprometer soluções e atrasar dinamismos na sua
busca. Todos sabemos que, para superar as presentes dificuldades, não existem
muitos caminhos de solução. Compete aos políticos escolhê-los, estudá-los e
apresentá-los com sabedoria.
- Respeito pela verdade. O
discurso público tem de respeitar a verdade do dinamismo das situações e da
procura de soluções.
- Generosidade na honestidade. O
bem da comunidade nacional exige de todos generosidade para não dar prioridade
à busca de interesses particulares e a honestidade para renunciar a caminhos
pouco dignos de procura desses interesses. Só com generosidade se pode alcançar
um bem maior.
Renovação cultural
4. Esperamos que a presente
situação faça avançar a verdadeira compreensão sobre alguns elementos decisivos
do mundo económico-financeiro em que estamos inseridos:
- Os sistemas
económico-financeiros. Portugal, membro da União Europeia e da Zona Euro, está
inserido no quadro das economias liberais, vulgarmente designadas de
capitalismo. A Igreja sempre defendeu, entre as expressões da liberdade, a
liberdade económica, desde que as suas concretizações se submetam aos objetivos
do bem-comum. Os próprios lucros das pessoas, das empresas e dos grupos devem
orientar-se para o bem-comum de toda a sociedade.
- O equilíbrio entre finanças e
economia. O Papa Bento XVI concretizou o pensamento da Igreja, salientando que
as finanças devem ser um instrumento que tenha em vista a melhor produção de
riqueza e o desenvolvimento. Importa que a economia e as finanças se pratiquem
de modo ético a fim de criar as condições adequadas para o desenvolvimento da
pessoa e dos povos.
- Os mercados. Sujeitos a uma
dimensão ética de serviço à humanidade, os mercados não podem separar-se do
dinamismo económico, transformando-se em fontes autónomas de lucro que não
reverte, necessariamente, para o bem-comum da sociedade.
A superação da crise supõe uma
renovação cultural. A Igreja quer contribuir para esta renovação com os valores
que lhe são próprios: a dignidade da pessoa humana, a solidariedade como
vitória sobre os diversos egoísmos, a equidade nas soluções e na distribuição
dos sacrifícios, atendendo aos mais desfavorecidos, a verdade nas afirmações e
análises, a coragem para aceitar que momentos difíceis podem ser a semente de
novas etapas de convivência e de sentido coletivo da vida. Nós, os crentes,
contamos para isso com a força de Deus e a proteção de Nossa Senhora.
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