Pais de religiões distintas devem investir no diálogo para guiar os filhos – Por Paula Schver
Mais dia, menos dia, João Lucas,
5 anos, vai perguntar em casa o que é a morte e para onde vamos depois da vida.
O pai João Everaldo acredita em reencarnação. Para a mãe Ariane, esta vida é
única. Em meio ao conflito de crenças, quando pais de religiões distintas
discordam, como clarear a dúvida dos filhos? Para dar um rumo a questões tão particulares
como fé, a consonância de opiniões é decisiva.
"Se são valores importantes
para os dois, é necessário o diálogo prévio, antes mesmo de terem filhos. Não
se deve esperar a criança completar 5, 10 anos, entrar na adolescência, para
pensar em como tratar do assunto. Quem não está aberto à conversa não vai
conseguir passar respeito. E se não há respeito, melhor nem casar", frisa
a psicóloga Adriana Barros. "É importante que o casal dialogue para que
eles próprios estejam seguros do que querem."
Partindo da premissa de que a
criança aprende o que os pais ensinam e repetem o que eles fazem, o exemplo de
aceitação de fés distintas dentro de casa é essencial, assim como a
apresentação das duas doutrinas aos pequenos.
Segundo Adriana, o marido precisa
apoiar a esposa, e vice-versa, para não embaralhar o pensamento dos filhos.
"Não tem problemas deixá-las vivenciar as religiões na rua, na escola. Os
pais devem levá-las para compartilhar as crenças, sempre mostrando a religião
como uma forma de amor", diz a psicóloga.
A receita seguida por João
Everaldo, espírita, e Ariane, evangélica, inclui respeito, aceitação e muita
conversa: "Não rotulamos a religião; falamos sobre amor, bondade, sobre
ser uma pessoa do bem. Resolvemos fazer desta forma para eu não discutir com
minha esposa e também para não confundir nossos filhos", explica João
Everaldo.
Aos 32 anos, o administrador
aprendeu desde cedo o valor do livre arbítrio. Com uma avó seguidora do
candomblé, outra atuante na Assembleia de Deus, ele já foi evangélico, católico
e se encontrou no espiritismo.
Toma a religião como uma fortaleza de
conhecimento e acha interessante quando seu primogênito João Lucas é chamado
pelos primos de "espiritólico", mistura de espírita com católico
(religião seguida por outra parte da família). "Isso ensina meu filho a
respeitar e aceitar as diferenças. Mostra que o outro pode ter uma religião que
não é a dele e que isso não é errado", avalia.
Sala de Aula
Alunos que estudam em escolas
religiosas, mas não professam a fé pregada pela instituição são casos comuns. A
qualidade do ensino e a visão ética de tradicionais colégios no Recife são a
principal razão que leva pais a optarem por tais centros de ensino.
No
currículo escolar do Colégio Damas, onde cerca de 20% do corpo discente não é
católico, religião tem o mesmo peso de disciplinas como português e matemática.
Quem estuda lá necessariamente precisa assistir às aulas e ser aprovado nos
testes para passar de ano.
Irmã Flávia Matias de Queiroz,
coordenadora de ensino religioso do Damas no Nordeste, explica que a negociação
da presença do aluno na aula descaracterizaria o conceito da escola.
"O
Damas não teria sentido de existir se não fosse a finalidade da evangelização.
Não podemos abrir mão do conteúdo essencial, o que não significa
instransigência. Todo aluno será respeitado no seu credo, e Jesus não vai ser
imposto a ele. Diálogo e respeito existem e, por isso, nunca tive qualquer
problema em sala de aula", diz Irmã Flávia, que também atua como
professora na instituição.
No Colégio Israelita do Recife, a
visão humanista, os valores de ética universal praticados e a qualidade das
aulas atraem estudantes não-judeus.
"Nossa escola tem por missão preservar
a cultura judaica, fortalecer os laços da comunidade do Recife e manter um
lugar onde nossas celebrações sejam respeitadas. Mas não é um colégio
religioso. Ele sempre esteve aberto a pessoas de outras culturas e religiões
que aceitem conviver com as diferenças e que desejem conhecer nossa
cultura", comenta Raquel Gandelsman, diretora do colégio.
Em momentos de celebrações de
caráter religioso, os pais dos alunos decidem se os querem nas atividades.
"Respeitamos quando há alguma solicitação para que seus filhos não
participem. Nada é obrigado, mas sim conversado e combinado."
Fonte: http://ne10.uol.com.br
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