A crise está a aproximar as pessoas da religião? – por André Jegundo e Maria João Lopes


Os momentos de crise podem motivar as pessoas para a procura do religioso. Teólogos, investigadores e pastores admitem que a relação entre situações de vulnerabilidade pessoal e a busca da religião existe, mas não pode ser explicada pela simples existência de uma crise económica.

São cinco da tarde, a hora marcada para o culto de Domingo, e a sala da Assembleia de Deus, em Lisboa, enche-se aos poucos. Os músicos dirigem-se para o piano, para a bateria e para o baixo, no lado esquerdo do palco. Os pastores não usam paramentos, mas fato e gravata e sentam-se atrás do púlpito.

O  coro sobe até à bancada. O piano dá o tom e o culto começa. “Fico feliz de vir a tua casa e cantar!”, entoam.

O salão da Assembleia de Deus, na zona de Penha de França, em Lisboa, já não enche como acontecia nas décadas de 1980 e 1990. Ainda assim, os responsáveis dizem que novos fiéis continuam a procurar esta congregação evangélica. Em Portugal, segundo um estudo realizado pela Universidade Católica Portuguesa (UCP), o número de protestantes e evangélicas passou, em dez anos, de 0,3 para 2,8%.

Estará a crise a aproximar as pessoas da religião? Apesar de não responderem de forma taxativa, teólogos, investigadores e pastores concordam que momentos como o que se vive podem motivar as pessoas para a procura do religioso. Mas sublinham que se trata de um fenómeno complexo que não pode ser explicado apenas pela existência de uma crise.

“Em situações de crise, em todas as áreas da vida, é normal as pessoas buscarem mais Deus, é um facto. Há uma tendência para, quando as pessoas têm tudo garantido, esquecerem-se do religioso, como se tudo dependesse de nós e fôssemos auto-suficientes. Mas não é um fenómeno em larga escala. A secularização das sociedades continua a ser muito importante em toda a Europa”, diz o pastor Vieito Antunes, da Assembleia de Deus de Lisboa.

O casal luso-romeno, Mircea e Susana Strango, participa frequentemente no culto, subindo ao palco para cantar em dueto. É uma das razões pelas quais gostam desta igreja: “Não há nenhuma regra que diga que o culto tem que ser desta ou daquela maneira. É tudo mais flexível e livre. Se alguém quiser cantar e dizer alguma coisa, está à vontade. É como se fossemos uma família. Não é o pastor que conduz tudo, que manda ou faz as regras. O pastor lidera, mas nada é rígido como noutros sítios”, descreve Mircea, 34 anos.

Na vida deste casal, a religião tem um papel importante: “Já passámos por fases difíceis, mas sempre nos safámos e não precisámos de recorrer à ajuda material da nossa igreja. Mas a religião foi muito importante para mim nos momentos mais difíceis da minha vida, sobretudo do ponto de vista espiritual, na força que me deu para continuar a lutar, para procurar trabalho e ter dinheiro para alimentar os meus filhos”, resume Mircea. “A igreja será sempre importante para quem precise de um ponto de apoio, quando tudo o resto falha”, acrescenta.
  
Teologia da prosperidade

O antropólogo do Centro de Estudos de Religiões e Culturas (CERC) da UCP, Alfredo Teixeira, nota que não é possível dizer “de forma unívoca” que a crise está a aproximar as pessoas da religião, sendo necessário esperar “mais tempo” para perceber isso. O investigador coordenou um estudo sobre as identidades religiosas em Portugal, realizado pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião e pelo CERC, e os dados recolhidos, entre Outubro e Novembro do ano passado, já se inseriam neste contexto de “vulnerabilidade social”.

Comparando os dados desta pesquisa com os da realizada há dez anos, o que salta à vista é o aumento das pessoas que não pertencem a qualquer religião (de 8,2 para 14,2%), acompanhado por uma diminuição dos católicos (86,9 para 79,5%) e do crescimento dos pertencentes a outras religiões (de 2,7 para 5,7%).

Alfredo Teixeira admite que o crescimento das igrejas evangélicas, em particular as de recorte pentecostal, pode estar associado à chamada “teologia da prosperidade”. Trata-se de uma teologia apregoada por algumas igrejas como, por exemplo, a IURD e a Igreja Maná, nas quais “ser salvo e ser próspero equivalem-se”: “A salvação é ‘já’ e não algo que se espera para além de uma existência terrena. Neste contexto, as propostas de cristianização dirigem-se, de forma muito directa, aos riscos do quotidiano, e à possibilidade de os ultrapassar. Essa orientação pode, entre outras razões, ajudar a perceber esta última vaga de crescimento dessas igrejas”.

Vieito Antunes, da Assembleia de Deus, que rejeita a teologia da prosperidade, enumera outras razões: “A nossa mensagem é voltada para o povo e dirigida a todo o tipo de pessoas e camadas sociais: temos analfabetos, médicos e engenheiros nos nossos cultos. Porque a Bíblia também está escrita numa linguagem simples e do povo. No entanto, não somos da teologia da prosperidade que é adoptada por outras igrejas evangélicas: a Bíblia não tem em lado nenhum a promessa de enriquecer pessoas. O que o Senhor promete é suprir as necessidades do seu povo”, afirma.

O que leva Mircea e Susana Strango a frequentarem a igreja evangélica Assembleia de Deus é “sentirem-se mais próximos de Deus e da verdade bíblica”. “Estamos convictos que é este o caminho que temos de seguir. As pessoas pensam muitas vezes que o Deus está lá e que nós estamos aqui, cada um com a sua vida. Mas não é verdade, Deus está muito mais perto do que imaginamos. O único problema somos nós, que criamos barreiras entre os homens e a divindade”, afirma.

Alienação e emancipação

A socióloga das religiões, Helena Vilaça, não nega que haja uma ligação entre a crise e a busca da religião, mas esta relação “não é universal nem as coisas são assim tão simples”. Sublinha que “a procura da religião ou do religioso é algo sociologicamente complexo que não pode ser explicado, nem em Portugal nem noutros países, apenas pela existência ou não de uma crise”.

Na sua opinião, a “tese da privação aplicada à procura religiosa” – pessoas que, em situação de carência, procuram respostas na religião – só explica parcialmente a realidade: 

“Isso seria reduzir a religião a alienação, no sentido marxista do termo. E a realidade revela que a religião também conduz a comportamentos emancipatórios. Há países com crescimento económico e com vitalidade religiosa, como o caso dos EUA, por exemplo. Também o Brasil ou a Coreia do Sul, quando entraram em fase de crescimento, não perderam a vitalidade religiosa”, enumera.

Já José Pereira Coutinho, autor de uma tese de doutoramento intitulada "Modernidade, religiosidade e universidade", considera que, “em termos teóricos” e em tempos de crise, é “natural” que as pessoas com menos rendimentos reforcem a sua religiosidade, sobretudo junto de igrejas que defendam a teologia da prosperidade: “A [Igreja] Católica dá a salvação para o além, não dá resultados agora”, justifica.

José Luís Costa, que é pároco em Linda-a-Velha e capelão prisional no hospital de S. João de Deus e no Estabelecimento Prisional de Caxias, admite que a religião é “uma porta que se abre” quando existe uma situação “mais urgente que desorganiza a vida das pessoas e a sua noção de felicidade”.

Embora reconheça que, neste contexto de crise, “há uma procura maior de aspectos religiosos”, essa busca é feita “de uma forma mais desorganizada e menos institucionalizada”: “Procuram o elemento, mas não a prática, não o ir à missa todas as semanas”, explica. “Há também uma sedução pelo oriental, pelas experiências de carácter psico-religioso, com demanda urgente. O que quer que apareça do campo religioso aparece como um escape”, acrescenta.

Noutras comunidades como, por exemplo, a muçulmana e a oriental, a procura desorganizada não tem a mesma expressão, diz. São, segundo afirma, mais “imunes a esta experiência”, porque são “comunidades pequenas que se organizam facilmente e nas quais a religião é um elemento muito forte e agregador”.

José Luís Costa também afirma que algumas igrejas evangélicas, por assentarem nas emoções e “no momento”, podem permitir às pessoas “alguma descompressão e uma experiência de bem-estar numa situação de tensão emocional”: “Não é em todas as [igrejas] evangélicas, mas, em algumas, o momento carismático é muito forte”, nota.

Sentido ameaçado

Já o pastor Dimas de Almeida, 72 anos, investigador no Centro de Estudos de Ciências das Religiões da Universidade Lusófona e pastor da Igreja Presbiteriana de Portugal, não tem notado nem aproximação, nem afastamento: “Penso que, quando uma crise leva as pessoas a aproximarem-se da religião, pode ser um sinal de fraqueza do religioso. Procura-se uma espécie de consolação, é uma procura de Deus na periferia…A força da crise significaria, de forma invertida, a fraqueza da religião”, diz.

Dimas de Almeida distingue, do ponto de vista sociológico, três espaços de vivência do religioso. Um deles é a igreja tradicional; o outro traduz-se em movimentos religiosos como a IURD e a igreja Maná, “São igrejas fora daquele cristianismo com espessura de séculos. São movimentos recentes com ligações protestantes”, nota. Por fim, existe um espaço em que cada um “confecciona a sua própria mente religiosa”: “Um espaço da religião vivida em autogestão, onde eu confecciono o meu credo religioso. De manhã, vou à missa; à tarde, à bruxa; à noite, ao tarot. Isto é importante. Não podemos olhar com superioridade para isto. Indica que a questão do sentido é importante para as nossas vidas”, diz.

E conclui: “Diante de uma crise profunda, perguntamos ‘o que é que isto significa? Qual o meu papel? Para onde vou?' Somos peregrinos do sentido. Nós todos somos vagabundos do sentido. Há religião porque há problemas do sentido. Quando a crise nos ameaça é o sentido da vida que fica também ameaçado.”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

Por que o Ocidente despreza o Islã