Como se tornar um jornalista queridíssimo e bacana - Por Wanfil
Um amigo me mostrou uma lista de
discussão na qual estudantes de jornalismo da UFC fazem comentários sobre minha
pessoa por ocasião do texto que fiz a respeito da escandalosa filtragem
ideológica no enunciado do Enade, o exame do governo federal para avaliar
universitários.
Alguns mais afoitos classificaram a mim como “lixo”,
“preguiçoso” e “arremedo do Diogo Mainardi ,que por sua vez era arremedo do
Paulo Francis”.
E o que eles acham do uso político do Enade para fins de
propaganda? Não sei. Eu diria que essa predisposição para a desqualificação
pessoal é sinal de alinhamento ideológico, o que reforçaria a tese do meu
texto. Não cito os nomes dos jovens para poupá-los do vexame de se expor nessa
situação e porque eles são justamente o efeito do proselitismo no ensino
brasileiro. Fazem parte de uma legião condicionada a repudiar qualquer ideia
que fuja ao corte de pensamento que lhes foi apresentado como expressão única
da virtude e do belo.
O certo é que procurar ideias
fora do mainstream, ou pior, tentar ter pensamentos singulares – ainda que
baseados em leitura de qualidade – é um risco. Melhor mesmo é aderir ao coro
dos contentes, com ensina ao filho o personagem do conto Teoria do Medalhão, de
Machado de Assis (leiam-no, caros). Assim, para os que não gostam de viver a
emoção de nadar contra a maré, elaborei uma breve receita de jornalista bacana,
de forma que aqueles que a sigam não possam ser chamados nunca de arremedos de
Paulo Francis.
1) A primeira coisa que um
aspirante a jornalista precisa saber é que a norma culta da gramática não passa
de um instrumento de discriminação criado para humilhar os analfabetos
acidentais e os ignorantes por opção, além coibir a criatividade pulsante da
escola das ruas. Portanto, nunca, nunca mesmo, aponte o erro de um colega,
mesmo no caso de debate e ainda que isso possa evitar possíveis erros de
interpretação. Mostrar que entende da matéria-prima do ofício é arrogância de
elitista;
2) Um jornalista de verdade sabe,
porque todo mundo sabe, que desde sempre não pode haver decência em alguém que
não seja um esquerdista/progressista. Um esquerdista pode até errar, mas se o
faz é por descuido, um momento de fraqueza; enquanto um conservador/reacionário
sempre age mal de forma deliberada. Dessa forma, caso o futuro jornalista
cultive o obsoleto hábito de ler livros, deve afastar-se de autores liberais,
ou mesmo dos clássicos, bastando-lhe alguns parágrafos de Marilena Chauí, Emir
Sader, Eduardo Galeano, Noam Chomsky ou a turma da Escola de Frankfurt. Cite um
desses que é batata: todos o terão como grande intelectual;
3) Sempre elogie qualquer texto,
desde que este não atente contra o politicamente correto ou contra a imagem
sacrossanta das ONGs, dos partidos de esquerda, das Farc, de terroristas
(vítimas do imperialismo americano), do Lula ou de ambientalistas. Esses serão
sempre aliados do povo e de tudo o que é bom, ainda que espetem a conta de suas
convicções em algum ministério;
4) Toda vez que for instigado a
citar uma publicação ou emissora como modelo, cite as pequenas, aquelas que não
despertam interesse maior. Fica chique. Jamais confesse acompanhar o conteúdo
de quem tem público, de quem é capaz de sobreviver por conta própria, sem
necessitar de anúncios estatais. Diga que Carta Capital é a melhor e que Paulo
Henrique Amorim e Mino Carta é que são independentes;
5) Seja a favor de cotas que
beneficiem qualquer minoria e de artistas populares que tenham origem na
“comunidade”. Critique a Igreja e os EUA sempre que puder. Elogie Cuba e
Venezuela. Importante: o capitão Nascimento pode parecer legal, mas é
reacionário e não entende que traficante é oprimido que se revolta contra o
sistema;
6) Repita sempre que possível que
o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo foi um golpe
contra a sociedade, mas nunca cite nada sobre reserva de mercado (ninguém pensa
nisso, não é mesmo?);
Pronto. Creio que assim, um
jornalista sempre será recebido de braços abertos nas festas e reuniões da categoria
e elogiado em listas de discussão de aspirantes à profissão.
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