Trilogia do cineasta Ulrich Seidl vira exposição em Berlim – Por Marco Sanchez


Banalidade, sexualidade e voyeurismo pontuam os filmes de um dos mais importantes cineastas europeus da atualidade, que transformou seu mais recente trabalho, a trilogia "Paradies," em fotos expostas em Berlim.

Olhar bem de perto é uma das características mais marcantes de Ulrich Seidl, que, ao lado de Michael Haneke, é um dos maiores cineastas em atividade na Áustria. 

A naturalidade sem adornos dos personagens de seu último trabalho, a trilogia Paradies (paraíso, em alemão), podem ser vistas com uma outra perspectiva, já que, pela primeira vez, a Alemanha recebe uma exposição de fotos extraídas de seus filmes.

"O que me interessa é descontextualizar essas imagens e dar um novo significado a elas," declarou o cineasta na abertura da exposição em Berlim. "Quero que as fotos funcionem singularmente, mesmo para quem não viu os filmes ou conhece as histórias que contei," completou.

Extraindo essas imagens de seu contexto inicial, é possível observar como o artista trabalha na concepção de seus filmes. O processo é quase o oposto da maioria dos cineastas. Aqui, o peso das imagens individuais dá o tom para sua estética, acentuando as características artísticas construídas ao longo sua carreira, que inclui filmes como Hundstage (2001) e Import/Export (2007).

Cinema estático

Paradies explora a fundo a estética do austríaco, marcada por complexos conflitos, em uma realidade que envolve a sexualidade, espiritualidade e o aspecto físico de seus personagens. A trilogia acompanha três mulheres e suas buscas em tentar satisfazer suas mais profundas necessidades de maneiras muito diferentes.

O universo do comum, feio, banal e solitário, temas eminentes do trabalhado do cineasta, são a base dos filmes. As deformidades físicas ou de caráter dos personagens refletem uma sociedade radicalmente liberal, onde mulheres tentam fugir de jogos de poder, restrições sociais e uma vida condenada ao fracasso.

"Quando filmo, sempre penso no poder das imagens estáticas. Algumas das fotos que vimos aqui poderiam por si só descrever todo o filme," disse Seidl. 

O austríaco é conhecido por uma característica visual distinta e muitas vezes perturbadora, que inclui planos fixos, onde os personagens parados olham diretamente para a câmera, tomadas feitas de longe e uma edição quase abrupta.

As poderosas imagens estáticas exploram e tentam desvendar não só ambientes onde transitam os personagens, mas também a prisão da qual eles não podem fugir: seus próprios corpos. Os detalhes de composição são tão complexos que fazem dessas imagens quase pinturas, que transcendem a vulgaridade do comum.

"Extraí essas imagens diretamente do negativo de 16 milímetros com que costumo trabalhar. Gosto desse formato, pois funciona bem em cenas estáticas, mas também me dá liberdade quando preciso me movimentar entre os atores. Esses dois momentos aparecem na exposição, principalmente nas fotos de Liebe", explicou o cineasta.

Ainda que violento, o estranhamento causado por Seidl é poético. Assim como a dualidade entre seu olhar pessimista, marcado por um trágico voyeurismo, e a compaixão que tem por seus personagens. "Não interessa o filme que faço, minha principal matéria-prima é o ser humano," completou.

Três lados da mesma família

Paradies: Liebe (amor, em alemão) se passa nas praias do Quênia, onde mulheres europeias de meia-idade sabem que o amor que procuram tem um preço. Teresa (Margarete Tiesel) deixa sua filha adolescente na Áustria e vai de férias em busca de seu paraíso. Depois de decepções, ela entende que, naquelas belas paisagens, o amor é um negócio. Explorando o mercado da sexualidade, o filme busca mostrar as relações de poder entre jovens e velhos, brancos e negros, Europa e África.

O significado de carregar uma sina, ou uma cruz, é a questão central de Paradies: Glaube (fé, em alemão). Para a radiologista Maria (Maria Hofstätter), o paraíso se encontra em Jesus Cristo. Ela é devota e dedica seu tempo livre ao trabalho missionário, buscando levar a Áustria de volta para o caminho da virtude. Tudo muda quando seu marido muçulmano volta para casa em uma cadeira de rodas, questionando o significado de fé, amor e compromisso.

Paradies: Hoffnung (esperança, em alemão) explora a culpa e os conflitos de um amor impossível e da perda da inocência. Melanie (Melanie Lenz) é uma adolescente de 13 anos que vai passar o verão em um acampamento para jovens acima do peso. Entre esportes e escapadas para subverter as regras, ela se apaixona pelo diretor do acampamento, um médico 40 anos mais velho que ela.

"Originalmente eu queria fazer um filme em episódios que acompanhava três mulheres da mesma família e seus anseios. Mas assim como meus roteiros, que são apenas um desimportante ponto de partida, o projeto se transformou em algo diferente. Trabalho muito com improvisação," disse o cineasta.

O filme Liebe concorreu à Palma de Ouro em Cannes 2012 e está em cartaz nos cinemas alemães. Glaube venceu o prêmio especial do júri em Veneza no ano passado. Hoffnung tem sua estreia internacional prevista para a próxima Berlinale, em fevereiro.

A exposição com as fotos da trilogia Paradies de Ulrich Seidls está em cartaz no C/O Berlin até 17 de março.




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