Com forte capacidade de acolher, evangélicos já são 30% em Bauru/SP – Por Wagner Teodoro
“Quando você se aproxima das pessoas e fala a
realidade delas, elas vão compreender melhor a mensagem”, diz o pastor Gilson
Souto Maior.
É possível se falar em fenômeno
evangélico. No sentido definido pelo dicionário como extraordinário. Neste
caso, um crescimento extraordinário. Os números comprovam um avanço avassalador
do evangelicalismo no País.
De acordo com o Censo Demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, a parcela evangélica da
população do Brasil abrange 22,2%, ou seja, 42,3 milhões de brasileiros.
A
estatística consolida tendência verificada há décadas de aumento dos
evangélicos. Em 2000, os números apontavam 15,4%, o que configura aumento de
61% em dez anos. Em 30 anos, o percentual saltou de 6,6%, número apurado em
1980, para os atuais 22,2%. Em 1991, segundo o IBGE, este percentual era de 9%
(leia mais na página 5).
Em Bauru, o panorama é semelhante
ao nacional. De acordo com dados do Censo de 2000 do IBGE, os evangélicos eram
23,59% da população bauruense ou 74.558 pessoas. Nos dez anos seguintes houve
aumento de 44,4% neste contingente, totalizando 107.675 adeptos em 2010 e
chegando ao percentual de 31,29% dos habitantes da cidade. Se comparado com o
crescimento populacional de Bauru no mesmo período, o percentual ainda é mais
impressionante. Bauru saltou de 316.064 habitantes para 344.039, aumento de
8,85%.
Mas o que motiva este crescimento
vertiginoso? Quais são as causas que levam cada vez mais pessoas a se
converter? Algumas respostas a estas questões passam pelas características do
evangelicalismo, que não enfatiza o ritual dos cultos, sobressai pelo
acolhimento às pessoas, possui uma hierarquia menos rígida ou evidente e uma
linguagem popular. Além disso, de acordo com o pastor Gilson Souto Maior Júnior,
formado em teologia batista e estudioso do tema, grande parcela do “boom” é
ocasionada pelo avanço do neopentecostalismo.
“Boa parte do crescimento dos
evangélicos neste período se deu na verdade pela força do neopentecostalismo.
As igrejas tradicionais e históricas cresceram como normalmente crescem, um
crescimento constante, mas não explosivo”, constata.
A questão do acolhimento das
pessoas nas igrejas evangélicas seria o primeiro passo para a arrancada do
evangelicalismo, uma vez que abre o espaço para as outras causas.
“O neopentecostalismo e as
igrejas evangélicas têm este parâmetro de receber as pessoas. Tanto é que esta
foi a grande preocupação do pontificado de João Paulo II, quando viu o grande
crescimento da Igreja Evangélica na América Latina. Nestes últimos anos, o
catolicismo perdeu muitos adeptos em toda a América Latina. E uma das coisas
que foram colocadas é justamente isso: alguém, quando chega a uma igreja
evangélica, é rapidamente absorvido. No sentido de que é aceito”, pontua Souto
Maior.
“No caso de drogas, por exemplo,
há vários movimentos evangélicos trabalhando na restauração de pessoas com este
problema, que é crônico na nossa sociedade. Isso, de fato, contribui para o
crescimento”, acrescenta.
Uma vez integrada à igreja, a
pessoa rapidamente sente-se parte daquele organismo, que transparece uma
proximidade entre a celebração do culto e o fiel. A identificação com a igreja
é imediata, com participação efetiva.
“No movimento evangélico não
existe muito uma hierarquização. No catolicismo romano se encontra uma
hierarquia. Nas igrejas evangélicas esta hierarquia não existe e, quando
existe, é muito pequena em relação à Igreja Católica. Então, as pessoas se
tornam membros e em pouco tempo estão trabalhando, exercendo alguns cargos e desenvolvendo
trabalhos. Isso faz com que se sintam importantes. Todo mundo quer se sentir
importante em alguma coisa, no sentido de que ‘eu posso contribuir com algo’”,
analisa Souto Maior.
A própria linguagem, próxima ao
“idioma do povo”, também contribui para a identificação das pessoas com a
mensagem evangélica. É um fator decisivo, na opinião do pastor. “Não tem uma
liturgia pesada. Querendo ou não, a gente acaba fazendo um paralelo porque o
Brasil é um País de natureza católica. A maioria é católica e de história
católica”, observa.
“Faz pouco tempo, na década de
60, que mudou a missa do latim. E isso faz enorme diferença”, comenta,
ressaltando o significado de participar de um culto em que a mensagem é
entendida por todos.
“Você estar em uma cerimônia em
que está vendo tudo, mas não entende nada, é diferente de quando você escuta
alguém falar na sua língua e trata de problemas muito existenciais, próximos da
vivência, fala de família, de desemprego e aplicando isso na vida das pessoas.
Quando você se aproxima das pessoas e fala a realidade delas, elas vão
compreender melhor a mensagem”, acentua.
Porém, Souto Maior é enfático ao
afirmar que a principal mola propulsora do avanço na quantidade de evangélicos
é o neopentecostalismo, fenômeno considerado recente na história do
evangelicalismo. Ele explica que o movimento pentecostal passou por três ondas.
A primeira, quando surgiu, entre
o final do século 19 e início do século 20, motivada pela questão dos dons
espirituais. A segunda, por volta da década de 50, já impulsionada pelo rádio,
meio de comunicação que tinha, naquele momento, força proporcional à da
internet hoje. “Nesta segunda onda houve um crescimento baseado muito na
pregação de curas e milagres”, relata.
Conforme Souto Maior, a partir da
década de 70 veio uma terceira onda, chamada de neopentecostalismo, que traz
uma pregação diferente.
"Começa-se a pregar a respeito da prosperidade
financeira, física. Boa parte deste crescimento vai se dar a partir do final da
década de 70, início da década de 80, mas vai ter uma explosão mesmo a partir
da década de 90, justamente com esta pregação baseada na prosperidade. A ideia
de que as pessoas podem ter bens materiais e que isso é uma bênção de Deus”,
expõe o pastor.
Ressalvas
Com vasto conhecimento teológico,
o pastor Gilson Souto Maior Júnior tem ressalvas em relação a certos pontos de
vista do movimento neopentecostal.
“Ao mesmo tempo em que expôs os evangélicos,
também colocou uma situação constrangedora. Esta visão de prosperidade, de
riqueza material como sinal da bênção de Deus ficou dissociado do movimento da
reforma protestante, dos evangélicos tradicionais. Para nós, riqueza não é
pecado, mas deve ser fruto de um trabalho. Um trabalho ético, correto. Nós
entendemos o trabalho como uma dádiva, uma bênção de Deus. Então, você
trabalhar corretamente, lutar e conquistar suas coisas não é pecado
necessariamente. E o neopentecostalismo veio com uma visão de que as dádivas de
Deus se traduzem praticamente na questão material”, discorre.
O pastor acredita em uma
distorção dos reais valores evangélicos. “Deixa-se de lado a visão de um
trabalho para simplesmente ir à igreja buscar riqueza, prosperidade, porque
isso seria um sinal de uma bênção. O que acontece? Esses movimentos começam a
criar uma pregação muito intensa em cima da questão do dinheiro, dos dízimos, e
aí, começam a aparecer os escândalos, a manipulação das pessoas, principalmente
das pessoas mais pobres”, argumenta Souto Maior.
O pastor vê no contexto
sócio-político brasileiro a chave para o avanço do neopentecostalismo. “Se a
gente observar o histórico, o Brasil no início da década de 80 era um país que
tinha acabado de sair do ‘milagre econômico’, estava em um período de transição
entre a ditadura militar e a democracia. Basicamente, esta população é pobre e
existe uma inflação galopante.
Este é um terreno propício para este tipo de
pregação de bênção, de cura, de milagre, de prosperidade financeira. Então,
creio que isso foi um combustível a mais para este movimento e crescimento”,
diagnostica.
Souto Maior reitera que não
considera esta linha de orientação e pregação a ideal. “Este movimento não tem
uma exegese e hermenêutica bíblica, pegam textos isolados da Bíblia para
fundamentar a pregação. Cristo não é o centro da mensagem, o cento da mensagem
é a igreja”, entende.
O pastor identifica ainda um
personalismo, muitas vezes, na figura de um pastor ou fundador. “Estes
movimentos neopentecostais são cercados de um ícone. Não vejo com bons olhos
para uma fé verdadeiramente evangélica, uma fé que se baseia no Evangelho de
Jesus Cristo, esta visão evangélica descomprometida com o Evangelho da Graça e
que usa a Bíblia para manipular interesses”, define.
Multiplicação de fiéis e templos
O “boom” de cristãos evangélicos
vem seguido da multiplicação de templos e igrejas. Em Bauru é visível a
proliferação de templos pela cidade, seja em áreas centrais ou bairros mais
afastados. Muitas vezes, as vias contam com uma aglomeração de templos. Usando
o bom humor, se São Paulo tem a avenida Angélica, Bauru possui o que pode ser
chamado de avenida evangélica.
A reportagem do Jornal da Cidade
constatou a presença de dez templos evangélicos nas 38 quadras da avenida
Castelo Branco. Na rua Benedito Ribeiro dos Santos, que cruza o Jardim Carolina
e Núcleo Geisel, a concentração é ainda maior: com dez templos em suas 16
quadras.
A pequena amostragem permite ter
dimensão da expansão pela cidade. Dados do Conselho de Pastores Evangélicos de
Bauru estimam que existam 700 templos espalhados pelo perímetro urbano entre as
diferentes igrejas que compõem o universo evangélico.
Em uma conta simples,
dividindo-se o número de adeptos apurado no Censo de 2010 (107.675 pessoas)
pela quantidade de templos existentes na cidade, chega-se a uma média de 152
fiéis por templo. Estruturar o crescimento e união das igrejas evangélicas em
Bauru é o trabalho desenvolvido pelo Conselho dos Pastores Evangélicos de
Bauru, que conta com aproximadamente 100 membros.
O pastor Edson Valentim de
Freitas, diretor do Conselho, explica as atribuições do órgão. “O papel do
Conselho é de aglutinar, unir as igrejas e desenvolver ações que ajudem as
igrejas em suas atividades e no crescimento delas. Basicamente, é atrair os
pastores e unir as igrejas”, pontua. Freitas ressalta que as ações do Conselho
não se restringem às igrejas que possuem integrantes no órgão.
“A gente trabalha com a cidade
toda. Nem todos são filiados, mas as igrejas acabam ligadas à gente pelas
atividades. É bem abrangente mesmo”, salienta.
Com a multiplicação dos templos,
o Conselho de Pastores atua também na regularização destes espaços, buscando
segurança e conforto. Uma das coisas que o Conselho tem oferecido é o curso de
brigada de incêndio.
“Além disso, temos a parceria com escritório de contabilidade,
que dá toda a assessoria para fazer o estatuto, a parte contábil da igreja. E a
gente passa todas as orientações que já colheu perante a Seplan (Secretaria de
Planejamento), por exemplo, na questão de acessibilidade. Todas as igrejas
podem ter acesso a isso que o Conselho oferece”, declara Freitas.
O diretor do Conselho observa que
representantes de novos templos, com o crescimento, já procuram o órgão para
receber apoio e orientação. Uma igreja, muitas vezes, começa um tanto quanto
informal. É uma casa. Um grupo de irmãos que são de uma determinada igreja e
querem começar um novo trabalho.
Este grupo de pessoas começa a
crescer e, pela necessidade de sair daquela casa e ir para um salão para
comportar mais pessoas, muitas vezes, num primeiro momento, não são tomadas
aquelas precauções em termos de segurança. De 50 a 100 pessoas é geralmente
quando a igreja já está estabelecida e o pastor sente a necessidade de
regularizar tudo.
Dividir para multiplicar
A grande quantidade de templos
pela cidade tem uma explicação simples. Ao invés de se aglomerar uma maior
concentração de fiéis em menos templos, por questão de conveniência e até mesmo
logística, os templos se espalham em uma democratização de espaços disponíveis,
uma fragmentação, facilitando o acesso dos adeptos. Uma inversão, que acaba
encurtando distâncias e ampliando o alcance da mensagem para praticamente todos
os pontos da cidade: o templo também vai ao fiel e não somente o fiel vai ao
templo. Uma divisão que multiplica.
Freitas, pastor em um templo no
centro de Bauru, dá exemplos de como a estratégia surte efeito e é positiva
para o fiel e para a igreja. Nós começamos um trabalho há vários anos no Mary
Dota porque era difícil para muitos membros virem de lá para o centro da cidade
e hoje é um novo templo.
Lá na região da Vila São Paulo e Pousada da Esperança
também criamos um trabalho. Porque fica longe para várias pessoas virem.
Preferimos fazer o culto lá. Com o passar do tempo, cresce o número de pessoas
e a gente torna o trabalho independente, aponta o pastor.
A expansão evangélica vem
acompanhada não só da proliferação de templos, mas de um aumento significativo
de igrejas, que aumenta a divisão do universo do evangelicalismo. Freitas vê
aspectos positivos e negativos no surgimento de novas igrejas evangélicas.
“Nossa legislação, nossas leis
permitem esta liberdade. Eu diria que esta liberdade traz a abertura de novas
igrejas em qualquer lugar e qualquer bairro. Isto é muito bom. O fato destas
igrejas ficarem independentes umas das outras é negativo. Porque, muitas vezes,
a igreja é pequena e anda sozinha. Aí é que entra o papel do Conselho de
Pastores de apoiar estas igrejas, ajudá-las neste começo e trazê-las para a
comunhão com as outras que já existem”, diz o pastor.
Reforma Protestante e os 5 solas
As igrejas evangélicas têm origem
na reforma protestante, movimento reformista cristão iniciado no início do
século XVI por Martin Lutero, que protestou por meio de teses contra diversos
pontos da doutrina e práticas da Igreja Católica Romana medieval, propondo uma
reforma no catolicismo romano. Os pontos de vista de Lutero ganharam apoio de
vários religiosos e governantes, provocando uma revolução religiosa que se
estendeu pelo continente europeu.
O resultado da Reforma
Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente entre os católicos
romanos e os reformados ou protestantes, originando o protestantismo ou
evangelicalismo, que se expandiu para as Américas, local onde se originaram
outra parte das igrejas que hoje compõem o universo evangélico.
O pastor e teólogo Gilson Souto
Maior Júnior explica que os princípios fundamentais da fé evangélica são os
cinco solas, pressupostos da reforma protestante.
“Sola Scriptura (somente a
escritura), que significa que normatizamos os princípios de fé e prática à luz
da Bíblia; Solus Christus (somente Cristo), ou seja, que Cristo é o centro da
vida cristão, da vida da igreja, da vida em comunidade, o nosso modelo máximo;
Sola Fide (só a fé), somente pela fé o homem pode se aproximar de Deus e ser
salvo; Sola Gratia (só a graça), ninguém é salvo por seus méritos, apenas pela
graça de Cristo, e Soli Deo Gloria (somente a Deus a glória), ou seja, a glória
não é do homem, do ser humano. Entendemos que todas as coisas procedem de Deus,
tudo é para a glória de Deus.”
Definições
De acordo com dados do Conselho
de Pastores, predominam no evangelicalismo bauruense as igrejas com orientação
pentecostal e neopentecostal. Para critério de definição, no pentecostalismo
tradicional brasileiro estão igrejas como a Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular,
Brasil para Cristo, Deus é Amor, Congregação Cristã, Nova Vida, entre outras.
São exemplos de igrejas neopentecostais no cenário nacional a Universal do
Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo e Mundial do
Poder de Deus. Algumas das igrejas de missão, ou seja, com origens
missionárias, são a Batista, Presbiteriana, Adventista e Metodista.
Unidade no discurso
Dentre as diferentes orientações
e estruturação das igrejas que compõem o universo evangélico, o discurso se une
em torno de um tema considerado fundamental por pastores: a valorização da
família. O Conselho de Pastores tem como diretriz de trabalho o foco na
família, de acordo com Freitas.
“Nós observamos que a família,
hoje, está se fragmentando. Os valores estão sendo perdidos ou não são
observados. Então, são muitos casamentos desfeitos e isso reflete nos filhos,
que por sua vez acabam sofrendo emocionalmente e muito deles indo para as
drogas”, diz Freitas.
“E quando a gente fala de drogas, sabe que é muito mais
sério do que os jornais apresentam, é muito mais grave. O crack, por exemplo,
está em todas as camadas sociais", constata.
O pastor entende que o caminho
para minimizar os problemas sociais é fortalecer a célula familiar. Hoje, é uma
preocupação muito grande na maioria das igrejas que a gente foque as famílias.
Família forte é sociedade forte, conclui Freitas.
Fonte: http://www.jcnet.com.br
Comentários