Andrés Torres Queiruga: ‘Temos que recuperar a liberdade e a criatividade da teologia’ – Por Achille Rossi
Entrevista com Andrés T. Queiruga
O prestigiado teólogo galego, Andrés Torres Queiruga, entrevistado pela
revista italiana L1 Altrapagina, assegura que começa uma nova etapa na Igreja.
Do Papa Francisco espera tanto reformas concretas que também, quanto "a
reforma” da "renovação evangélica do estilo de convivência e de governo”
na Igreja. Ou seja, "recuperar a liberdade da teologia”, redefinir a
relação entre "moral e religião” e voltar ao "impulso do Vaticano
II”.
A eleição do papa Francisco fez
surgir muitas esperanças dentro do povo cristão, sobretudo por suas atitudes
fora do protocolo e por sua contínua atenção aos pobres. Esses sinais autorizam
a pensar que se está abrindo uma nova estação para a Igreja Católica?
Sem dúvida! Os gestos não são por acaso: respondem, por um lado, à atitude
pessoal de um bispo que os havia convertido em estilo central tanto de sua vida
quanto de seu trabalho pastoral e; por outro, a uma necessidade objetiva da
Igreja. Necessidade tão urgente que se deve dizer que o Conclave o nomeou
levando em consideração essa renovação, como um de seus principais objetivos.
Em sua opinião, quais são os
problemas mais urgentes para o corpo eclesial nesse início de segundo milênio?
Tenho a impressão de que a função -o destino providencial?- desse papa,
mais do que solucionar problemas concretos consistirá em trabalhar por uma
reforma da comunidade eclesial, renovando evangelicamente o estilo de
convivência e de governo, em um sentido mais participativo, dialogante e
descentralizado. Isso criará a possibilidade para ir enfrentando as reformas
concretas. Essas virão depois, com esse papa ou com o próximo, ou próximos. Com
certeza, Francisco empreenderá algumas, apoiadas em uma reestruturação e
limpeza forte da Cúria; devolverá muito mais iniciativa às Conferências
Episcopais e às Igrejas Locais; redefinirá o posto da mulher na Igreja (ou
começará a redefini-lo); e mudará o acento do anúncio do Evangelho, abandonando
um moralismo privatista e não atualizado, para insistir na luta contra a
pobreza, a discriminação e a injustiça. Creio que, em boa medida, conseguirá
tudo isso; e não seria pouca coisa...
Em sua primeira alocução aos
Cardeais, o papa Bergoglio os convidou a "confessar-se a Cristo”, do
contrário a Igreja se reduziria a uma espécie de ONG dedicada à assistência. O
que significa dizer hoje, em um mundo como o nosso, "confessar-se a
Cristo”?
O papa anterior era um teólogo; o atual é um pastor. Creio que sua
"confissão de Cristo" não consistirá em promover uma renovação
teórica da cristologia; mas, no anúncio e na prática de um estilo de vida
decididamente evangélico: o de Jesus de Nazaré, centrado, por um lado, na
confiança em Deus como amor e perdão e; por outro, no serviço humilde e
fraterno, começando pela base, aos mais pobres e necessitados. Uma confissão
centralizada no testemunho prático mais do que na renovação teórica. Também
estou seguro de que, se isso for alcançado, influirá muito na renovação
teológica.
Tu és um teólogo de profissão. Por
quais caminhos a teologia deveria encaminhar-se para falar à cultura contemporânea
e para renovar a própria linguagem?
O primeiro caminho é, digamos, estrutural: recuperar a liberdade e a
criatividade da teologia, voltando ao impulso –fortemente freado nos últimos
tempos- do Vaticano II, sem medo ao pluralismo e sem assustar-se ante os
possíveis riscos próprios de toda busca criativa e renovadora. Sobre essa base,
será necessário ir assumindo com plena consequência a mudança cultural,
sobretudo –insisto uma vez mais no chamado conciliar- reconhecendo a
"autonomia” da criação e reformulando desde ela a compreensão das verdades
fundamentais da fé. Ressaltaria algumas tarefas mais urgentes:
Reformular o esquema da história da salvação, vendo-a como crescimento
da criatura, frágil, débil e pecadora; porém, sustentada pelo amor incansável
de um Deus sempre ao nosso lado contra o mal, evitando portanto continuar
mantendo uma dialética de queda original como fato histórico, com todo o horror
do mal como consequência de um castigo imposto por Deus; Redefinir as relações
entre a moral e a religião, evitando uma sangria de abandonos da Igreja por uma
confusão entre a autonomia humana em relação às normas (comuns em princípio a
crentes e não crentes) e a motivação, fundamentação e apoio divino sobre seu
cumprimento; Recuperar a humanidade de Jesus, o Cristo, como modelo e revelação
da mais radical e autêntica humanidade; E, em geral, repensar todas as grandes
verdades a partir da nova situação cultural, em diálogo com as religiões e com
o pensamento secular.
A eleição do nome Francisco é um
programa. Em tua opinião, contém também uma mensagem crítica frente às
políticas econômicas que hoje são impostas às nações mais frágeis, seja na
Europa, seja no resto do mundo?
É inegável que sim. Basta repassar o fio condutor da predicação pública
do bispo Bergoglio, sempre clara e contundente a respeito. Os gestos
surpreendentes do papa Francisco são expressão e confirmação dessa preocupação
central. Preocupação evangélica e, por isso, profundamente humana. Preocupação
que, certamente, encantará a compreensão e a acolhida de uma humanidade sedenta
desse tipo de mensagem e compromisso.
Pensas que Francisco reavivará na
Igreja o clima do Concílio Vaticano II?
Sem dúvida que, após trinta anos de reserva, está em marcha um
reencontro com o impulso e o chamado do Vaticano II. Com estilo distinto, há
nele bastantes traços que recordam a João XXIII. Nesse sentido, permita-me
dizer-lhe que de todos os gestos recentes –inclusive o magnífico da renúncia de
Bento XVI- o mais revolucionário foi o inicial e espontâneo do papa em sua
primeira apresentação pública: pedir ser abençoado pelos fieis antes de dá-lhes
a bênção. Na mentalidade eclesiológica anterior isso era simplesmente
impensável. Porém, o novo papa não fazia mais do que levar a sério a Lumen
Gentium: a Igreja é, antes de tudo, a comunidade de todos os fieis e dentro
dela –não sobre ela- os diversos serviços, incluindo, claro, também o papal.
Será que essa renovação acontecerá
durante seu papado?
Volto ao meu parecer inicial. Estamos ante um papa pastor, não ante um
papa teólogo. Com isto não digo, claro está, que ele desconheça a teologia; mas
que não se especializou no estudo sistemático da mesma. Seu decidido
compromisso com um estilo evangélico e sua atitude de centrar a autoridade no
serviço, constituem-se na melhor base para que não caia na tentação de não
distinguir com cuidado entre carismas e funções. Refiro-me á tendência da
autoridade pastoral a absorver o carisma teológico, sem diferenciar entre os
campos e as competências; algo que, por certo, em princípio, reconheceu o
Concílio e acentuaram os últimos papas, falando da necessidade do diálogo e do
apoio fraternos entre os distintos serviços eclesiais. Em minha opinião, será
decisiva a atitude que Francisco adote ante o atual monopólio de uma teologia
rigidamente submetida ao critério do "Catecismo da Igreja Católica”, uma
grande obra de erudição; porém, com uma teologia muito concreta e claramente
unilateral. Obra, portanto, respeitável enquanto se limite a representar uma
das possíveis orientações dentro da teologia atual; porém, que não pode
apresentar-se como a única orientação legítima, não distinguindo com cuidado
entre magistério pastoral e magistério teológico. Porque desse modo, corre-se o
gravíssimo perigo de invadir autoritariamente o campo estritamente teológico,
identificando a fé universal da Igreja com as interpretações apoiadas em uma
teologia concreta e determinada. Dito a modo de exemplo concreto ilustrativo:
para qualquer um é legítimo seguir a teologia de Urs Von Balthazar; porém,
ninguém dentro da Igreja pode estar proibido de orientar-se pela de Karl
Rahner. Talvez nesse ponto, aparentemente secundário, esteja centrado um dos
pontos decisivos da presente pontificado.
Fonte: http://www.adital.com.br
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