São Paulo, capital do cinema japonês - Por Silvia Campolim
O bairro japonês
de São Paulo, Liberdade, tem sua origem estreitamente associada ao cinema
japonês e ao surgimento das salas de exibição de filmes na região, que
apresentavam produções tão diversas quanto histórias de samurai e da Yakuza (a
máfia japonesa), passando por melodramas e obras intimistas, consideradas cults por
cinéfilos e cineastas brasileiros.
Até meados do
século passado, a população imigrante e seus descendentes nikkeis haviam
formado o primeiro “bairro japonês” do centro, ao redor da rua Conde de
Sarzedas, e distribuíam-se por vários bairros da cidade, como Pinheiros, Campo
Limpo, Itaquera e Jabaquara.
A ordem para que os japoneses deixassem suas
casas, durante a Segunda Guerra Mundial, no entanto, dispersou a população
desse primeiro bairro oriental. Esses imigrantes foram perseguidos e cerceados
durante o conflito mundial, por causa do alinhamento do Japão com a Alemanha e
os demais países do Eixo.
O livro do
antropólogo Alexandre Kishimoto: Cinema Japonês na Liberdade conta
agora os detalhes dessa história.
“A inauguração em julho de 1953 do cine
Niterói, na rua Galvão Bueno, uma sala de 1.200 lugares, foi responsável pela
formação de todo um comércio japonês na região, que amadureceu com o
surgimento, nos anos seguintes, de outras salas, como os cines Tokyo, Nippon e
Joia, nas imediações, dando origem ao que hoje conhecemos como Liberdade”,
afirmou Kishimoto, pós-graduado pela Universidade de São Paulo (USP).
O livro foi
lançado em março pela Editora Estação Liberdade, com apoio da FAPESP e da Fundação
Japão. Desenvolvido originalmente como tese de mestrado da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), a obra do nikkei Kishimoto
trata da história dessas salas de cinema na Liberdade, de sua importância para
a comunidade japonesa e seus descendentes e para o público de cinema, críticos
e cineastas brasileiros, como Walter Hugo Khouri (1929-2003), Carlos Reichenbach
(1945-2012), Roberto Santos (1928-1987) e João Batista de Andrade, entre
outros.
“Eu tinha essa
memória de quando era criança, de ser levado por meus pais a algumas dessas
sessões nos cinemas da Liberdade, em companhia dos meus avós, isso já na década
de 1980”, disse o autor.
Ele contou que teve a ideia da tese em 2003, ao
participar de um trabalho de organização de videotecas de filmes brasileiros em
escolas públicas da zona leste de São Paulo.
“Para obter os filmes que rodariam
nas videotecas tive de conversar com cineastas como Carlos Reichenbach, diretor
de Alma Corsária, e João Batista de Andrade, de O homem que
virou suco, e soube que eram assíduos frequentadores daquelas salas na
Liberdade, entre 1950 e 1960. Foi aí que percebi como esses cinemas foram
importantes não apenas para o público japonês, mas também para os cineastas,
críticos e cinéfilos da cidade de São Paulo.”
Diversidade
garantida
A capital
paulistana era na época a cidade ocidental que recebia a filmografia japonesa
mais diversificada para exibição. O cinema japonês passou a ser conhecido no
Ocidente depois da premiação de Rashomon, do cineasta Akira
Kurosawa, com o Leão de Ouro, no Festival de Veneza, em 1951, e as
metrópoles ocidentais começaram a se interessar pela exibição de filmes
japoneses. Mas à maioria das cidades chegavam os filmes de samurai ou de época,
além das obras premiadas nos festivais internacionais, conta Kishimoto, no
livro.
Em São Paulo, a
história foi completamente diferente. Por ter uma concentração muito grande de
moradores japoneses e seus descendentes, desde os anos 1930 e 1940 eram comuns
as sessões de cinema japonês nos bairros onde residiam e em locais do centro da
cidade, como os cines Theatro São Paulo, o cine Odeon e o cine São Francisco.
Com a abertura do cine Niterói, Tokyo, entre outros, na região da Liberdade e o
sucesso das sessões de cinema japonês, os estúdios cinematográficos das
companhias japonesas abriram escritórios na cidade.
“Por essas
características, São Paulo recebia uma produção muito maior, menos filtrada e,
portanto, mais diversificada do que as obras enviadas às demais metrópoles
ocidentais”, disse Kishimoto, lembrando que não levou muito tempo para que
essas empresas japonesas transformassem essas salas de cinema em exibidoras exclusivas
de suas produções.
Inicialmente frequentadas por japoneses e seus descendentes,
elas foram, aos poucos, atraindo cinéfilos, cineastas não nikkeis e críticos,
como Paulo Emilio Salles Gomes e Rubens Biáfora, que ao descobrirem tal
diversidade passaram a escrever sobre esses filmes nos jornais.
Kishimoto afirmou
que já existiam estudos sobre o cinema japonês quando definiu sua pesquisa de
mestrado, mas eles eram restritos. Focalizavam a importância dessas salas para
o público japonês ou tratavam da relação do público não nikkei, de cineastas,
críticos e cinéfilos brasileiros com a produção cinematográfica. “O meu desafio
foi buscar uma perspectiva que integrasse esses dois públicos e suas
experiências.”
Em seu livro,
Kishimoto contempla desde o trabalho dos projecionistas ambulantes, que no
final dos anos 1920 já percorriam as cidades do interior do Estado mais
povoadas pela colônia para apresentar as sessões de cinema, num período marcado
pela atuação dos pioneiros da exibição Masaichi Saito e Kimiyasu Hirata, até as
salas de cinema da Liberdade, cuja programação repercutiu na produção dos
cineastas brasileiros.
“Essa influência foi marcante e pode ser observada em
obras como: A hora e a vez de Augusto Matraga, do Roberto Santos,
inspirado em filmes de samurai de Masaki Kobayashi e Keisuke Kinoshita, como Murmúrios
do rio Fuefuki .”
O papel do cinema
japonês em São Paulo na pacificação da própria colônia também é abordado no
livro, tendo como pano de fundo o contexto político do pós-guerra e o conflito
entre derrotistas e vitoristas, uma vez que parte dos imigrantes não acreditava
que o Japão havia perdido a guerra (os vitoristas) e combatiam os que aceitavam
a derrota (os derrotistas).
“Essa divisão entre os imigrantes japoneses e
descendentes no Brasil durou quase dez anos e a hipótese que defendo no livro é
a de como essas salas (paralelamente a outros episódios) contribuíram para a
pacificação desses dois grupos.”
Cinema Japonês na
Liberdade
Autor: Alexandre Kishimoto
Lançamento: março de 2013
Páginas: 304
Autor: Alexandre Kishimoto
Lançamento: março de 2013
Páginas: 304
Mais informações: www.estacaoliberdade.com.br/cinema-japones-na-liberdade/
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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