Chilenos são cínicos, diz diretora de filme sobre adolescente bissexual e evangélica - Por Gabriel Marchi

A diretora chilena Marialy Rivas não é mulher de meias palavras. Com o filme Jovem Aloucada, em cartaz em São Paulo, ela traz a história de Daniela, uma adolescente bissexual que passa por conflitos comuns de sua idade. 
Só que a garota vem de uma família evangélica e, aos 17 anos, tem de lidar com as contradições entre sua criação religiosa e sua sexualidade. 
A resposta acaba sendo um blog, na qual cria uma rede de libertinagem e descobertas sexuais.

A trama conversa com a situação atual da sociedade chilena, que tem um crescimento de sua população evangélica: são 18%, segundo estatísticas recentes. “Os políticos começam a ver esta comunidade como uma força com a qual é necessário dialogar”, explica, em entrevista ao Virgula Diversão.

Para ela, que mostra a protagonista, vivida por Alicia Rodriguez, em cenas de nudez e muito, muito sexo, o chileno ainda é muito conservador. “Não temos leis para o aborto e até muito pouco tempo atrás não tínhamos de divórcio, esses dois exemplos de que te falo mostram o lado conservador da sociedade”, conta.

Mas ela acredita e contribui, que ideias mais progressistas possam arejar o país num futuro próximo.”Sinto que há ventos de mudança, uma juventude aberta e com ânsia de justiça social em todos os âmbitos, e por isso espero que o Chile mude”, conclui.

Leia a entrevista:

Foi um desafio unir sexo e religião na questão central do filme?

Para mim todo cinema é um desafio, desde o roteiro até a montagem, cada passo é um novo desafio, em particular neste filme que une sexo e religião. Mas acredito que em nossas vidas isso tudo está muito unido, estava no DNA do projeto. Não foi mais difícil do que os outros.

Há uma grande comunidade evangélica no Chile? No Brasil, o crescimento dessa religião vem transformando a sociedade em diversas esferas, inclusive a política. O mesmo acontece no Chile?

Sim, cerca de 18% da população, e portanto os políticos começam a ver esta comunidade como uma força com a qual é necessário dialogar. Eu respeito todas as crenças, sempre, desde que haja separação entre Estado e igreja. Na América Latina, lamentavelmente, não é assim, e o legislativo é influenciado pela religião, que não é representativa de toda a sociedade.

Você considera a sociedade chilena conservadora?

Sim, há uma dupla moral que faz dos chilenos muito cínicos, porque afinal, as pessoas fazem o que tem vontade mas gostam de viver com uma aparência austera e ordenada. Não temos leis para o aborto e até muito pouco tempo atrás não tínhamos de divórcio, esses dois exemplos de que te falo mostram o lado conservador da sociedade. Sinto que há ventos de mudança, uma juventude aberta e com ânsia de justiça social em todos os âmbitos, e por isso espero que o Chile mude.

Antropólogos consideram os países latinos mais patriarcais e com questões de gênero mais latentes do que em outros países do Ocidente. Você concorda com esta visão?

Concordo, há um machismo imperante, que foi trazido pela Igreja Católica e pelos colonizadores espanhóis. Os indígenas nativos eram originalmente de culturais matriarcais, com muitas deusas conectadas à natureza, à fertilidade e à terra. Elas foram substituídas por uma virgem frígida e assexuada, só útil como mãe de um deus que supostamente é um homem.

Há cenas de sexo e de nudez no filme – e a personagem tem apenas 17 anos. No passado, isso era aceito; por exemplo, a cena de abertura de Carrie, de Roman Polanski, mostra cenas de nu frontal. Hoje, no Brasil e no mundo, isso é considerado um escandalo. Acredita que o público é mais moralista hoje que nas décadas de 70 e 80?

Não havia pensado nisso, mas agora que menciona me parece que sim. O sexo é a coisa mais natural do mundo, mas está cada vez mais encurralado por pessoas que se assombram em vercenas de sexo. Uma coisa que todos fazem diariamente, enquanto cenas de pessoas sendo mortas e esquartejadas são mostradas sem censura alguma. Espero que nenhum de nós jamais tenha que chegar a este extremo.

A bissexualidade é considerada um tabu mesmo entre homossexuais. Em pesquisas, bissexuais apontam que se sentem discriminados mesmo entre gays e lésbicos. A que você atribuiria este fato?

Acho que é muito mais simples viver no preto ou no branco do que no cinza. É mais fácil odiar alguém que te incomoda do que encontrar um meio termo ou entender suas razões. É mais fácil acreditar em uma religião que diz que isto é bom e isto é ruim do que ter de decidir antes de cada evento como são as coisas, com toda a complexidade que envolve a vida. Acho que o que assusta não é o cinza, mas é mais cômodo escolher entre ser homossexual ou hétero e dali nunca mais sair. Creio que, de certa maneira, se você é 100% gay, tem inveja dos bissexuais porque eles são mais propensos a encontrar amor e prazer.

Seu filme foi premiado na categoria de melhor “filme homossexual” em um festival europeu. Você acha que categorizar cinema dentro de uma cultura gay ou hétero contribui ou atrapalha para a aceitação da comunidade homossexual?

Acredito que, sabendo dos níveis de suicídio adolescente, é muito necessário trazer visibilidade à cultura, sobretudo para os jovens que procuram exemplos, perceber como outras pessoas também tem os mesmos conflitos que eles enfrentaram e também para educar e sensibilizar heterossexuais a respeito destes temas.

Não acredito em um cinema militante apenas para gays, mas não acho que haja nenhum dano em festivais especializados. Muito pelo contrário.




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