Políticas de inclusão atreladas apenas ao vestibular são insuficientes, aponta pesquisador - Por Elton Alisson

Apesar de importantes, as políticas de inclusão social ou de ação afirmativa no ensino superior atreladas somente ao vestibular ou a processos seletivos como o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), são insuficientes para solucionar o problema da exclusão de jovens oriundos de escola pública.

Isso porque a exclusão nas universidades estaduais e federais ocorre antes mesmo do processo de seleção dos candidatos para os cursos de graduação. A avaliação foi feita por Marcelo Knobel, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante o simpósio Excellence in Higher Education, nos dias 23 e 24 de janeiro na FAPESP.

Realizado pela FAPESP em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o encontro teve como objetivo debater os determinantes da excelência no ensino superior no Brasil e formular recomendações que poderão embasar políticas públicas.

“O próprio funil do vestibular ou do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] já é excludente”, disse Knobel na palestra que proferiu no evento. “Menos de 5% dos estudantes que prestam o vestibular da Unicamp são aprovados.”

De acordo com Knobel, dos quase 500 mil jovens que concluem o ensino médio anualmente no Estado de São Paulo, aproximadamente 85% estudaram em escolas públicas e 15% em instituições privadas. Já do total de estudantes que prestam vestibular para as principais universidades públicas do país a situação se inverte: na Unicamp, por exemplo, aproximadamente 70% são egressos de escolas privadas e 30% de instituições públicas.

“Essa inversão ocorre porque a grande massa de estudantes que concluem o ensino médio em escolas públicas não considera o ingresso em universidades públicas, pois sabe que tem pouca ou nenhuma chance de entrar nessas instituições”, afirmou Knobel, que integra a Coordenação Adjunta de Colaborações em Pesquisa da FAPESP.

A relação desigual se mantém mesmo com o aumento geral na procura por vagas. Na Unicamp, por exemplo, o número de interessados nos cursos de graduação cresceu quase 40% nos últimos cinco anos, segundo Knobel.

O número de inscritos no vestibular da universidade campineira saltou de 49 mil, em 2009, para 74 mil, este ano. O total de vagas, no entanto, manteve-se o mesmo: 3,3 mil vagas, para 69 cursos. “O dilema do acesso às universidades públicas é consequência do número ainda limitado de vagas que elas têm a oferecer, o que torna os processos de seleção intrinsecamente excludentes”, avaliou Knobel.

Ações afirmativas

De acordo com Knobel, graças a iniciativas de inclusão implementadas pela Unicamp nos últimos anos, como o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), criado em 2004 e que confere pontuação adicional no vestibular a candidatos oriundos de escolas públicas e que se declaram de minorias raciais, foi possível manter em cerca de 30% o total de estudantes advindos do ensino público na instituição nos últimos anos.

O problema, no entanto, é que esse patamar se mantinha estático e ainda era alto o número de estudantes que não participavam do programa por iniciativa própria, disse o professor. “Um estudo realizado entre 2008 e 2009 constatou que cerca de 60% das escolas públicas da cidade de Campinas nunca haviam colocado um aluno na Unicamp”, revelou.

Com base nesses dados, em 2011 a universidade campineira criou o Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS). Voltado exclusivamente a alunos egressos do ensino médio público, o programa piloto seleciona os melhores estudantes de escolas públicas da cidade de Campinas com base na nota que obtiveram no Enem.

A fim de assegurar uma distribuição equânime das vagas do programa entre as escolas públicas do município, é escolhido, no mínimo, um representante de cada uma das 96 instituições da rede pública de ensino médio de Campinas para participar do programa.

As vagas restantes são preenchidas seguindo a ordem de classificação no Enem e respeitando o limite máximo de dois alunos por escola. “Apenas com base no critério de seleção pela nota obtida no Enem, provavelmente teríamos muitos alunos de uma determinada escola participando do programa e nenhum de outras instituições”, disse.

“Por isso utilizamos um critério que pode ser chamado de ‘cota geográfica’, por meio do qual selecionamos um representante de cada escola pública de Campinas”, detalhou Knobel, um dos idealizadores do programa.

Os estudantes selecionados cursam, durante dois anos, uma espécie de Liberal Arts College, comum em países como Estados Unidos, Cingapura e Hong Kong, em que os alunos estudam diversas disciplinas, de diferentes áreas, e desenvolvem projetos de iniciação científica.

Ao concluir esse programa de formação superior, os estudantes recebem um certificado de curso sequencial e podem optar por um curso de graduação na Unicamp sem a necessidade de prestar vestibular. A escolha da graduação é feita de acordo com o mérito, considerando as notas obtidas nas disciplinas obrigatórias do programa.

O estudante que obtém o primeiro lugar tem a opção de escolher o curso que quiser e os demais podem escolher as vagas remanescentes, de acordo com a respectiva ordem de classificação.

“Praticamente todos os cursos da Unicamp ofereceram vagas para esses estudantes egressos do programa, sem a necessidade de prestar vestibular”, contou Knobel. “A Medicina, por exemplo, ofereceu inicialmente duas vagas adicionais para egressos do ProFIS. Eles gostaram tanto do programa que logo decidiram aumentar para cinco o número de vagas”, disse o professor.

Desafios do programa

Segundo ele, atualmente há aproximadamente mil estudantes de escolas públicas de Campinas que se candidatam a uma das 120 vagas oferecidas anualmente pelo ProFIS. Um dos principais desafios enfrentados pelo programa, que está em sua quarta turma, é que se trata de uma iniciativa nova e ainda pouco conhecida e compreendida pelos próprios estudantes, por suas famílias e empregadores.

Além disso, o ProFIS aumenta em dois anos a formação do estudante e compete com outras iniciativas, como o Programa Universidade para Todos (Prouni), do Governo Federal, apontou Knobel.

“Como são excelentes estudantes, eles têm vaga em universidades privadas, com bolsas do governo”, afirmou. “A fim de garantirmos o sucesso do programa, a Universidade dá uma bolsa para quase todos os alunos participantes, além de auxílio para o transporte e alimentação.”

Já dentro da universidade alguns desafios são lidar com estudantes com uma formação muito diferente do que os professores estavam acostumados. Em geral, os alunos chegam com um nível muito ruim de conhecimento de matemática e de habilidade de escrita e interpretação de texto, disse Knobel.

“Os professores têm de ter um outro tipo de abordagem com esses alunos”, indicou. “Em contrapartida, há professores que não entendem direito a ideia de um curso com caráter multidisciplinar”, ponderou.

As desistências são menores do que a média da Unicamp e os resultados em termos de ação afirmativa do programa em comparação com estudantes que ingressaram na universidade por meio do vestibular também são muito animadores, afirmou Knobel.

As análises dos dados da primeira turma que concluiu o programa demonstram que enquanto a proporção de alunos autodeclarados negros, pardos e indígenas que ingressaram na Unicamp por intermédio do vestibular é de 24%, no caso do ProFIS esse percentual chega a 40,8% e corresponde, exatamente, à distribuição dessa população na cidade de Campinas, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), comparou o professor.

“Diminuímos o percentual de estudantes brancos, que no vestibular normal da Unicamp é da ordem de 76%, simplesmente pelo critério de distribuição geográfica das vagas do ProFIS”, afirmou Knobel. 

Ainda de acordo com dados da primeira turma que concluiu o programa, quase 90% dos alunos participantes do programa não tinham pai ou mãe com ensino superior, enquanto 50% dos pais dos estudantes que entram na Unicamp por meio do vestibular cursaram ensino superior e 80% deles tinham renda per capita média inferior a um salário mínimo.

“É um perfil de estudante muito pobre e que dificilmente entraria na Unicamp pela via do vestibular”, disse Knobel. Na avaliação dele, o modelo do programa pode ser interessante para ser replicado em outras universidades públicas brasileiras, com adaptações.

“Para a Unicamp, o ProFIS é um programa pequeno e os custos são mínimos, porque os professores são voluntários e se encantaram com a ideia”, afirmou Knobel. “Se a USP, a Unesp e as universidades federais fizessem o mesmo poderíamos ter um movimento razoável.” 





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