Minorias Menores: os cristãos do Médio Oriente – Por Paulo Rangel
Por vezes, algum prurido ou
“pseudo-prurido” ocidental faz com que se faça uma grande apologia da liberdade
religiosa e da defesa das minorias, mas se enfileire por uma atitude passiva
quando está em causa a religião dominante no Ocidente.
As operações
militares que os Estados Unidos iniciaram no Iraque, com cooperação francesa e
britânica, e a acção de ajuda humanitária a centenas de milhares de refugiados
mostram bem a instabilidade e a gravidade do momento internacional que vivemos.
Especialmente se pensarmos que
este desenvolvimento decorre a par da terrível situação em Gaza, da
persistência do impasse na Síria, do adensar das interrogações na Ucrânia, da
emissão do alerta de saúde global a propósito do vírus Ébola.
A actual situação
no Iraque e a necessidade de intervenção externa merece uma análise cuidada e
uma reflexão profunda, que hoje não vou nem quero fazer aqui.
Hoje quero pôr em destaque,
chamemos-lhe assim por ironia, um “dano colateral” das mudanças que estão a
ocorrer no Médio Oriente e, em especial, no Iraque. Esse “dano colateral” vem a
ser a sistemática perseguição aos cristãos iraquianos, que começou
imediatamente após a queda de Saddam Hussein.
E faço-o, não apenas por
aparecerem agora em parangonas, as atrocidades do chamado Exército islâmico do
Iraque e do Levante. Mas muito por causa do vibrante apelo do Papa Francisco a
este respeito, apelo que ouvi na semana passada transmitido por um sacerdote
guineense na Igreja da Trindade no Porto e que acabo de ouvir a um padre de
origem mediterrânica na discreta catedral de S.Pedro e S.Paulo em Tallin.
É bem sabido que o regime de
Saddam Hussein, apesar de ditatorial, senguinário e delirante, mercê da sua
filiação numa tradição político-militar laica e ideológica, revelou sempre uma
tolerância razoável para com as minorias religiosas. No que, de resto, não se
distinguiu da linha prosseguida pela terrível famíla Assad na Síria ou da
orientação própria da ditadura militar que regia o Egipto.
A queda de Saddam Hussein e a
situação de instabilidade permanente que se lhe seguiu, fosse com a autoridade
norte-americana fosse com a instalação da nova governação autóctone, levaram ao
início de uma perseguição sistemática à minoria cristã. Estamos a falar de
comunidades cristãs numerosas, em alguns casos com uma implantação contínua e
ininterrupta que remonta ao nascimento do cristianismo (é o caso das
comunidades da Caldeia e de algumas do Egipto).
Trata-se de matéria que tenho
seguido com interesse, embora intermitentemente, no Parlamento Europeu e, em
particular, no âmbito das plataformas de diálogo inter-religioso de há muito
estabelecidas no PPE e em que as igrejas cristãs do Médio Oriente e a Igreja
Copta do Egipto têm um grande protagonismo.
Pois bem, assim que a mudança de
poder se iniciou, a situação das famílias cristãs de Bagdade e também de outras
regiões passou a ser de risco. Recordo-me de, há cerca de quatro anos, o
Patriarca de Bagdade, ao lado de outros bispos iraquianos, ter relatado em
Bruxelas que os grupos fundamentalistas muçulmanos tinham inaugurado uma
carnificina baseada na prática do terror.
Em cada semana, à força da espada e
do sabre, matavam uma família de religião cristã na comunidade de Bagdade.
Faziam-no com uma regularidade e com uma implacabilidade tais que o pânico se
disseminou e um número relevantíssimo de cristãos resolveu abandonar a cidade e
o país. Esta prática terrorista, apesar de regular e de altamente eficaz nos
seus objectivos perversos, não teve nunca visibilidade na comunidade
internacional.
Por mais denúncias que os bispos fizessem, poucos queriam ouvir
falar de perseguições aos cristãos, por mais que tivessem como bandeira a
defesa dos direitos humanos e da tolerância. É certo que, em alguns casos
contados, houve alguma repercussão na opinião pública e publicada.
Por exemplo,
no caso do ataque às igrejas coptas e aos seus membros no Egipto, aquando da
turbulência causada pela primavera árabe. Ou, muito recentemente, no
impressionante caso do rapto de centenas de raparigas nigerianas. Mas a verdade
é que continua a haver um largo silenciamento dos ataques às minorias
cristãs
É absolutamente fundamental não
apagar nem silenciar esta terrível perseguição. Só agora com a denúncia da
actuação mais recente do Exército Islâmico do Iraque e do Levante, em que
extremistas muçulmanos decretaram a obrigatoriedade da conversão dos cristãos,
emitiram um fatwa que confisca todos os seus bens e pertences e lhes
assinalaram as casas, para que se saiba que são infiéis, é que começa a haver
um movimento consistente de defesa dos direitos desta minoria. Estas práticas,
como ainda ontem se viu relativamente a outra minoria religiosa, não andam
longe das grandes atrocidades do regime nazi.
Ora, por vezes, algum prurido ou
“pseudo-prurido” ocidental faz com que se faça uma grande apologia da liberdade
religiosa e da defesa das minorias, mas se enfileire por uma atitude passiva
quando está em causa a religião dominante no Ocidente.
Fonte: http://www.publico.pt
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