Muçulmanos austríacos criticam revisão "injusta e racista" da lei islâmica – Por Rita Siza
Lei foi aprovada pelo Parlamento
debaixo do protesto da comunidade muçulmana, que questiona a diferença de
tratamento face às outras religiões e pondera um recurso ao Tribunal
Constitucional.
O Parlamento
austríaco aprovou uma controversa emenda à sua chamada "lei
islâmica", ou Islamgesetz, que impede que as mesquitas e os imãs do
país possam receber financiamento do exterior, em nome do combate ao
radicalismo.
A proibição foi denunciada pela comunidade
muçulmana como discriminatória, uma vez que não se aplica a outras religiões.
Mas, como justificou o ministro dos Negócios Estrangeiros e Integração,
Sebastian Kurz, durante a fase de discussão da lei, "com as outras
religiões não se coloca o mesmo desafio em termos de influências do
estrangeiro".
Segundo explicou, "o que se
pretende é reduzir o controlo e influência política a partir do exterior, para
que o islão possa desenvolver-se livremente dentro da nossa sociedade, de
acordo com os nossos valores europeus".
Para o Governo de coligação, a
legislação original, que remonta a 1912, quando o islão foi reconhecido como
uma religião oficial, era obsoleta e já não reflectia a realidade com que se
confrontam os muçulmanos no país. O estatuto dos muçulmanos austríacos,
definido pela Islamgesetz desde os tempos do imperador Francisco José, era
considerado um modelo ao nível europeu: a lei conferia os mesmos direitos aos
praticantes de todas as religiões, nomeadamente à educação e respeito dos
respectivos preceitos religiosos nas escolas públicas.
No entanto, ao contrário de
outras religiões, a lei relativa ao islão permaneceu intocada durante mais de
um século, ao ponto de a própria Comunidade Islâmica da Áustria ter começado a
movimentar-se no sentido da sua "modernização".
Os líderes muçulmanos
consideraram vários aspectos da reforma como muito positivos: o reconhecimento
dos dias sagrados do islão como feriados (que acaba com as faltas dos
trabalhadores muçulmanos), o direito ao apoio espiritual no Exército, prisão,
hospitais ou lares de idosos ou ainda à alimentação seguindo os preceitos
religiosos.
Mas apesar do reconhecimento
dessas conquistas, as organizações islâmicas do país (e também do estrangeiro)
não ratificaram a reforma do Governo, tendo até promovido uma manifestação de
repúdio à porta do Parlamento na véspera da votação do projecto de lei, com
palavras de ordem como "Não aceitamos esta lei" e "Não mexam na
minha religião".
"Esta lei é racista e injusta", criticou um dos
manifestantes. "O Governo transformou a lei islâmica numa lei
securitária", denunciou a porta-voz da Comunidade Religiosa Islâmica da
Áustria, Carla Amina Baghajati.
Na origem da polémica está o
tratamento diferenciado dos seguidores do islão face aos crentes de fé
católica, protestante ou judaica, que recebem apoio financeiro do Vaticano, da
Alemanha ou de Israel. Para as organizações muçulmanas, esta distinção acaba
por consagrar na ordem jurídica a desconfiança, intolerância e discriminação
dos muçulmanos, que ponderam contestar a constitucionalidade da nova lei, por
desrespeitar o princípio da igualdade.
A revisão da lei também
estabelece critérios para a prática religiosa que não estão especificamente
consagrados para as outras fés, nomeadamente a obrigatoriedade de os textos do
Corão serem traduzidos em alemão, que também tem de ser a língua da
"pregação". A lei também determina que só imãs formados em
universidades austríacas podem liderar as orações.
Segundo a Comunidade Islâmica da
Áustria, a população muçulmana do país ascende a mais de meio milhão de
pessoas, cerca de 7% da população, a grande maioria de ascendência bósnia ou
turca. Apesar de não haver conflitos inter-religiosos, existem tensões
sectárias dentro dos seguidores do islão, nomeadamente refugiados tchetchenos
que têm vindo a exprimir simpatia por grupos extremistas como o Estado
Islâmico.
Em Abril, duas adolescentes
austríacas viajaram para a Síria para se casarem com jihadistas, um caso que
fez furor no país. Este ano, as autoridades já detiveram dezenas de menores sob
suspeita de envolvimento em actividades terroristas.
O Governo austríaco desmentiu
categoricamente que a reforma legislativa tenha sido influenciada pelos
acontecimentos recentes, como por exemplo os atentados terroristas de Janeiro
em Paris ou o ataque da semana passada na Dinamarca: a revisão está em
discussão desde Novembro de 2014.
"Este foi um longo processo, de intenso
debate até se chegar à versão definitiva da lei. Estamos bastante orgulhosos e
acreditamos que esta reforma consagra o lugar e o papel do islão no nosso
país", disse à Deustche Welle Alexandra Hopf, a porta-voz do Partido
Social-Democrata, que lidera a coligação.
Fonte: http://www.publico.pt
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