Diferença entre religião e moral - Por Pe. Alfredo J. Gonçalves
"Qual é a diferença entre
religião e moral?”, pergunta o teólogo alemão Klaus Berger. E ele mesmo procura
responder: "na moral, se trata de medida, de consenso mínimo para uma
convenção razoável para todos”.
Depois cita um filósofo seu
conterrâneo: "Arthur Schopenhauer traduz este conceito na metáfora dos
porco-espinhos, os quais, quando juntos, colocam-se vizinhos uns aos outros o
suficiente para aquecer-se, mas mantêm distância bastante para não se ferirem.
Não é necessário fazer nada que passe a medida; ninguém é exigido ao máximo”
(BERGER, Klaus Gesù, Ed Queriniana, Bréscia, Itália, 2007, pag. 341).
A moral, consolidada especialmente no contexto do iluminismo, e tendo por fundamento o "imperativo categórico” do filósofo Kant, além de medida, é calculista, pesa matematicamente os prós e os contras, avalia as consequências e as condições, conta com a retribuição. Baseia-se no conceito de justiça distributiva.
Bem diferente é a religião e, de
forma particular, o cristianismo de Jesus e das comunidades primitivas que
seguiram seu "caminho”. O programa, o projeto e a prática do profeta
itinerante de Nazaré se caracterizam, antes de mais nada, pela desmedida incondicional.
Enquanto as normas da moral
vigente ditam rigorosamente os confins, o amor de Jesus ultrapassa todos os
limites possíveis e imaginários: desmedido é sua presença em meio aos pobres,
privilegiando os pecadores, os marginalizados, os que não se enquadram na
rigidez de uma lei cristalizada, fossilizada, anacronicamente interpretada;
desmedidas são as sobras, após o banquete da "multiplicação dos pães”,
onde todos comem à vontade; desmedida é a quantidade de peixes da chamada
"pesca milagrosa”, a ponto de as redes quase se romperem; desmedida é a
prodigalidade e a festa do Pai, e não tanto do filho mais novo, quando este
regressa a casa, depois de suas aventuras; desmedida é a alegria da mulher que
encontra a moeda e do homem que descobre o "tesouro oculto” e vende tudo
para comprar aquele campo; desmedido é o pagamento dos que trabalham apenas uma
hora, em relação aos que o fizeram durante o dia inteiro; desmedido é o tempo
passado a sós com o Pai, em intimidade crescente, no deserto, na montanha, num
lugar à parte...
Basta percorrer velozmente as
páginas dos Evangelhos para dar-se conta que os exemplos de desmedida não se
esgotam por aí. Vemo-los em abundância no sermão da montanha (ou da planície),
nas parábolas do Reino, no pedaço de pão partilhado com Judas na última ceia,
no serviço do lava-pés prestado aos doze na mesma ocasião, mas sobretudo no
perdão oferecido do alto da cruz aos algozes que o haviam crucificado em meio
aos dois ladrões.
Essa é sua marca: "não
voltar o olhar sobre si mesmo, mas prescindir radicalmente de si,
desinteressando-se de qualquer forma de metro, abrir-se a Deus sem medida, para
além da moral”, conclui o teólogo citado.
K. Berger insiste, ainda, que a
religião não pode ser reduzida a preceitos formais e morais, não obstante a
importância destes últimos para a estabilidade sociopolítica. No seguimento de
Jesus, é preciso deixar-se interpelar pelas manifestações intempestivas de Deus
na história, as quais vão além de qualquer cálculo matemático, rompendo com
todos os confins legalistas.
Nas palavras do autor: "É
moral que todos obtenham justiça; é cristão que alguém saiba inclusive
renunciar a ter razão. É moral que todos tenham direitos inalienáveis; é
cristão pedir com coragem até mesmo coisas indesejadas. São morais um salário
adequado, férias, tempo livre, e uma casa própria; é cristão dispor-se a viver
sem tudo isso, se necessário. São morais os direitos do homem e as livres
decisões de consciência; cristão é um Deus que chama e colhe de surpresa, que
nos torna obstinados, reclama e usa os seres humanos como seus instrumentos”.
Cristão, enfim, é "abrir o
nosso coração, deixando-se cativar pelas maravilhas do Senhor” (Idem, pág.
342).
Pe. Alfredo J. Gonçalves - Assessor
das Pastorais Sociais
Fonte: http://site.adital.com.br
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