Cérebros enormes não funcionam - Por Stevens Rehen


Em sua coluna de novembro, Stevens Rehen compartilha resultados recém-divulgados de estudo sobre morte celular. Nele, Rehen e colegas sugerem uma justificativa para a grande ocorrência do fenômeno em etapas precoces de desenvolvimento do cérebro.

No desenho Pinky e o Cérebro, o protagonista de órgão avantajado tenta, sem sucesso, dominar o mundo. Na vida real, ter cérebro grande também não é garantia de sucesso. 

Falhas no processo de morte celular podem gerar megacérebros incompatíveis com a vida.
É natural associarmos a morte de uma célula a um processo patológico, de lesão, mau funcionamento ou velhice. 

Contraintuitivamente, entretanto, esse fenômeno faz parte do desenvolvimento normal de tecidos e órgãos e durante a formação do sistema nervoso não é diferente. Compreender o significado da morte celular é essencial para entender a própria vida.

Interesso-me pelo fenômeno de morte celular desde 1990, quando ainda era aluno de iniciação científica no laboratório do professor Rafael Linden, na UFRJ.

Nos primeiros estágios de formação do cérebro, estima-se que pelo menos 70% das células que se dividem para formar as camadas cerebrais são eliminadas. A degeneração dos neurônios é um importante evento da neurogênese. Ainda nos primeiros estágios de formação do cérebro, estima-se que pelo menos 70% das células que se dividem para formar as camadas cerebrais são eliminadas.

Essa morte celular proliferativa, como é conhecida, pôde ser mais bem apreciada a partir da geração de camundongos manipulados geneticamente que não possuem as enzimas cruciais para dar início ao processo de morte celular. Sem essa ‘arma de fogo’, nenhuma célula consegue se matar.

Camundongos sem as caspases – como são chamadas tais enzimas – foram gerados pela primeira vez na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, em 1996. A alteração morfológica mais dramática observada nesses animais é o tamanho de seus cérebros, que ficam enormes. Esses animais não sobrevivem mais do que três semanas no útero. Portanto, ter neurônios demais não necessariamente é uma boa coisa.

Dentre tantas células nervosas, quais, então, devem sobreviver? Quais sinais provocam a degeneração neuronal? Podemos supor que neurônios degeneram por apresentar algum ‘defeito’ durante sua formação?

Em um artigo publicado este mês no Journal of Neuroscience, encontramos uma justificativa para explicar tanta morte celular acontecendo em etapas tão precoces do desenvolvimento do cérebro: alterações no genoma.

A presença de células aneuploides (com mais ou menos cromossomos do que o esperado para a espécie) é uma característica do cérebro, só que seu percentual no órgão não deveria ultrapassar 30%.

Alterações perigosas

Em colaboração com colegas do Instituto de Pesquisas Scripps, na Califórnia, liderados por Jerold Chun, nós examinamos os cromossomos de células que se dividiam para formar o cérebro, tanto em camundongos sem caspases quanto em camundongos normais, nos quais há muita morte celular proliferativa.

Quando analisamos os cromossomos de células neurais dos animais sem caspases, identificamos pelo menos 80% delas com mais ou menos cromossomos do que o esperado.

A observação desse número exagerado de aneuploidias nos camundongos dá nova dimensão às consequências da perturbação da morte celular natural durante o desenvolvimento do cérebro.

É possível que as alterações no genoma sirvam como base para a seleção de células no sistema nervoso, a exemplo do que acontece no sistema imunológico.

Nosso trabalho demonstrou que células com cariótipos (conjunto de cromossomos) indesejáveis são normalmente eliminadas em virtude de uma seleção darwiniana capaz de produzir uma mistura complexa de células cerebrais e que pode, em parte, explicar a morte celular proliferativa ocorrendo durante a formação do cérebro.

Em síntese, quando o cérebro está se formando, "melhor uma célula morta do que errada”.


Stevens Rehen - Instituto de Ciências Biomédicas - Universidade Federal do Rio de Janeiro



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