'Ao perder o medo da morte, perde-se o medo da vida' - Por Clara Soares
O dirigente da Associação
Internacional de Estudos de Quase-Morte defende que estas experiências são uma
porta para novos modelos da consciência
O best seller Uma Luz ao Fim do
Túnel (Ed. Esfera dos Livros), sobre a neurofisiologia dos
estados-limite, surgiu da análise de textos milenares, relatos de sobreviventes
e pesquisas de laboratório que induzem estados místicos. O médico lançou,
também, juntamente com universidades americanas, o Projeto Túnel, local de
partilha virtual e de recolha de dados para o estudo de fenómenos pouco
conhecidos do cérebro.
Como se interessou pelo estudo do
paranormal?
"Paranormal" é um termo
enganoso, usado para catalogar experiências desconhecidas, hoje explicadas pela
ciência. Sou filho de um psiquiatra e cedo me interessei pelo modo como
construímos o real. Acompanhei pacientes que relataram experiências de
quase-morte (EQM) e podia vê-las como uma invenção do cérebro. Mas há espaço
para ir mais longe, na neurologia.
Em que consistem as experiências
de quase-morte (EQM)?
Os relatos de sobreviventes que
tentaram suicidar-se ou entraram em coma têm em comum a sensação de
tranquilidade, a visão de um túnel a vida em filme, o contacto com seres
envoltos em luz. O tempo psicológico da experiência é, em geral, muito maior do
que o tempo real. Há registos em pessoas declaradas próximas da morte cerebral,
em crianças e em invisuais à nascença. Ou em ateus, agnósticos e religiosos. É
um mistério, incompatível com o modelo da neurologia atual.
As experiências são sempre de
êxtase?
Para cerca de 8% dos
sobreviventes, a experiência foi assustadora, uma bad trip, como a que Platão
descreveu no décimo livro da República. Os orientais conseguem ter estados
alterados de consciência pelo uso de mantras. Viver uma experiência mística ou
extrassensorial pode surgir naturalmente ou de forma induzida (pela estimulação
do lobo temporal direito do cérebro, durante alguns segundos, graças a um
capacete de elétrodos) e é acompanhada por alterações eletromagnéticas. A
questão é saber porque temos esta função e para que serve.
Quais são as hipóteses
científicas?
Especula-se sobre o bem-estar
obtido durante e após a EQM, atribuível às endorfinas, libertadas através do
exercício aeróbico intenso, por exemplo. Outra hipótese é tratar-se de confusão
mental associada à intoxicação carbónica, pelas quebras de pressão arterial mas
tal não explica novas competências que muitos revelam depois e que os modificam
completamente. Talvez sejam qualidades humanas que vão sendo reprimidas na
infância. A criança percebe que "é um disparate", por exemplo, sentir
uma presença que não se vê e passa a ignorar isso, na construção do real.
O lobo temporal é o portal para
outras construções do real, igualmente humanas?
Para a religião, a consciência
está na alma; para a ciência, ainda não é claro. A comunidade científica vai
falar disso em junho, no congresso internacional Global Future 2045, em Nova
Iorque. A lógica puramente cartesiana foi ultrapassada. Supõe-se que a
consciência está no cérebro e, eventualmente, ancorada noutra dimensão ou
estado quântico, como propõe a teoria dos microtúbulos (estruturas proteicas
envolvidas na organização celular e neuronal). O desprendimento destes, numa
EQM, poderia explicar os flashbacks e os saltos no tempo. Mas ainda não
sabemos.
Já esteve "do outro
lado"?
Tive uma educação católica mas
não sou praticante. Medito três vezes por semana. Há sete anos, na sequência de
uma crise cardíaca, tive uma EQM. Quando se perde o medo da morte, perde-se o
medo da vida. A espiritualidade expande-se. Sou um homem da ciência, com mente
aberta. Como pai, digo aos meus dois filhos que aprendam a pensar, a duvidar do
que lhes é apresentado. Se assim não fosse, ainda hoje pensaríamos que a Terra
era plana!
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Fonte: http://visao.sapo.pt
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