"Jerusalém é onde o homem encontra Deus", diz o historiador Simon Sebag Montefiore – Por Diogo Bercito
Jerusalém foi, por milênios, a
ambição de impérios e de profetas, testemunhando a marcha de exércitos ao longo
das linhas sangrentas da história para conquistá-la.
Essa cidade é, hoje, a ambição
também do historiador britânico Simon Sebag Montefiore, que tomou para si a
tarefa, digamos, bíblica de narrar em um livro os milênios de história desse
ponto polêmico do mapa-múndi.
Foram três anos de pesquisa
compilados em 832 páginas, na edição lançada no mês passado no Brasil pela
Companhia das Letras. Assim, Montefiore concluiu sua
visão particular da cidade cujo nome "chamusca os lábios como o beijo de
um serafim", segundo o poema clássico de Naomi Shemer, "Jerusalém de
Ouro", cantado por Roberto Carlos em sua passagem pelo país.
"Foi a coisa mais difícil
que já fiz", diz à Folha. "Eu não dormi por três anos, porque
tinha medo de deixar alguma informação de fora." Montefiore narra milhares de anos
de história, dos assentamentos cananeus à gestão do atual premiê de Israel
Binyamin Netanyahu.
"É um desafio tornar essa
história legível", diz. "Tive de encontrar um novo modo de escrever
sobre a cidade."
Foi uma sequência de decisões. Em
primeiro lugar, escrever o que chama de "biografia" da cidade, a
história das pessoas que estiveram ali. Daí vem outra escolha, que é a de
costurar a narrativa por meio das famílias locais, como as dinastias do rei
israelense Davi ou do sultão egípcio Saladino.
"Quis encontrar um jeito de
contar a história das pessoas, e não apenas das pedras, das igrejas, dos
castelos", diz."Além disso, uma história enorme como a de Jerusalém
fica mais empolgante com dinastias como a de Herodes [polêmico rei judeu,
submetido a Roma]."
Para isso, deixou de lado as
teorias da historiografia que estudou em Cambridge, como a micro-história de
Carlo Ginzburg ("O Queijo e os Vermes"), a favor de seu talento
distintivo: a habilidade de contar uma boa história.
"É uma combinação de estudo
acadêmico com a velha narrativa, além da habilidade de selecionar o que
escrever. Também precisei estar atento ao que as pessoas comuns querem ler.
Eles adoram amor, adoram morte."
Amor e morte não faltam nas
histórias dos líderes dessa região, quer fossem eles macabeus ou omíadas, que
lutaram pela cidade que está na base do judaísmo, do cristanismo e do
islamismo.
"Jerusalém é onde o homem
encontra Deus", diz Montefiore. "Essa crença é herdada. Quanto mais
tempo o local for sagrado para alguém, mais sagrado vai ser para os outros. É
infeccioso."
A sacralidade, porém, contamina
as páginas de "Jerusalém - A Biografia" com controvérsias. O rei Davi
de fato existiu? Salomão construiu um templo? O testículo de Herodes explodiu
com vermes? E mais, a quem essa cidade pertence, hoje?
As perguntas ficam em aberto, com
as discussões detalhadas no rodapé. Mas a linha principal da narrativa segue
tendências, por exemplo, tratar Davi como um personagem histórico. "Existe uma literatura
imensa sobre cada linha que escrevi. Teorias, conflitos, contradições. Tive de
ler tudo e decidir o que acredito que aconteceu", afirma.
O leitor, assim, tem de ficar
atento às notas e referências para identificar as passagens mais controversas. Além disso, há de se notar que em
alguns trechos a variedade de fontes é baixa. Apesar da extensa pesquisa
evidenciada na bibliografia, partes do livro parecem baseados em trechos da
Bíblia ou em relatos do historiador judeu Flávio Josefo (séc. 1).
"Isso não significa que
aceitei tudo o que Josefo escreveu como verdadeiro", diz Montefiore.
"Analisei tudo para decidir se é correto, de acordo com outras
fontes." Parte de uma família judaica
historicamente ligada a Jerusalém, Montefiore, cujo antepassado Moses
Montefiore financiou a construção de um moinho icônico da cidade, decidiu
escrever a biografia da cidade porque "você tem de escrever sobre suas
obsessões".
Entre pesquisas e visitas
frequentes a Israel, ele ouviu da mulher a brincadeira de que é um portador da
síndrome de Jerusalém, obsessão relacionada à cidade. "É uma cidade difícil para
se trabalhar. As pessoas são rudes. Há implicações militares e políticas em
tudo. Agora, estou tirando folga de Jerusalém", afirma Montefiore.
Mas o interesse por Jerusalém,
diz, não é exclusivo seu. "Todos são nativos de Jerusalém. Todo
brasileiro, inglês, alemão. Todos têm uma visão de Jerusalém. Se você perguntar
a uma mulher indo para a igreja em São Paulo, ela vai descrever a Jerusalém
ideal que pensa existir. É uma fantasia universal."
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
Comentários