ONG acusa 'dominação de esquerda' nas salas de aula
A pluralidade de ideias está
garantida na Constituição brasileira. Mas, volta e meia, alguém põe em xeque
esse direito em sala de aula, seja professor ou aluno.
Em um ano eleitoral, é
ainda mais importante refletir sobre os limites entre o ensino e a propaganda
política.
Professores e profissionais
ligados à educação sejam de direita ou de esquerda, concordam que o colégio
deve ser um espaço de aprendizado livre de doutrinações ideológicas. Ainda
assim, alguns casos geram polêmicas sobre a isenção de professores e entidades.
Para combater o problema, a Federação Nacional das Escolas Privadas (Fenep) e a
ONG Escola Sem Partido realizaram, em julho, o 1º Congresso Nacional sobre
Doutrinação Política e Ideológica nas Escolas.
O evento contou com a
participação de 300 pessoas presencialmente e mais de 8,4 mil pela internet,
segundo a organização. Entre os palestrantes estavam o professor Olavo de
Carvalho e o promotor de Justiça Trajano Melo.
O advogado Miguel Nagib, da ONG
Escola Sem Partido, explica que a escolha dos palestrantes, conhecidos por
posições de direita, buscava apresentar pessoas contrárias à doutrinação
ideológica nas escolas, que, segundo a entidade, seria hegemonicamente de
esquerda.
Questionado sobre a posição política dos convidados, ele respondeu
que "nunca conheceu alguém de esquerda contrário à propaganda política no
ensino". Já a presidente da Fenep, Amábile Pácios, explica que o perfil
dos palestrantes seria para equilibrar o domínio que a esquerda teria na
educação e que o objetivo da atividade era preservar o direito de aprender do
estudante.
Para Nagib, a dominação da
esquerda nas escolas e universidades seria fruto de uma tática de dominação. “É
uma estratégia de ocupação de espaços que a esquerda usou inspirada no
pensamento de Antônio Gramsci, que pregava que a revolução comunista só seria
possível mediante a um processo de formação de hegemonia da sociedade. Então a
igreja foi ocupada pela teologia da libertação. A escola, os jornais e inúmeras
entidades acabaram sendo ocupadas por pessoas determinadas a utilizar essas
instituições para propagar essa ideologia.”
Já o jornalista e professor de
História da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, Tau Golin,
discorda que exista uma hegemonia da esquerda na educação. “É um devaneio. Se
você observar as pessoas intelectualmente preparadas, ninguém está fazendo
revolução comunista através das universidades.”
Para Golin, o que está
acontecendo é o contrário, um processo de emancipação intelectual do ensino. “O
modelo de adestramento está sendo substituído por um modelo em que as coisas
são pensadas, em que os indivíduos assumem o seu papel na construção do
conhecimento.”
Disputa pela história
Em uma sala de aula, da Faculdade
de Direito, da Universidade de São Paulo, o professor Eduardo Gualazzi começava
a ler o seu texto: Continência a 1964, quando do corredor se ouviam gritos
imitando um interrogatório sob tortura.
Gualazzi prosseguiu a leitura, até ser
interrompido pelo grupo de alunos que entrou na sala de aula cantando Opinião,
de Nara Leão. Após ser abafado pelos versos, ele saiu da sala. Um aluno então
pegou o microfone e pediu que o professor voltasse, para ouvir aqueles de quem
discordava.
“Não concordamos com o que o senhor diz, mas ninguém trouxe a
máquina de choque, nem vai botar o pau de arara.” A cena, ocorrida em 31 de
março de 2014, é um exemplo da disputa ideológica existente no ensino.
Um dos campos de estudo em que
mais ocorrem disputas políticas é o da história. Vicente Ribeiro é professor de
história na Universidade Federal de Chapecó, em Santa Catarina, e acredita que
o ensino da disciplina deve permitir que os alunos possam construir a sua forma
de pensar.
“Nosso papel é estimular o pensamento crítico e uma postura
científica. Cultivar a autoridade dos argumentos e não o argumento de
autoridade.” Ele salienta, no entanto, que o conhecimento histórico não é
consolidado em um somatório de opiniões, e sim em uma série de procedimentos
científicos, ainda que haja controvérsias.
Para Ribeiro, o aluno deve ser
preparado para conseguir se inserir nos conflitos, e a aula é um momento
privilegiado para debater questões da realidade. “Não pode ser um espaço de
ausência de opiniões, mas de pluralidade de opiniões.”
Exames nacionais
A Fenep acredita que o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
(Enade) são instrumentos de ideologização dos estudantes. Amábile acusa os
exames de não se basearem no conhecimento científico e sim em perspectivas
políticas. O site da Escola Sem Partido faz coro às críticas. Eles apontam a
seguinte questão do Enade, aplicado aos estudantes de História em 2008, como
exemplo. Para Nagib, a pergunta, que tinha a opção A como resposta, obriga os
estudantes a serem favoráveis ao aborto.
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