A “ONU de religiões” terá futuro?


No início de setembro, o ex-presidente de Israel, Shimon Peres, durante uma reunião com o Papa Francisco no Vaticano sugeriu ao pontífice encabeçar uma “ONU de religiões”. 

O objetivo da criação da organização é contribuir para acabar com as guerras desencadeadas por fanáticos religiosos.

O pontífice falou com o ex-líder de Israel durante 45 minutos e ouviu atentamente a sua proposta, mas não prometeu se encarregar de realizá-la.

Nos últimos quatro meses Peres já se encontrou com Francisco três vezes. Em junho, no Vaticano aconteceu um evento que já entrou na história: o encontro de oração pela paz na Terra Santa entre o Papa Francisco, o Patriarca de Constantinopla Bartolomeu I e os presidentes de Israel e da Palestina, Shimon Peres e Mahmoud Abbas.

O então presidente de Israel chamou o Papa Francisco de “construtor de pontes de fraternidade pacífica”, enfatizando a necessidade universal de cooperação em nome do estabelecimento da paz, mesmo à custa de autossacrifício e compromissos:

“É necessário buscar e alcançar esse objetivo, mesmo quando ele parece longe, para deixar a paz para nossos filhos, pois é o dever e a santa missão dos pais. Nós devemos pôr fim aos gritos, à violência e conflitos. Todos nós precisamos de paz, paz entre iguais”.

Segundo o ex-presidente de Israel, a “ONU de religiões” poderia ajudar a acabar com as guerras desencadeadas por fanáticos religiosos. Peres acha o Papa Francisco o chefe ideal da nova organização religiosa: 

“Nós precisamos de uma autoridade moral indiscutível que poderia dizer publicamente: não, Deus não quer e não permite isso [matar em nome de religião]!”. 

O diálogo teológico entre o Islã e o Cristianismo está se desenvolvendo desde a Idade Média. Mas só a partir dos anos 50-60 do século passado ele começou a adquirir um conteúdo específico. 

Primeiro, o Papa João XXIII, em 1959, ordenou retirar das orações as acusações aos judeus de traição e assassinato de Jesus Cristo, e depois, em 1965, o segundo Congresso do Vaticano aprovou a declaração “Sobre a relação da Igreja com religiões não-cristãs”, a “Nostra Aetate”.

A declaração sublinha as características comuns que unem o Islã e o Cristianismo, e o monoteísmo, a crença na vida após a morte, os valores espirituais são definidos como as principais direções no diálogo inter-religioso. 

O primeiro resultado dessa campanha foi a criação em 1964 do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso do Vaticano. Desde então, em todo o mundo começaram a realizar-se eventos dedicados ao diálogo inter-religioso.

O Papa João Paulo II fez muito para a normalização das relações islâmico-católicas. Assim, ele pediu desculpas pelos crimes de católicos durante as Cruzadas, visitou uma mesquita em Damasco. 

O Vaticano estabeleceu um diálogo com o clero muçulmano e procurou evitar polêmicas públicas com figuras islâmicas, o que não se pode dizer de seu antecessor Bento XVI.

Durante o pontificado de Bento XVI houve uma mudança acentuada de curso. Em seu discurso de entronização ele se absteve de mencionar o Islã entre as principais religiões do mundo, e num discurso de 14 de maio de 2009 disse: 

“Mostra-me o que Maomé trouxe de novo, e lá encontrarás apenas algo mau e desumano, como sua ordem de espalhar a fé que pregava pela espada”. Estas palavras indignaram todo o mundo islâmico, mas o Papa nunca pediu desculpas.

No mundo islâmico também estão abrindo instituições que devem contribuir para o estabelecimento de relações inter-religiosas. Assim, em 2011, em Viena foi fundado o Centro Internacional para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural do rei da Arábia Saudita Abdallah bin Abdul Aziz (KAICIID na sigla inglesa), a fim de promover o entendimento mútuo entre representantes de diferentes religiões e culturas, bem como promover ideias de justiça, paz e direitos humanos.

Entretanto, na Arábia Saudita não para a perseguição de outras religiões além da oficial. Há dias, agentes da “Comissão para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício” saudita detiveram 28 cristãos por rezarem juntos em casa. O que prova que a teoria e a prática deste assunto são muito diferentes.

Em geral, verifica-se que são justamente os políticos que se ocupam tanto do desenvolvimento do diálogo inter-religioso como da alimentação do fanatismo. O Islã não tem nada a ver com isso. É absolutamente absurdo considerar o terrorismo um fenômeno especificamente muçulmano. 

Lembremos como na segunda metade do século XIX revolucionários bombistas aterrorizavam a Rússia minando edifícios e explodindo bombas nas ruas e praças.

Na altura acreditava-se que tais horrores só podiam ser perpetrados por ateus ímpios. Um século mais tarde, o mesmo pesadelo se repetiu na Europa Ocidental, onde se desenfrearam os católicos, o Exército Republicano Irlandês e os separatistas bascos.

Tensões inter-religiosas são estimuladas por políticos artificialmente e habilmente, e contra isso não vai ajudar nenhuma “ONU de religiões”. Não é segredo que muitas organizações terroristas foram estabelecidas por agências de inteligência do Ocidente e da própria Arábia Saudita, que supostamente aspira ao diálogo inter-religioso no Vaticano.






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