Falando com deuses

Este projeto coletivo é bastante curioso. 

Com a iniciativa do cineasta Guillermo Arriaga, oito diretores do mundo inteiro, além do próprio Arriaga, foram convidados a fazer curtas-metragens sobre a relação entre os indivíduos e a religião. 

Os diretores criaram histórias sobre crenças comuns em seu país (o israelense Amos Gitai aborda o judaísmo, a indiana Mira Nair retrata o hinduísmo, o japonês Hideo Nakata se encarrega do budismo etc.), num grupo que representa provavelmente as oito religiões (além do ateísmo) com maior número de adeptos no mundo.

A responsabilidade de cada diretor é imensa. Ter pouco menos de quinze minutos para sintetizar uma religião inteira é uma tarefa delicada e dada a controvérsias, de fato que muitos diretores optaram por abordar um tema fundamental a todas as crenças: a morte. 

Este é o elemento presente em quase todos os curtas, seja o medo da morte iminente (da própria pessoa ou de um ente querido) ou a relação com o luto. 

Neste momento de grande fragilidade as pessoas parecem estar mais suscetíveis a "conversar com deuses", como sugere o título, expondo seus pensamentos despidos das amarras da racionalidade.

A maioria dos curtas é de ótima qualidade, algo raro para um projeto coletivo como este. Muitos diretores evitam o peso do projeto com recursos ao humor, ao absurdo, ao fabulesco. 

O espanhol Álex de la Iglesia constrói um excelente conto sobre o catolicismo confrontando um mafioso e um comunista; Bahman Ghobadi aborda o islamismo pela história tragicômica de dois irmãos siameses; o brasileiro Hector Babenco imagina o destino de um mendigo que acaba de roubar um pato, e descobre o êxtase da umbanda. 

Guillermo Arriaga constrói uma epopeia de proporções bíblicas para retratar o ateísmo, fornecendo provavelmente o curta-metragem mais forte e simbolicamente impactante do conjunto. 

Os cineastas que enfrentaram o tema de maneira mais solene e didática (Amos Gitai, Hideo Nakata, Warwick Thornton) conquistaram resultados menos empolgantes. Mesmo assim, a média das obras apresentadas é notável.

O problema de: Falando com Deuses não está na qualidade das partes individuais, mas na força do conjunto. Fornecendo a cada diretor uma religião diferente, e pedindo para que a retratem em suas particularidades, o projeto impede que os curtas-metragens dialoguem entre si, que se complementem. Se fossem encarregados de falar sobre a religião de modo amplo, talvez os temas se recortassem, e a ideia de uma espiritualidade mais ampla permitisse conexões e articulações ricas entre os filmes. 

Entretanto, com rígida estrutura imposta (cada curta-metragem é apresentado com o título do filme, o nome do diretor e a religião abordada, escritos em uma cartela), a noção de religião fica presa a cada rótulo, à especificidade dos dogmas. A separação de temas evita a competição dentro da obra, mas também evita o aprofundamento da discussão.


Do mesmo modo, é uma pena que a religião seja compreendida, na maioria dos casos, como uma manifestação da crença individual, e não como a construção cultural de uma sociedade mais ampla. 

Mira Nair é a única diretora que tenta compreender de que maneira os deuses hindus se inserem nas castas privilegiadas da Índia atual, enquanto os outros cineastas preferem momentos de crise (a morte, como citado anteriormente) para estabelecer um diálogo pessoal entre o indivíduo e a divindade. 

É impossível aprofundar a relação com a religião sem compreender a malha social que a sustenta, mas talvez tal aprofundamento fosse inviável em um projeto coletivo de pretensões representativas tão abrangentes. 

Por fim, Falando com Deuses constitui uma ótima sessão de curtas, mas uma discussão pouco satisfatória sobre as religiões do mundo.



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