O Islamismo-jihadista como ideologia política totalitária – Por José Pedro Teixeira Fernandes
Estamos perante uma ideologia,
que é política e não se confunde com o Islão entendido como religião.
Para a
mentalidade secular do europeu e ocidental do século XXI, as ideologias
políticas não usam uma linguagem religiosa, nem se legitimam com um fundamento
divino.
Desde a revolução francesa de 1789, onde surgiram os conceitos de
esquerda e direita, que a modernidade política ocidental foi construída pela
emancipação e separação da política face à religião.
Aparentemente, essa
evolução é um dado adquirido da modernidade contemporânea e válida em termos
universais. Na realidade, o mundo globalizado de hoje mostra-nos que não é
assim.
As hipóteses que coloquei no meu
livro: Islamismo e Multiculturalismo. As Ideologias Após o Fim da História (Almedina,
2006), parecem hoje estar a confirmar-se. Permito-me recordá-las aqui. Uma
hipótese consistia em supor que a “reconfiguração ideológica não está apenas a
ocorrer no plano interno das sociedades europeias e ocidentais”.
Uma outra
admitia que o Islamismo, “enquanto fenómeno ideológico, continua a ter um
significativo potencial de expansão a nível internacional, não só dentro dos
países islâmicos como fora destes”. (pp. 10-11).
Assim, proponho-me mostrar
que, apesar da fraseologia religiosa, estamos perante uma ideologia, que é
política e não se confunde com o Islão entendido como religião.
Esta ideologia
tem é origem num ambiente cultural islâmico. A sua compreensão é determinante
para percebermos casos como o do Estado Islâmico do Iraque e do Levante
(“Islamic State in Iraq and the Levant” na transliteração de árabe para
inglês). Vou ainda procurar traçar as características do Islamismo,
destrinçando-o do Islão como religião e evidenciando o seu carácter
totalitário.
A evidenciação desta última característica será feita por referência
ao trabalho clássico de Hannah Arendt As Origens do Totalitarismo (trad.
port. 5ª ed., 2014, D. Quixote), originalmente publicado em 1951. Na altura, o
contexto era o dos totalitarismos de origem europeia/ocidental, nazi e
estalinista, bem mais familiares.
Quais as características que
permitem, então, falar do Islamismo como ideologia política? (Abordarei, mais à
frente, a especificidade do Islamismo-jihadista). Vou recorrer à distinção que
tracei no já referido livro Islamismo e Multiculturalismo. As Ideologias
Após o Fim da História (pp. 46-47).
Uma primeira característica é a recusa, feita por convicção e/ou estratégia, “de separação entre o Islão como
religião, do Islão como política”.
Uma segunda característica é que os atores
não são partidos ou grupos políticos, tal como os conhecemos no Ocidente. Para
um ocidental, tudo seria mais fácil de compreender, e de rotular, se a
ideologia Islamista se corporizasse em “camisas negras” fascistas, “camisas
castanhas” nazis, ou outros equivalentes e usasse uma linguagem secular. Não é
o caso. Frequentemente, são grupos que afirmam ter apenas missões e objectivos
religiosos. Todavia, na prática, prosseguem objectivos eminentemente políticos.
Em contexto europeu e ocidental, reclamam “ser tratados ao abrigo da liberdade
religiosa e do respeito devido à religião”.
A terceira característica está em
estreita conexão com a segunda e resulta da sua forma de fazer política, “em
rota de colisão com ideia secular de ‘política’ do mundo ocidental”.
No seu
livro Islam and Islamism, Islão e Islamismo, (Yale University, 2012),
Bassam Tibi, académico muçulmano de origem síria, chama a este fenómeno: “the
religionazed politics of Islamism”, ou seja, uma “sacralização da política”.
A
quarta caraterística é que “o seu horizonte ideal", em termos de Estado, é o
Estado islâmico regido pela sharia, o que, na linguagem política
ocidental, se qualifica como um Estado teocrático. Por extensão de ideias, o
seu sistema de governo será uma ‘teocracia’. Numa linguagem secular, estamos
perante uma concepção próxima das ideologias totalitárias.
De tudo isto pode
inferir-se uma quinta característica, que é o uso/apropriação, de “forma
explícita e deliberada, dos textos religiosos do Islão”, usando-os como
‘manifesto político’ e ‘constituição’.
Impõe-se clarificar melhor o
carácter totalitário desta ideologia política não ocidental. O trabalho de
Hannah Arendt é útil para o efeito, apesar de existirem diferenças históricas e
culturais relevantes. Todavia, há importantes paralelismos a notar.
Quanto à
subversão das regras democráticas, Hannah Arendt escreveu que “os movimentos
totalitários usam e abusam das liberdades democráticas com o objectivo de as
suprimir” (p. 414). Vimos como os islamistas aproveitaram a Primavera Árabe de
2011 e a liberdade das eleições, para tentar subvertê-la a seu favor. Quanto ao
fanatismo ideológico, soa também a familiar:
“Os membros fanatizados são
inatingíveis pela experiência e pelo argumento; a identificação com o movimento
e o conformismo total parece ter destruído a própria capacidade de sentir,
mesmo que seja algo tão extremo como a tortura ou medo da morte” (p. 409).
Não
é difícil extrapolar tais características para o Islamismo-jihadista e o seu
recrutamento e uso de jovens fanatizados ideologicamente, para a jihadna
Síria, Iraque, etc. Tal está a ser feito também nos países ocidentais. Sinais
dos tempos, há uma ou duas gerações atrás, provavelmente a atração seria por
grupos de extrema-esquerda, como o Baader-Meinhof na Alemanha e as Brigadas
Vermelhas em Itália, ou outros equivalentes, da extrema-direita do espectro político.
Outra similitude com o Islamismo, especialmente nas suas versões mais extremas,
é a “exigência de lealdade total, irrestrita, incondicional e inalterável de
cada membro individual” (p. 428). Esta última frase traz à mente os jovens
desenraizados na Europa, frequentemente de segunda e terceira geração de
emigrantes, muçulmanos ou convertidos, recrutados para uma “causa”. É-lhes
incutida a ideia de participarem numa “missão” global que promete dar “sentido”
à sua vida.
Tal como no contexto em que Hannah Arendt escreveu, a propaganda,
hoje feita em grande parte pela Internet e redes socais, é fundamental na
radicalização ideológica.
“Por existirem num mundo que não é totalitário, os
movimentos totalitários são forçados a recorrer ao que comummente chamamos
propaganda.” (p. 453). No caso atual dos islamistas-jihadistas da Al-Qaeda,
EIIL e outros, o terror parece ser uma peça importante da sua difusão
propagandística.
Falta agora analisar o que
distingue o Islamismo do Islamismo-jihadista (ou só jihadismo). Apesar de
existirem diferenças de maior ou menor relevo, não parece haver divergências
ideológicas de fundo, pelo menos quanto à ideia última de instalar o “Estado-sharia”.
Quanto a esse objetivo, a principal diferença está nos meios utilizados. É mais
uma divergência de estratégia do que de ideologia.
Bassam Tibi fala, no seu já
citado livro, em “islamistas-institucionalistas” (estes usam e abusam das
liberdades democráticas para atingir os seus objetivos, tencionando alterar as
regras quando atingirem o poder); e “islamistas-jihadistas” (recorrem
directamente à violência para objetivos em grande parte similares).
Enquanto
grupos islamistas como a Irmandade Muçulmana e outros, tendem a não recorrer a
meios violentos e não usam o terror, os grupos mais radicais, é o caso da
Al-Qaeda ou do EIIL, usam a violência e o terror para atingir os seus fins.
Isso é feito a coberto de uma pretensa “obrigação de jihad”, um conceito
complexo com vários significados.
O conceito teorizado pelos teólogos-juristas
do Islão clássico, de uma guerra com regras que pode ser desencadeada em certas
circunstâncias, foi transformado numa forma de violência quase indiscriminada,
contra não muçulmanos e muçulmanos desviantes do “verdadeiro” Islão. Daí o
neologismo “jihadista” hoje vulgarizado.
É fácil ver que o EIIL cabe nesta
categoria. Nos últimos meses, surgiu como protagonista maior da guerra sectária
na Síria, fazendo alastrar o conflito ao Iraque. Impôs-se entre a miríade de
grupos que tentam derrubar o governo de Bashar al-Assad. A sua acção,
caraterizada pela violência e terror contra as minorias não muçulmanas,
cristãos e yazidis, e contra os “heréticos” muçulmanos xiitas, é extrema.
Ultrapassa, até, o que já conhecíamos da Al-Qaeda.
O bárbaro assassinato dos
jornalistas James Foley e Steven Sotloff e de David Haines de uma ONG
humanitária dissipou quaisquer dúvidas que pudessem existir quanto às suas
estratégias para impor o “Estado-sharia”.
Fonte: http://www.publico.pt
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