Terra é o bem maior da humanidade – Por Jéssica Welma
O cabelo e a barba grisalhos
indicam os 76 anos de vida de Leonardo Boff. O teólogo da Libertação e defensor
dos direitos humanos e das causas sociais fala com voz suave e sem pressa, mas
as palavras têm a força de fazer refletir sobre as relações do mundo.
Palestrante do Congresso Estadual dos Fazendários, em Fortaleza, na última
semana, Boff falou ao O POVO sobre o trabalho desenvolvido no grupo de reforma
da Organização das Nações Unidas e sobre os bens comuns da Terra e da
Humanidade que precisam ser preservados.
O POVO - Como estão os
trabalhos do grupo de reforma da ONU, no qual o senhor atua, especialmente,
quanto à Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade?
LB - O trabalho está pronto.
É coordenado pelo presidente da Assembleia Geral da ONU Miguel d’Escoto
Brockmann (2008-2009), de quem eu fui assessor. Eu, junto com o pensador belga
e sociólogo, François Houtart, escrevemos o núcleo teórico, que é uma
declaração universal do bem comum da Terra e da Humanidade.
OP - Qual é o bem comum da
Terra e da Humanidade?
LB - São vários. Eu coloquei
lá creio que 53 itens. Primeiro, a própria Terra -ela é de todos. Depois, o
maior bem é a humanidade, nós, os seres humanos. A relação primeira dos seres
humanos é a hospitalidade, com direitos e deveres. Se habitamos todos em uma
casa, cada um tem o direito de morar lá, ser aceito e aceitar os outros.
Depois, o direito fundamental à alimentação, à água... Um dos bens que coloco é
preservar as línguas que estão desaparecendo. A língua é uma visão de mundo, a
uma leitura, é uma filosofia de vida.
OP - A nova espiritualidade
que o senhor defende também é parte desse bem comum?
LB - Eu coloco como um dos
bens comuns a dimensão espiritual, porque todos os povos tem uma dimensão
espiritual. Por isso, os antropólogos dizem que, quando uma cultura amadurece,
cria sua aura, sua religião. Nós, brasileiros, não criamos. As religiões que
temos são importadas: o cristianismo, o luteranismo... Estamos criando
religiões nossas, a Umbanda é nossa, o Santo Daime é nosso. (Nossa religião)
vai ser, possivelmente, profundamente sincrética, com elementos do cristianismo
tradicional e moderno, espiritismo, tradição evangélica, tradição afro... Isso
é uma religião brasileira, solidária, aberta e isso é um bem.
OP - Quantos países já
aderiram ao projeto?
LB - 122 países aderiram e,
na frente, a China. É muito importante a China. Conversando com diplomatas
chineses, eles dizem: “até agora a globalização teve um rosto ocidental, daqui
a pouco vai ter um rosto chinês, nós vamos dar as cartas”. A sede será em Dar
es Salaam, na Tanzania (País africano).
OP - O que ainda falta para
a efetivação da Declaração?
LB - Agora é preciso
conquistar mais e mais adesões para poder colocar em votação. São 192
representantes dos povos ao todo. O Miguel d’Escoto está correndo o mundo,
convencendo presidentes a subscreverem etc. Quando sentirmos que é possível
apresentar para votação, iremos submetê-la. Será difícil, porque países que têm
direito a veto podem interpor o veto. Queremos fazer uma reforma que não tenha
mais vetos, porque são absolutamente antidemocráticos.
OP - O que há de polêmico
para que países vetem os itens?
LB - Há itens lá que são
inaceitáveis para as potências, como transformar os orçamentos militares, que
são milhões de dólares, em fundos para combater a pobreza, a miséria, e
resgatar a devastação da terra, das florestas, dos mares. Eles não aceitam,
porque o último argumento é sempre a violência física, ter armas nucleares...
Fonte: http://www.opovo.com.br
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