Manifestantes do Movimento pela Ética Evangélica Brasileira criticam Marcha para Jesus e relatam agressões verbais e físicas. - Por Tiago Chagas
Durante a edição da Marcha para
Jesus em São Paulo, no último sábado, 14/07, houveram protestos realizados pelo
Movimento pela Ética Evangélica Brasileira (MEEB), com voluntários que se
reuniram com faixas e cartazes com frases contra o atual estágio da igreja.
Os protestos baseiam-se, segundo
os idealizadores, em conscientizar as pessoas e convencer líderes a mudarem sua
postura na condução da igreja evangélica como um todo.
A blogueira Vera Siqueira,
esposa do pastor Paulo Siqueira, líder do MEEB, publicou artigo relatando a
experiência do protesto e as “agressões verbais, físicas” por parte dos
evangélicos que faziam parte da Marcha.
Segundo Vera, é necessário que o
conceito atual da Marcha para Jesus seja modificado, pois da forma como está,
acaba se tornando idolatria:
“Para uma Marcha efetivamente para Jesus, é
necessário nos desprendermos da veneração dos artistas gospel, pois em Cristo
eles são exatamente iguaizinhos a nós: pessoas falhas, dependentes de Deus, e
que carecem de Cristo, sem O qual perecerão eternamente. Para acabar com a
‘deusificação’ dos artistas gospel, numa Marcha realmente de Jesus eles não
estariam inalcançáveis num palco, mas disponíveis a todos, como qualquer um
ali, de modo que a aura de intocáveis se dissipe e as pessoas passem a vê-los
como realmente são: indivíduos que Deus dotou de um talento musical, e que usam
esse talento para dirigir o louvor a Ele”, pontua.
A crítica de Vera Siqueira aborda
os princípios da igreja primitiva, em que os cristãos serviam a comunidade.
Vera afirma que a Marcha deveria ocorrer “num local onde possa ser útil à
comunidade; onde os líderes e os cantores se confundem com a multidão, pois
todos são, em Cristo, filhos de Deus e ao mesmo tempo servos uns dos outros;
onde as músicas remetem à adoração, com amor e temor ao Deus Santíssimo; onde
alguns não se aproveitam para ganhar dinheiro, vendendo apetrechos gospel; onde
o espaço de adoração não é dividido com politicagem ou com a idolatria a líderes
e artistas gospel”, frisa, citando as propagandas de candidatos que foram
observadas durante o evento.
O colunista do Gospel+, teólogo Ruy
Marinho, critica enfaticamente a organização da Marcha para Jesus: “Este evento
vem sendo questionado por muita gente, em decorrência de ser organizado por uma
única denominação com pessoas duvidosas à frente, bem como pelas práticas e
resultados negativos de tais manifestações públicas”.
Em seu artigo “A Marcha que nunca
foi para Jesus”, Marinho destaca que a origem do evento é questionável:
“Começou na Inglaterra em meados de 1987, através de uma ação ecumênica entre
protestantes e católicos de Londres. A organização foi iniciativa dos líderes
carismáticos Britânicos Gerald Coates, Roger Forster, Lynn Green e Graham
Kendrick [...]O que muitos não sabem é que estes líderes britânicos são adeptos
de práticas neopentecostais controvérsias e de conceitos anti-bíblicos. Para se
ter uma idéia, um dos idealizadores da Marcha é Gerald Coates, famoso
carismático liberal Britânico, que tem como referência nada menos que Rodney
Howard-Browne, Benny Hinn e Kenneth Copeland”, afirma.
Marinho diz ainda que a Marcha
para Jesus é um evento onde práticas em desacordo com a Bíblia são postas em
prática: “O que falar do misticismo, dos atos proféticos, do triunfalismo
apostólico exclusivista e das profetadas que nunca se cumprem, dentre outros
absurdos que testemunhamos todos os anos nesses eventos?”, questiona.
O blogueiro e ativista do MEEB, Wagner
Lemos, também colunista do Gospel+, critica abertamente a Marcha, onde,
segundo ele, reúnem-se “milhares de pessoas em um propósito que nem mesmo eles
sabem”, e considera essas pessoas como “analfabetos bíblicos que colocam as
palavras de um pastor ou apostolo como sendo lei determinada por Deus”.
Lemos também reprova o que
classifica como “idolatria evangélica”, configurada segundo seu artigo através
de “faixas na cabeça e camisetas dos cantores gospel favoritos” e cita a
intolerância dos evangélicos participantes da Marcha para Jesus: “Atitudes como
agredir os protestantes, tentar queimar nossas faixas e coisas do tipo não
remete nem de longe atitudes de Cristãos verdadeiros compromissados com a
palavra de Deus”, observa.
A distorção da mensagem cristã é
ressaltada por Wagner Lemos, que cita as variações teológicas das mensagens
pregadas no evento: “Vejo muitas heresias nessas Marchas! Determinam promessas
para a Cidade… Exigem que Deus faça isso e aquilo em prol dos que marcham… Atos
proféticos… Danças ao som de axé ou funk ditos evangélicos. No final das contas
prega-se uma mistura de Teologia da Prosperidade com técnicas de Batalha
Espiritual”.
Confira abaixo a íntegra do
artigo
“Marcha para Jesus em São Paulo 2012 – O que foi e o que poderia ter
sido”
de Vera Siqueira:
Este é o quarto ano em que o
Movimento pela Ética Evangélica Brasileira participa da Marcha para Jesus em
São Paulo. Nesses anos, vimos as mesmas coisas e sofremos agressões verbais,
físicas e até tivemos material roubado, e esses relatos estão nos arquivos
deste blog.
Desta vez, como sempre, nada
mudou. Os mesmos líderes, as mesmas promessas vãs, o mesmo triunfalismo, a
mesma alienação espiritual por parte de muitos ali presentes. O mesmo carnaval
gospel.
Quem quiser saber como foi nossa
participação na Marcha, é só assistir ao vídeo no final deste texto. Por ora,
gostaria de refletir sobre como poderia ser a Marcha para Jesus.
Para começo de conversa, por que
precisa ser uma Marcha, uma procissão gospel? Qual o sentido de levar uma
multidão para caminhar pela Av. Tiradentes, em São Paulo? Quem conhece a região
e quem participou da Marcha sabe que, nesse dia, não há uma viva alma andando
por ali, que possa assistir ao evento.
O trânsito é fechado, o comércio da
região também. Não se vê pessoas nas janelas dos prédios, até por falta deles.
Enfim, só quem vê que está acontecendo uma Marcha são os que efetivamente estão
participando dela. Se a intenção da Marcha, segundo seus organizadores e
participantes, é a de evangelizar, esqueceram de pensar num lugar onde
efetivamente haja pessoas a serem evangelizadas ou ajudadas. Sugiro, numa
próxima edição, que a Marcha em São Paulo ocorra na região da Cracolândia, na
Baixada do Glicério, ou pelas ruas de algum bairro da periferia, com o fim de
que pessoas possam ser realmente alcançadas.
A não ser que a intenção da
Marcha não seja encontrar pessoas a serem evangelizadas e ajudadas, mas apenas
demonstrar o poder dos evangélicos pela quantidade de participantes. Nesse
caso, esqueçam o que sugeri, pois dará menos “ibope”.
Outra questão a ser repensada é a
definição de louvor, presente na Marcha. Os que lá estão querem louvar a quem?
A Jesus? Aos seus líderes eclesiásticos? Aos artistas gospel presentes? Isso é
muito importante, pois impactará na forma de adoração.
Se a intenção, como se diz, é a
de louvar a Deus, devemos ter em mente que as músicas devem nos levar ao
Sagrado e à reflexão de nossa conduta em relação a Ele. Devemos enaltecê-Lo por
quem Ele é, não buscar nas canções conforto para nossa situação. Devemos nos
colocar em posição de arrependimento e respeito.
Porém, como buscar tudo isso,
em meio a letras que nos enaltecem como
filhos-do-rei-que-tudo-venceram-e-tudo-podem-nessa-vida? Como matar a carne, se
os ritmos nos remetem a danças sensuais? Tente “descer até o chão” com uma
valsa, por exemplo. Não haverá vontade para isso. Agora, coloque um funk ou um
axé que automaticamente o corpo fará os movimentos apropriados, pois o corpo
tem uma memória que nos leva a repetir os movimentos que estão associados a
cada ritmo.
Usar de Davi para justificar
danças extravagantes é tirar uma passagem do seu contexto. Na igreja primitiva
não havia danças, e nem havia clima para isso, já que aqueles cristãos estavam
bastante ocupados servindo uns aos outros, adorando a Deus e orando por conta
da perseguição que sofriam.
O “mundo” persegue os que lhe fazem oposição. Se o
“mundo” não está perseguindo a igreja brasileira, isso também é algo a se
pensar, e nossa associação com o “mundo” (inclusive adotando seus ritmos e
danças, fama e sucesso, entre outras coisas) se reflete no que transformamos a
Marcha dita para Jesus: num verdadeiro carnaval fora de época, onde tudo é
possível, contanto que as letras da música remetam a Deus ou aos crentes, e
onde muitos fazem carreira e dinheiro como “levitas”,sendo na verdade astros ou
estrelas da música gospel, inclusive tendo direito a fãs e a todo o glamour que
o “mundo” reserva aos artistas seculares. Alguns astros gospel, inclusive, hoje
já trabalham em gravadoras e na mídia do “mundo”, e acham isso bom.
Minha sugestão: se a intenção é
louvar a Deus, que sejam abolidas, na Marcha, as canções com foco no crente, em
sua provisão, em sua vitória. No lugar, canções que remetam ao conhecimento de
Deus e à nossa gratidão por Ele ter nos amado primeiro. E nada de ritmos que
remetam à carnalidade, afinal não estamos na Marcha para agradar aos desejos do
nosso corpo. Como cristãos, nosso corpo está morto e somos novas criaturas em
Cristo.
A alegria do cristão não se manifesta na catarse musical e rítmica,
como ocorre com quem não conhece a Jesus. A alegria do cristão se manifesta a
todo o momento, em todo o lugar, inclusive nas celas das prisões e nos
instantes de martírios terríveis. Essa é a verdadeira alegria, não a aparente,
fabricada pela ingestão de drogas ou de músicas que nos levam ao delírio
coletivo, como ocorre nas micaretas e raves do mundo secular.
Se a Marcha é para Jesus, deve
seguir Seus ensinos. Um deles, e dos mais importantes (pois repetido em várias
passagens, em algumas através de exemplos bem práticos) é que devemos servir
uns aos outros, e que o maior deve servir ao menor. Assim, não há cabimento em
ter autoridades eclesiásticas em cima de trios-elétricos, enquanto as multidões
estão no chão. Pior ainda se pensarmos que, na multidão, há pessoas com
deficiências físicas, idosos e pessoas com crianças de colo.
Como alguém acha que Jesus
andaria nessa Marcha? E por que os líderes gospel não andam como Ele? A não ser
que a Marcha não seja para Jesus, mas para alimentar egos humanos, é preciso
que os líderes deixem seus pedestais e se mostrem iguais ao povo que
arrebanham. O pastor tem cheiro de ovelha não por comprar tal aroma na
perfumaria, mas por viver rodeado pelo rebanho.
Outra coisa altamente incômoda na
Marcha é o comércio ali presente, onde se vende os nomes “Jesus”, “Deus é
fiel”, “Eyshila”, “Fernanda Brum”, “Thalles”, “Cassiane”, “Mariana Valadão”, ao
gosto do freguês. Ora, qual a necessidade de tudo isso?
É bastante desagradável ver um
jovem com uma faixa ou bandana com o nome do artista gospel de sua preferência,
pois isso remete ao fanatismo (por isso a palavra fã) dos que, no “mundo”,
seguem seus ídolos humanos famosos. Por isso, para uma Marcha efetivamente para
Jesus, é necessário nos desprendermos da veneração dos artistas gospel, pois em
Cristo eles são exatamente iguaizinhos a nós: pessoas falhas, dependentes de
Deus, e que carecem de Cristo, sem O qual perecerão eternamente. Para acabar
com a “deusificação” dos artistas gospel, numa Marcha realmente de Jesus eles
não estariam inalcançáveis num palco, mas disponíveis a todos, como qualquer um
ali, de modo que a aura de intocáveis se dissipe e as pessoas passem a vê-los
como realmente são: indivíduos que Deus dotou de um talento musical, e que usam
esse talento para dirigir o louvor a Ele. Simples assim.
Além disso, há a questão da politicagem
na Marcha dita para Jesus. Tal evento é palco para todo o tipo de candidato,
contanto que tenha acordado com as lideranças eclesiásticas alguma forma de
ajuda aos evangélicos. Assim, são distribuídos “santinhos”, políticos falam no
palco principal ou nos trios-elétricos, e os fiéis têm seus votos negociados
por suas lideranças, que “democraticamente” indicam qual o candidato a ser
votado.
Numa verdadeira Marcha para
Jesus, os políticos estariam bem longe, pois se o objetivo é demonstrar o amor
a Deus, não é possível se aproveitar desse evento para exaltações humanas. Em
Cristo somos livres, e livres até para, por nós mesmos, refletirmos sobre o que
é melhor para nossa nação. Com certeza, o melhor não é aquele que beneficia
apenas uma parte da população, mesmo que essa seja a nossa. O melhor é o que
busca beneficiar à maior quantidade possível de pessoas, usando de justiça e
não de conchavos do tipo toma-lá-dá-cá.
Vamos somar o que foi dito:
Uma Marcha num local onde possa
ser útil à comunidade; onde os líderes e os cantores se confundem com a
multidão, pois todos são, em Cristo, filhos de Deus e ao mesmo tempo servos uns
dos outros; onde as músicas remetem à adoração, com amor e temor ao Deus
Santíssimo; onde alguns não se aproveitam para ganhar dinheiro, vendendo
apetrechos gospel; onde o espaço de adoração não é dividido com politicagem ou
com a idolatria a líderes e artistas gospel.
Numa Marcha assim, onde os que
estão no “mundo” verão os evangélicos servindo e adorando, creio que haveria
campo para que muitos verdadeiramente se convertessem a Cristo. Na Marcha como
ela hoje é, o resultado final é apenas a sujeira deixada nas ruas, que
continuam vazias até o próximo dia útil, quando enfim haverá ali algum
movimento.
Em outras palavras, hoje temos
uma Marcha para a mídia ver, para demonstrar poder de barganha com o “mundo”
(realize os desejos da liderança, e em troca temos toda essa multidão para lhe
servir). Enquanto isso, esses líderes inescrupulosos se comprazem com o
“mundo”, que se compraz em agradar aos evangélicos para, deles, conseguir o que
quiser. Inclusive suas almas.
Será que essa Marcha
exclusivamente para Jesus, conforme muitos sonham, um dia será possível?
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