Pesquisa e Pesquisadores: José Machado Pais e a Sociologia da Vida Cotidiana


José Machado Pais

Conheci o professor e sociólogo José Machado Pais no ano de 2004. Há época, convidei-o a ministrar uma palestra na Universidade Metodista de São Paulo, no Grupo de estudos sobre História e Vida cotidiana, após ler seu livro: Vida quotidiana: Enigmas e Interpretações. Publicado pela Editora Cortez. Achei muito interessante suas abordagens e fiquei impressionado com suas idéias e a forma de pesquisa desse jovem sociólogo português. José Machado Pais tem produzido muito, tanto na Europa como no Brasil e suas pesquisas no campo da sociologia e da religião é significativa.

Apresentamos aqui um relatório de Leitura sobre: "Vida quotidiana: Enigmas e Interpretações".

A Sociologia da Vida Cotidiana se apresenta como um ramo da Sociologia Geral que trata da possibilidade de investigação e discurso sobre o cotidiano visto como manifestação do real e da realidade da vida. Tal possibilidade é analisada por diversos ângulos e tendências, após um mapeamento das teorias que têm no cotidiano seu tema principal. Segundo o próprio Pais (P.16):

Este livro centra-se no debate de uma perspectiva metodológica que toma o quotidiano como alavanca do conhecimento. Quais as melhores estratégias de pesquisa para alcançar um tal objetivo? Que razões explicam o deslocamento da atenção sociológica dos grandes dispositivos e sistemas sociais para os espaces da vida quotidiana e dos modos de vida? A análise do quotidiano encontra-se sujeita à inevitabilidade de uma micro-sociologia? Vida quotidiana e história são irreconciliáveis? Como endogeneizar as estruturas sociais no estudo dos comportamentos interindividuais? E de que modo as ações interindividuais, em determinadas condições, renegam essas estruturas? De que modo os mecanismos prescritivos das instituições sociais escondem a capacidade performativa do quotidiano? Como capturar o fugaz da realidade, a pluralidade infinita de detalhes da vida social que a Sociologia tradicional renuncia em captar? Como recuperar para o "centro da pagina" do discurso sociológico as expressões culturais da vida quoti­diana que têm ficado à margem dos discursos sociológicos dominan­tes? Como produzir conhecimento sociológico de realidades que, pela sua quotidianeidade, nos são tão "familiares"? E como transformar o "familiar" no "exótico" que leva ao estranhamento dessa realidade aparentemente tão familiar, mas, na verdade, tão enigmática?

O livro está dividido em duas partes. Na primeira parte, Pais trata das teorias e métodos ou do estado atual da questão, bem como de uma justificativa da dificuldade de aceitação dos estudos “não ortodoxos” do cotidiano na academia. Na segunda parte, apresenta três estudos de caso que exemplificam os modos de análise sociológica a partir do cotidiano como tema e como chave.

No capítulo I: “Nas Rotas do Cotidiano”, apresenta uma Sociologia “retratista do cotidiano, no sentido em que Simmel utilizava os seus snapshots. Exploram-se os caminhos de encruzilhada entre rotina e ruptura, nos quais se revela a construção do social através das rotas do cotidiano. Conclui-se que o trilhar sociológico das rotas do cotidiano não obedece a uma lógica de “demonstração”, mas antes a uma lógica de “descoberta”, na qual a realidade social se insinua, conjectura e indicia, através de uma percepção descontínua e saltitada de um olhar que a Sociologia do Cotidiano exercita no seu vadiar sociológico.

No capítulo II, “O sociólogo ouriço, e os saberes “não alinhados” da Sociologia”, sugere que a Sociologia da Vida Cotidiana incorpora um movimento de novos saberes e sensibilidades, em ruptura com o positivismo "etnocêntrico" de algumas formas "canônicas" da Sociologia tradicional que abrigam investigadores aprisionados aos seus credos doutrinários de suas “escolas ou guetos metodológicos”. A lógica de descoberta, que caracteriza a Sociologia do cotidiano, não é compatível com o "pré-estabelecido" e com a “domesticação de itinerários” herméticos e pré-determinados.

No capítulo III, “À descoberta dos enigmas do quotidiano”, procura uma aplicação de uma construção por partes, utilizando-se da etnografia, que valoriza a busca por detalhes do cotidiano, uma estratégia de pesquisa que "vai por partes", fazendo da parte um caso (enigma).

No capítulo IV: “Paradigmas sociológicos na análise da vida cotidiana”, apresenta-se um panorama crítico das principais correntes teóricas que têm influenciado a análise sociológica da vida Cotidiana: designadamente o formalismo, o Interacionismo Simbólico, o Marxismo e a Fenomenologia. A partir da caracterização crítica destas correntes, procura-se debater o conceito, o objeto e a focalização da Sociologia da Vida Cotidiana, isolando-se e destacando-se as perspectivas teóricas básicas que poderão constituir os seus principais pontos de referência. Abordando-se, por outro lado, os espaços e as temporalidades do cotidiano e, de um ponto de vista epistemológico, a relação entre senso-comum e a Sociologia cognitiva, faz-se uma crítica aos excessos estruturalistas e fenomenológicos na análise da vida cotidiana, rejeitando-se a sua submissão às perspectivas teóricas microssociológicas. Defende-se, em contrapartida, a necessidade da Sociologia da Vida Cotidiana explorar as relações dialéticas entre a micro-análise e a macro-análise no estudo articulado de comportamentos e estruturas sociais.

No capítulo V, “A contextualizando sociológica pela via do quotidiano”, propõe-se um debate sobre uma necessária redefinição da noção de "contexto" e discute-se a importância dos contextos vivenciais dos indivíduos para clarificar ou informar os contextos sociológicos (analíticos, interpretativos, explicativos) usados pelas teorias. Busca-se ver a sociedade em nível dos indivíduos e tentar uma explicação de como a sociedade se traduz na vida deles.

No capítulo VI, “Cifrando e decifrando”, mostra que a vida coti­diana pode e deve ser apreendida a partir de uma lógica decifradora, própria das metodologias qualitativas.

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