Sonho de Martin Luther King Jr. para os EUA aconteceu em partes - Por Paul Krugman


“Eu tenho um sonho”, declarou Martin Luther King Jr., em um discurso que com o passar do tempo não perdeu nem um pouco do seu poder de inspiração. 
E parte do sonho dele tornou-se realidade. Quando King discursou, no verão de 1963, os Estados Unidos eram uma nação que negava direitos básicos a milhões dos seus cidadãos, simplesmente porque estes tinham a “cor errada”. Atualmente o racismo não se encontra mais oficializado em leis. E, embora ele não tenha sido extirpado dos corações das pessoas, a influência dele é menor do que no passado.
Para dizer o óbvio, ver uma foto do presidente Barack Obama com o seu gabinete é presenciar um nível de abertura racial – e abertura também para as mulheres – que teria parecido inconcebível em 1963. Quando comemoramos o aniversário de Martin Luther King, nós temos algo de muito concreto a celebrar: o movimento dos direitos civis se constituiu em um dos melhores momentos dos Estados Unidos, e ele fez com que nós nos tornássemos uma nação fiel aos seus próprios ideais.
Entretanto, eu acredito que se King pudesse ver os Estados Unidos de agora, ele ficaria desapontado, e sentiria que o trabalho dele está longe de ser concluído. Ele sonhou com uma nação cujos filhos “não seriam julgados pela cor da pele, mas sim pelo conteúdo do caráter”. Mas o que acabamos realmente nos tornando foi uma nação que julga as pessoas não pela cor da pele – pelo menos não tanto quanto no passado – mas sim pelo tamanho dos seus contracheques. E, nos Estados Unidos, mais do que em outras nações ricas, o tamanho do contracheque de uma pessoa tem uma forte correlação com o tamanho do contracheque do pai dela.
Adeus, Jim Crow. Alô, sistema de classes.
A desigualdade social não se constitui inerentemente em uma questão racial, e o aumento da desigualdade não seria um fenômeno perturbador mesmo se ele não possuísse uma dimensão racial. Mas, devido às características da sociedade norte-americana, existem consequências raciais para a maneira como as nossas rendas têm sido divididas. E, de toda forma, King – que estava defendendo salários mais altos quando foi assassinado – sem dúvida teria considerado a disparada da desigualdade social um mal que deveria ser combatido.
Portanto, a respeito da dimensão racial: na década de sessenta, havia a impressão generalizada de que o fim da discriminação racial ostensiva implicaria na melhoria da situação econômica e legal dos grupos minoritários. E no início pareceu que isso estava ocorrendo. No decorrer das décadas de sessenta e setenta, uma quantidade substancial de famílias negras experimentou uma ascensão para a classe média, e até mesmo para a classe média alta. A percentagem dos domicílios negros que fazem parte do conjunto de 20% situado no topo da pirâmide de distribuição de renda quase que dobrou.
Mas, por volta de 1980, a posição econômica relativa dos negros nos Estados Unidos parou de melhorar. Por que? Uma parte importante da resposta diz respeito, sem dúvida, ao fato de que mais ou menos em 1980 as desigualdades de renda nos Estados Unidos começaram a aumentar drasticamente, transformando-nos em uma sociedade mais desigual do que em qualquer outro período desde a década de vinte.
Pensemos na distribuição de renda como sendo uma escada, com pessoas diferentes situadas em degraus diferentes. A partir mais ou menos de 1980, esses degraus começaram a se afastar mais e mais uns dos outros, o que afetou o progresso econômico dos negros de duas formas. Primeiro, como muitos negros ainda se encontravam nos degraus inferiores, eles ficaram para trás à medida que a renda no topo da escada disparava e a da base se estagnava. Segundo, conforme os degraus foram se afastando, ficou mais difícil subir a escada.
O “New York Times” publicou recentemente uma matéria sobre um fato comprovado que ainda surpreende muitos norte-americanos que ouvem falar dele: embora nós ainda tenhamos uma imagem do nosso país como sendo uma nação de oportunidades, na verdade nós contamos com uma mobilidade entre gerações que é menor do que a das outras nações do primeiro mundo. Ou seja, a probabilidade de que uma pessoa nascida em uma família de baixa renda atinja um patamar de renda alta, ou vice versa, é significativamente menor nos Estados Unidos do que no Canadá ou na Europa.
E nós temos todos os motivos do mundo para acreditar que a nossa baixa mobilidade econômica tem muito a ver com o nosso alto nível de desigualdade de renda.
Na semana passada, Alan Krueger, diretor do Conselho de Assessores Econômicos do presidente, fez uma importante palestra sobre a desigualdade de renda, apresentando uma relação que ele apelidou de “Curva Grande Gatsby”. Ele mostrou que os países de alta desigualdade econômica apresentam pouca mobilidade social. Quando mais desigual for uma sociedade, maior será a tendência de que o status social de um indivíduo a ela pertencente seja determinado pelo status dos seus pais. E, conforme Krueger observou, essa relação indica que no ano 2035 os Estados Unidos terão uma mobilidade social ainda menor do que a de hoje, e que este país será um lugar no qual as perspectivas econômicas das crianças serão em grande parte um reflexo da classe social em que elas nasceram.
Nós não devemos aceitar passivamente essa situação.
Mitt Romney diz que nós só deveríamos discutir a desigualdade social – se tivéssemos que fazê-lo – em “salas silenciosas”.
Houve uma época em que as pessoas diziam o mesmo a respeito da desigualdade racial. No entanto, por sorte houve pessoas como Martin Luther King que se recusaram a permanecer em silêncio. E nós devemos seguir o exemplo dele nos dias de hoje. Isso porque a realidade é que a desigualdade social crescente ameaça transformar os Estados Unidos em um país diferente e pior – e nós precisamos reverter essa tendência a fim de preservar os nossos valores e sonhos.

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