Uma vida dedicada ao Estudo e a Pesquisa da Religião

Em Memória de
Antonio Gouvêa Mendonça:
1922-2007

Professor Emérito do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo - UMESP.

Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie - São Paulo.
Entrevista concedida em 20 de setembro de 2004 a Adaílton Maciel Augusto, professor de História da Igreja no ITESP e publicado na Revista Espaços (2004 - 12/2) do Instituto São Paulo de Estudos Superiores.


Nasci em Arealva, pequena cidade do interior de São Paulo, na região de Bauru, em 1922. Dos cinco filhos que meus pais tiveram, só eu sobrevivi. Minha mãe morreu quando eu não tinha ainda dois anos. Meu pai casou-se de novo e morei com ele em diversos lugares da zona rural próxima a Pirajuí. Até os meus dez anos ajudei meu pai nas diversas atividades da roça. Fui trazido para São Paulo por minha avó materna para iniciar meus estudos, pois que ela, convertida ao presbiterianismo, me dedicara ao ministério após a morte de minha mãe. Para aqueles primeiros protestantes brasileiros, ter alguém da família na carreira de pastor era o maior desejo.

Por parte de meu pai, descendo da família pioneira do protestantismo no interior de São Paulo. Em 1865, os Gouvêa, sitiantes pobres das imediações de Brotas, no sertão da então Província de São Paulo, já preparados pelo Padre José Manoel da Conceição, que se convertera ao protestantismo presbiteriano - é uma história interessante, mas que não cabe aqui - formaram a terceira Igreja Presbiteriana do Brasil, professando a fé todos no mesmo dia perante o missionário norte-americano Alexander Blackford. Até onde eu sei, dessa família saíram quatro pastores, sendo pioneiro Herculano Ernesto de Gouvêa. É curioso que, em pouco tempo, a igreja de Brotas era a maior Igreja Presbiteriana do Brasil, superando as anteriores organizadas no Rio de Janeiro (1862) e São Paulo (1865). Organizada em fins de 1865 já possuía, em pouco tempo, cerca de 140 fiéis.

Mas, as circunstâncias não permitiram que, concluídos os estudos secundários, me encaminhasse para os estudos teológicos. Fui, então, estudar filosofia na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, onde está hoje a PUC/SP, onde os seminaristas protestantes buscavam os estudos filosóficos. Os superiores faziam o possível para que eles não fossem para a USP com temor de expô-los ao positivismo e materialismo que, segundo circulava, grassava no ambiente uspiano. Até hoje não entendo isso, porque a Faculdade de Filosofia da USP contava com muitos professores protestantes, inclusive estrangeiros. Talvez o perigo estivesse em professores como João da Cruz Costa, Florestan Fernandes e outros.

Na São Bento estudei com os célebres professores da época: Alexandre Correia e Leonardo Van Acker. Com este estudei Lógica e Metafísica e, com aquele, História da Filosofia Antiga. Difícil me esquecer deles apesar do rigor e certo autoritarismo que emanavam, principalmente de Van Acker. No auge do neo-tomismo, dia Van Acker nos disse: Maritain não entra aqui na São Bento! Já tinha entrado. Eu mesmo já lia avidamente Maritain. Não pude concluir o curso lá. Mesmo aquela mensalidade tão pequena eu não podia pagar. Fui para o curso noturno da USP e enfrentei as feras.

Conclui minha licenciatura em Filosofia em 1957. Dediquei-me ao ensino secundário por alguns anos e comecei o magistério superior em 1969, na Faculdade de Filosofia da Fundação Santo André. Nesse tempo eu era professor no Seminário Menor da Igreja Presbiteriana em Jandira, SP. Então passei por crises religiosas. Ingressei no mestrado em Filosofia na USP e não fui adiante porque o Departamento perdeu vários professores, inclusive meu orientador. Era época do AI 5. Mais tarde, ingressei no mestrado de Ciências Sociais. Passei diretamente para o doutorado e defendi tese em 1982, já com 60 anos. Minha tese versou sobre os fatores religiosos, sociais e políticos que permitiram a inserção do protestantismo na sociedade brasileira.

Em 1978, perdi meu lugar de professor e reitor da Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente. Questões eclesiásticas. Fui para o Instituto Metodista de Ensino Superior, hoje Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo. Fiquei lá por mais de vinte anos dando aulas no Curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Dentro dos meus limites, realizei-me na UMESP. Tenho o honroso título de professor emérito dessa Universidade. Ali, com toda a liberdade de trabalho e pensamento, fiz pesquisas e dei aulas, escrevi mais dois livros e dezenas de artigos hoje espalhados, dos quais perdi o controle. Não sei mais onde estão.

Os livros foram "Introdução ao Protestantismo no Brasil", produzido em parceria com o saudoso Prócoro Velasques Filho, falecido em 1991. São ensaios sobre o protestantismo brasileiro resultantes de um curso a quatro mãos que eu e ele demos no mestrado com o título de História do Pensamento Cristão. O outro "Protestantes, Pentecostais e Ecumênicos" é também uma coletânea de cursos que dei e foram juntados em livro, em 1997, por amigos e colegas da UMESP. Não sei porque, mas é o que mais gosto. Não circula, é um livro esquecido. Um dos seus capítulos contém meu primeiro esforço para estabelecer um perfil da Ciências da Religião buscando a distinção metodológica entre Teologia e Ciência. Esta questão ainda está em debate entre nós.

Em 2002 fui para a Universidade Presbiteriana Mackenzie colaborar na criação de um curso de mestrado em Ciências da Religião. É onde estou agora. Dou aulas e coordeno o Núcleo de Estudos da Reforma. Nestes últimos tempos tenho me dedicado mais à Sociologia da Religião propriamente dita, assim como ao aprofundamento, juntamente com outros pesquisadores, da área conhecida como Ciências da Religião.

Fui um militante do ecumenismo, o que me causou problemas eclesiásticos que me distanciaram até hoje de minha denominação. Colaborei muitos anos com instituições ecumênicas, como CESEP e Pastoral Protestante do CEDI - Centro Ecumênico de Informações, hoje Koinonia. Fiz amizades duradouras no mundo católico. Fazem também parte da minha bagagem intelectual autores como Alceu Amoroso Lima, Gustavo Corção, Chesterton e, é claro, Jacques Maritain e seu círculo de leigos católicos da França deliciosamente descrito por Raissa Maritain em As Grandes Amizades (onde foi parar este meu livro?).

Sou pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Fui ordenado pelo Presbitério Leste de São Paulo, em agosto de 1965, como leigo que era. Não tenho formação teológica.

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