"O maior perigo é o ser humano", diz Fukuyama – por Víctor-M. Amela

É um senhor baixo, de olhos amendoados, inquieto e inteligente. E de conversa afável. Esteve no Cercle d'Economia falando sobre a relação EUA-Europa. Em 1989 publicou um livro célebre, "O Fim da História e o Último Homem", que provocou maremotos de polêmica e que já é um clássico da ciência política contemporânea.
Alinhado então com os pensadores do neoconservadorismo, hoje ele mesmo critica desvios que sua obra incitou na política externa de seu país, comandada por um Bush do qual já se sente distante. Hoje reflete sobre isso em suas obras e é membro do conselho presidencial sobre bioética, "porque convém vigiar eventuais abusos da biotecnologia".

Tenho 55 anos. Nasci em Chicago, cresci em Nova York e vivo em Washington. Sou cientista político. Sou casado e tenho três filhos, um na universidade e dois no colégio. Ideologia? Creio na democracia. Sou filho de protestantes, mas não pratico nenhuma religião.
A entrevista:

La Vanguardia - Continuamos no fim da história?
Francis Fukuyama - Você não me entendeu bem.
LV - O que quis dizer?
Fukuyama - Que a idéia de que o destino final da história era o socialismo naufragava com a queda do Muro. E portanto o verdadeiro terminal era o liberalismo democrático.
LV - A China e a Rússia sabem disso?
Fukuyama - Os governantes chineses sabem que estão sobre um vulcão social e acabarão por dar o voto à população. E se os governantes russos se corromperem a geração seguinte promoverá a regeneração da vida democrática.
LV - E Chávez?
Fukuyama - Os venezuelanos não querem ser outra Cuba: estão freando essa história de perpetuar-se no poder.
LV - O que diria Marx se levantasse a cabeça?
Fukuyama - Nosso mundo o surpreenderia! Veria muçulmanos na Europa! E veria que o conflito já não é tanto de classes sociais quanto de identidades, nacionalismos e religiões, sobretudo no Primeiro Mundo.
LV - O espiritual à frente do material!
Fukuyama - O sentimento de pertencer a uma coletividade, eu diria.
LV - A utopia de uma sociedade sem classes será alcançada?
Fukuyama - Mais valioso que isso é conseguir mobilidade social: que o que está em baixo tenha possibilidades garantidas de subir se quiser e se esforçar. E isso acontece em meu país.
LV - E também acontece na Europa.
Fukuyama - Mas nem tanto: a Europa provêm de sociedades muito estratificadas, com agremiações, classes... e ainda conserva certa rigidez social.
LV - Como o senhor melhoraria isso?
Fukuyama - Promovendo uma maior flexibilidade no mercado de trabalho. Thatcher o fez bem.
LV - Isso pode desencadear desigualdades sociais lacerantes.
Fukuyama - Sim, e não o fazer compromete a prosperidade econômica do conjunto. É preciso escolher, vocês terão de escolher.
LV - O senhor escolheu apoiar a guerra do Iraque. Está arrependido?
Fukuyama - Eu apoiei derrubar o sanguinário ditador Saddam, e não me envergonho, mas sim lamento a incompetência para administrar a ocupação. Bush não soube preparar um futuro melhor para os iraquianos. Eu logo vi isso e denunciei tamanha incompetência.
LV - Zapatero retirou as tropas espanholas.
Fukuyama - Depois de um atentado como o 11-M, talvez não tenha sido a melhor decisão... Mas desculpe-me, por favor; prefiro não me intrometer em política interna espanhola...
LV - Então diga-me o que acha de Obama, que também promete retirar as tropas.
Fukuyama - Gosto de Obama. Não é um ressentido, não é um rancoroso, não está com raiva, é um tipo racional, centrado, que não polariza posições, e gosto disso.
LV - Acredita que poderia agradar mais ao eleitorado que Hillary Clinton?
Fukuyama - Obama não está ligado às dinastias políticas (Bush, Clinton...), e isso joga a seu favor. Hillary esteve em lutas de poder polarizadas demais, o que produz rejeição. Ela falhou naquela tentativa prepotente de reforma do sistema de saúde...
LV - Em que Fukuyama falhou?
Fukuyama - Confiei no bom julgamento dos EUA para usar seu poder no mundo com uma boa gestão dos direitos humanos, a democracia, o freio ao terrorismo... E os EUA demonstraram incompetência.
LV - A democracia pode ser imposta pela força?
Fukuyama - Ou uma sociedade a abraça voluntariamente ou não há como. Mas a força ajudou a levá-la aos alemães, aos japoneses...
LV - Não seria porque estavam fartos de autoritarismo e guerra?
Fukuyama - Bem, mas eu não rejeitaria absolutamente a força como alavanca para remover situações injustas, como nos Bálcãs...
LV - E por isso Bush quer atacar o Irã?
Fukuyama - Aprovo a política do bastão e da cenoura, mas talvez Bush insista demais no bastão e recorra pouco à cenoura.
LV - Foi com cenouras à Palestina?
Fukuyama - Mas tarde, porque agora o Hamas está em Gaza e tudo é mais difícil...
LV - Qual é sua principal crítica a Bush?
Fukuyama - Persistir no unilateralismo, não se esmerar para que os países vejam os EUA como parceiro legítimo, não conseguir maior cooperação internacional.
LV - O que resta do projeto para o novo século americano, que o senhor promoveu?
Fukuyama - Limitei-me a assinar algumas cartas, mas fui me distanciando com minhas críticas às políticas unilaterais de Bush. Só Giuliani persiste naquele neoconservadorismo: não lamenta nada, é um super-Bush!
LV - Que se fortaleceu depois do 11 de Setembro... Naquele dia, como seu país foi vulnerável!Fukuyama - Bin Laden traçou um plano ambicioso, pegou o país desprevenido... e teve muita sorte. Hoje não seria tão fácil.
LV - O que os EUA deveriam fazer para ter melhor imagem no mundo islâmico?
Fukuyama - Trata-se de que esses países gozem de horizontes econômicos e sociais mais favoráveis. Mas agora o perigo é a deterioração do Paquistão, porque... possui ogivas nucleares.
LV - O que o senhor sugere fazer?
Fukuyama - Promover eleições limpas que indiquem um governo com plena legitimidade.
LV - Hoje o senhor é assessor para bioética...
Fukuyama - Sim, é conveniente controlarmos os excessos da biotecnologia, que acarreta perigos...
LV - O que é mais perigoso para o ser humano, a religião ou a ciência?
Fukuyama - O ser humano.


Fonte: www.lavanguardia.es

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