Empresas valorizam história como ação estratégica


Nos últimos 20 anos muitas empresas estão descobrindo que para garantir um lugar no futuro da economia brasileira e no coração dos consumidores é preciso planejar o amanhã, mas sem tirar os olhos do passado. Elas apostam no resgate da própria história empresarial recheada de desafios, conquistas e até derrotas, para entender melhor qual a sua origem, foco do negócio e deixar claro o compromisso social com a comunidade onde estão instaladas. Longe de transformar companhias em depósitos de objetos e documentos arquivados em enfadonhas salas abertas apenas para raros visitantes, esta iniciativa é encarada como uma importante ferramenta estratégica. Para os especialistas e gestores, ela é fundamental para gerir o conhecimento acumulado, as descobertas de novas tecnologias, lembrar marcos administrativos e alinhar a corporação à responsabilidade histórica da organização com o desenvolvimento da nação.
Uma pesquisa realizada em 2005, com 119 empresas de toda as regiões do país, revelou que em 89,6% delas já existem iniciativas para a preservação da história empresarial. Metade mantém um programa estruturado, 37% realizam ações eventuais e em apenas 13,4% das instituições avaliadas não há qualquer iniciativa do tipo. O estudo fez parte da tese de doutorado sobre relações públicas e história empresarial no Brasil, defendida por Paulo Nassar na Universidade de São Paulo (USP). Atual professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Nassar é presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), uma das primeiras instituições a incentivar a preservação da memória empresarial. “Isto não é um modismo e sim uma tendência sólida. Muitas organizações já perceberam que o caminho da sustentabilidade passa por mostrar à sociedade que ela não exerce apenas uma função comercial”, justifica Nassar. A lista de grandes corporações com programas de memória empresarial que estão estruturados tem nomes famosos como Odebrecht, Bunge, Vale, Bosh, Votorantim, Grupo Pão de Açúcar, Unilever, Petrobras e Pfizer. A maioria dos centros reúne documentos, fotografias, produtos fabricados desde o surgimento das indústrias, relatos orais de ex-funcionários e proprietários, notícias, discursos, publicações internas e registros de fusões ou mudanças no modelo administrativo. Odebrecht - A pioneira no país foi a construtora baiana, com a criação em 1984 do Núcleo de Cultura Odebrecht (NCO), até hoje um dos mais completos do gênero e instalado na sede da instituição em Salvador. Todos os anos o local é visitado por aproximadamente dez mil pessoas, entre funcionários, clientes, estudantes, autoridades e pesquisadores. O custo anual do projeto é de R$1 milhão.
Em um amplo salão climatizado, o visitante conhece a história da empresa desde a chegada ao Brasil do engenheiro agrimensor Emil Odebrecht, em 1856, à fundação, por Emílio Odebrecht, da Construtora Isaac Gondim & Odebrecht na primeira década do século XX. A mesma que nos anos 20 foi desmembrada e deu lugar à Construtora Emílio Odebrecht & Cia, marcando também a mudança da família do Recife para a capital baiana. Mas conhecer a história da organização, que, além de construir prédios, estradas e hidroelétricas, é um dos grandes investidores do setor petroquímico e recentemente descobriu o álcool e o açúcar como novas áreas de atuação, é apenas uma das possibilidades oferecidas pelo NCO. No centro de documentação e referência virtual, ficam fotografias, depoimentos e, principalmente, as palestras e obras publicadas pelo presidente da organização, Noberto Odebrecht. No acervo está o livro Sobreviver, crescer e perpetuar, considerado uma “bíblia” pelos funcionários e no qual estão reunidos os princípios da empresa. “Todos os nossos colaboradores são estimulados a conhecer o NCO, pois lá ele irá ver histórias exemplares de pessoas e muitas experiências de vida. São atos e fatos empresariais que podem ser imitados. Isto serve de motivação e disseminação da nossa filosofia”, explica Márcio Polidoro, diretor de Comunicação Empresarial da Odebrecht. A ferramenta estratégica de capacitação dos profissionais ainda traz outras vantagens para a empresa, segundo Nassar. Para ele, se alguém conhece toda a história da corporação, a evolução das estratégias de gestão e a ligação das realizações com o história da comunidade, acaba se sentindo mais comprometido com os objetivos empresariais. “Tudo isto fortalece a ligação com o trabalhador. Com a volatilidade de pessoas e profissionais, estas organizações precisam administrar seus mitos e lendas, a sua memória empresarial”, defende.

Preocupação é maior nas mais antigas

Quanto mais antiga uma organização, maior é o seu compromisso com a preservação da própria história. Cerca de 60% das empresas com mais de 80 anos mantêm algum programa de memória empresarial. Presente no Brasil desde 1905, a multinacional Bunge criou o seu centro de memória em 1994, ano de seu centenário em terras tupiniquins. Uma trajetória intimamente ligada com a própria evolução dos costumes da família brasileira. Fabricante de alimentos e detentora de marcas famosas como Delícia, Primor e Soya, foi a primeira indústria a produzir óleo comestível em 1929. A novidade causou uma revolução nas cozinhas do país, substituindo a banha de porco e o azeite de oliva no preparo das refeições. Documentos e notícias de jornais da época relatam a mudança provocada pela chegada do produto e fazem parte de um acervo com mais de 600 mil imagens, cem horas de depoimentos e três mil peças audiovisuais. Entre os destaques está um alvará autorizando o funcionamento do Moinho Fluminense, assinado pela Princesa Isabel em 1887, um ano antes dela assinar a Lei Áurea e pôr fim à escravidão no Brasil. Um documento já visto por quase 200 mil visitantes, a maior parte deles estudantes de escolas do ensino fundamental e médio. “Acho que a principal função nossa é fortalecer a legítima relação do grupo com a sociedade”, aponta Marilúcia Bottallo, coordenadora do Centro de Memória da Bunge. O custo para manter o centro é de aproximadamente R$390 mil anuais, mas o retorno do investimento para imagem da empresa é incalculável. Segundo Nassar, a reputação de uma empresa hoje tem valor tangível e influência até na cotação das ações. Em 2007, a Bunge foi premiada pela Aberj, na categoria Responsabilidade Histórica e Memória Empresarial.

Outras Experiências
O Centro de Memória da Bosch fica em Campinas, mas boa parte do seu acervo pode ser vista no site www.institutorobertbosch.org.br. Antes é necessário fazer um cadastro gratuito. São mais 12 mil documentos fotografados, cerca de 60 mil imagens, três mil periódicos internos, 622 periódicos externos e 2.033 depoimentos orais. O projeto Vale Memória foi desenvolvido pela mineradora há sete anos com a coleta dos depoimentos de 132 funcionários e ex-funcionários da empresa. Com milhares de fotografias e documentos, conta a história da empresa e discute o turbulento processo de privatização. Parte do material ajudou a criação do Museu Virtual da Vale, e está disponível no site www.vale.com. O Memória Votorantim conta a história do grupo empresarial e está em constante atualização. No site www.memóriavotoratim.com.br, podem ser consultados textos, fotografias e áudios. Voltado para reconstruir a trajetória através de depoimentos de funcionários na ativa e aposentados, conta com gravações realizadas em mais de 240 municípios brasileiros. O Grupo Pão de Açúcar mantém na cidade de São Paulo o Espaço Memória, no qual oferece ao visitante milhares de fotografias e documentos que sempre buscam relacionar a trajetória da empresa com as comunidades onde está inserida. Usada sempre como ferramenta de comunicação, parte desta história pode ser vista no site www.paodeacucar.com.br/memoria.

Fonte: http://www.correiodabahia.com.br

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