Por que mataram o América? por Dario D’Jota Carvalho


Neste 29 de fevereiro de 2008 chegou às bancas brasileiras a revista Os Novos Vingadores, Nº. 49, na qual o Capitão América é assassinado. Mortes de super-heróis – assim como ressurreições – não são novidade. O mais famoso deles, o Super-Homem, passou por esse processo no início dos anos de 1990, com grande estardalhaço na mídia e um belo aumento de vendas em suas revistas.

Engana-se, porém, quem pensa que a morte de um super-herói é um fato limitado aos fãs. Além de alavancar vendas em um mercado que movimenta bilhões de dólares (com os gibis em si e também filmes, videogames, brinquedos e quinquilharias baseadas em personagens), tais mortes estão profundamente relacionadas a mudanças de valores.

Um herói, dentro ou fora dos quadrinhos, representa um padrão de valor, tem a capacidade de satisfazer à necessidade de um povo, encarna os valores que simboliza. É, ou se torna, de maneira emblemática, uma soma das aspirações de um indivíduo, de uma sociedade, de uma época. Justamente por isso, para terem vida longa, heróis de quadrinhos são obrigados a mudar para continuarem a encarnar os valores vigentes. Mas tal mudança não pode descaracterizá-los.
Criado em 1940 por Joe Simon e Jack Kirby, o personagem da Marvel surgiu como um invólucro do patriotismo americano na Segunda Guerra Mundial. Steve Rogers, um artista de metrô, quer se alistar contra o nazismo, mas é recusado por ter físico raquítico. Participa, então, de um experimento secreto do governo - o “soro do super-soldado” - e se torna um herói praticamente imbatível. E único, já que o cientista que criou o soro é morto por um espião.

Vestindo uniforme calcado na bandeira americana, o Capitão é mostrado socando Hitler na capa do primeiro gibi e chegou a ser usado em cartazes nos quais aparecia convidando jovens a se alistar. Rogers encarnava os valores que estavam em vigor nos EUA da época: patriotismo, vontade de servir, superioridade em relação ao inimigo, certeza de ser melhor, de poder se superar. Tanto que, com o fim da guerra, em 1945, as vendas do herói despencaram e a editora simplesmente parou de publicá-lo (algumas "versões" do herói foram lançadas, mas sem sucesso).

Nos anos 1960, Stan Lee retomou o personagem original: inventou que ele havia ficado em animação suspensa após cair em mares gelados. Encontrado e trazido de volta à vida, o Capitão estranha o mundo onde agora vive: não entende o feminismo, que considera ofensivo seus modos de soldado cavalheiro; questiona a falta de patriotismo dos cidadãos americanos; não aceita que escolas e pais não disciplinem crianças com o rigor de antigamente. Representa o conflito de valores dos anos 60 e 70, a dificuldade de se aceitar transições e a necessidade de manter a própria integridade. E, claro, o amor pelo país. Valores com o qual o público se identificava.

Mas o leitor foi ficando mais velho, entendendo melhor de política e começou a rejeitar um herói soldado que aceitava e glorificava os atos do governo americano, mesmo os equivocados. Os argumentistas, então, começaram a mudar o Capitão. Ele virou um soldado questionador, que não aceitava todas as suas ordens. Chegou até a romper com o governo e a mudar de uniforme, assumindo o codinome “Nômade” . Quando reassumiu o nome antigo, o América já não era tão mais capitão assim.

Mas teria ainda uma última chance de sobrevida, graças ao ataque terrorista de 2001. O medo do terror abriu chance para reaproximá-lo com o público. A Marvel lançou então um Capitão América radical, que combatia fanáticos, matando-os inclusive. Deu certo. Até que a raiva passou e o sentimento do público mudou graças à inépcia de Bush para encontrar Bin Laden, Guantânamo e outros erros cometidos pelo governo estadunidense. Na recente série Guerra Civil, o Capitão foi o primeiro a levantar a voz contra o registro governamental dos heróis como espécie de “super-policiais” porque, desta forma, “o governo diria quem são os vilões”. Ora, mas não foi sempre assim (ou deveria ser) para um personagem que é um soldado?

É natural que heróis de vida longa se adaptem a novos valores para sobreviver, mas quando isso os descaracteriza a narrativa fica inviável, o público não o/se reconhece e o abandona. Capitão América, portanto, já estava morto há tempos. Faltava enterrar.

PS - Nos EUA, outro personagem já assumiu o escudo do Capitão, mas será que o original ressuscitará? Considerando-se que quando é trazido de volta um personagem em geral é reaproximado de sua proposta e valores originais, sim, mas provavelmente sob a gestão de um governo Democrata...

Fonte: http://hq.cosmo.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura