Seriados: De estrutura mais enxuta que as tradicionais telenovelas brasileiras, eles atraem um público diferenciado e segmentado – Por Manuela Barros




Inegavelmente, os seriados fizeram época no Brasil, tornando-se referência para gerações. Desde “I Love Lucy” até “Lost”, a nossa memória individual e coletiva passa pelas aventuras e desventuras de personagens que compartilharam nosso cotidiano durante décadas. Engraçados, corajosos, trapaceiros, trágicos, todos eles nos têm levado a universos que retratam desde as alegrias da vida em família (como no clássico “Papai Sabe Tudo”) até as peripécias de corajosos policiais que defendem o cidadão da violência das ruas (como nos concorridos “Lei e Ordem” e “CSI”).

Nas décadas de 1970 e 1980, no Brasil, emplacaram moda. Quem não lembra do cabelo “pantera”, estrelado por Farrah Fawcett, ícone de sensualidade para toda uma geração de mulheres? Já os famosos bigodes de Magnum causaram inveja aos nossos “machos de carteirinha”. O estilo despojado, simbolizado pela famosa jaqueta de couro, de Lee Majors (intérprete do “O homem de seis milhões de dólares”) arrasava o coração das adolescentes de então. Mas nem só de indumentárias as personagens viviam. As referências lingüísticas também estavam presentes em seus enredos, tornando-se marcas registradas de seus personagens. Assim, os seriados também produziram seus jargões. Em “Perdidos no Espaço”, o covarde Sr. Smith se imortalizou com o refrão “Não tema, com Smith não há problemas”. O Sr. Roarke, por outro lado, sempre recebia seus convidados na paradisíaca Ilha da Fantasia, com uma frase de apresentação imutável: “Eu sou o Sr. Roarke, seu anfitrião, bem vindos à Ilha da Fantasia”.

Estrutura episódica

Em geral, transmitidos, dos anos 1980 aos 1990, na “Sessão Aventura”, da Rede Globo, os seriados estrangeiros, também chamados de “enlatados”, tiveram um grande impacto sobre o imaginário dos nossos telespectadores, só perdendo em popularidade e importância para a nossa campeã de audiências: as telenovelas. Nos anos 1990, com sensíveis reformas na grade de programação das emissoras, acabaram sendo substituídos gradativamente por produções nacionais. Mas, o imaginário criado nas décadas anteriores acabou por ser reatualizado nas produções de séries brasileiras como Armação Ilimitada, “A Grande Família” e “Carga Pesada”, as duas últimas objeto de remakes da Rede Globo. Já os “enlatados” continuam sendo acompanhados pelos seus fãs ocasionalmente nas emissores nacionais (com descontinuidades que enfurecem ao seu fiel público) e com maior freqüência por intermédio das televisões pagas. Mas, afinal, o que responde por tamanho sucesso? O sucesso deste formato televisivo pode ser encontrado na compreensão de sua estrutura. Os seriados tradicionais costumam ser exibidos em um dia específico da semana. São construídos com base em um núcleo reduzido de protagonistas fixos, com funções narrativas reiteradas a cada episódio. Os seriados, diferentes das telenovelas, não se dividem em capítulos, mas em temporadas. O enredo é estruturado na forma de episódios, subdivididos em blocos menores, separados uns dos outros por paradas para a entrada de comerciais ou de chamadas para outros programas. Em cada temporada, são exibidos cerca de 20 episódios. Mas, diferentemente das telenovelas, não possuem ganchos - mecanismo de suspensão de sentidos que ocorre nos momentos de maior tensão do relato. Nos seriados mais simples, cada emissão é uma história completa e autônoma, com começo, meio e fim, e o que se repete no episódio seguinte são apenas os mesmos personagens principais e uma situação narrativa. A trama se inicia e termina no mesmo dia, com exceção de alguns episódios que demandam dois capítulos de exibição.

A maioria dos seriados tradicionais tem esquemas narrativos extremamente simples e previsíveis. Normalmente, a produção da série pressupõe o lançamento prévio de um episódio de amostragem, em geral, mais longo que os episódios usuais, mas com elementos principais, característicos de sua estrutura padrão, constituindo-se numa espécie de telefilme de lançamento. Eles podem sobreviver anos e serem exibidos em qualquer país, sem nenhuma modificação além de legendas ou dublagens. A tendência atual é que nem o nome seja traduzido. Os seriados servem a todos os públicos e o seu conteúdo varia da comédia ao policial. Neles, os episódios permitem enfocar determinados ângulos da vida do protagonista ou de determinados personagens de seu mundo, mas um de cada vez. O primeiro episódio de um seriado é, portanto, capital. Deve-se apresentar de forma clara e eficientemente todas as personagens principais, identificá-las, dizer o que são e como são, mostrar suas relações com os demais, seu modo de ser, suas crenças, desejos, objetivos de vida, estágio em que estão.

Os seriados são uma história contada por meio de imagens, com diálogos e ações que criam conflitos tanto provisórios quanto definitivos. Os conflitos provisórios vão sendo solucionados e até substituídos no decurso da ação enquanto que os definitivos só no final de cada temporada. Eles se dividem em grupos de personagens e supõem protagonistas cujos problemas assumem primazia na condução da história. Apesar de não ser, no Brasil, um formato tão popular quanto as telenovelas, os seriados revelam um modo de ser de determinado tempo histórico. Daí porque os seus remakes devem seguir uma cronologia datada. Este é o caso de “Carga Pesada” e “A Grande Família” que ao serem re-lançados adquiriram o contexto próprio da contemporaneidade.

Público flutuante

Diferentemente das telenovelas, os seriados não exigem do telespectador conhecimento prévio da história, tampouco que tenha assistido a episódios anteriores, razão pela qual também se lhe é dispensado de assistir ao episódio seguinte. Esta aí, creio, o grande diferencial entre as telenovelas e os seriados e que marcou a predominância das primeiras sobre os últimos no Brasil. A necessidade de um acompanhamento constante da trama garante uma fidelidade extraordinária às nossas telenovelas, ao mesmo tempo em que os ganchos recorrentes, de capítulo a capítulo acabam por complexificar o seu enredo exponencialmente em comparação com os seriados. Mas, se a técnica de produção do seriado não exige do telespectador um acompanhamento permanente, como nas telenovelas, ela o prende até o final do episódio em exibição. E acaba, em especial, agradando a um público extremamente flutuante - os adolescentes - que não se vêem “obrigados” a assistir ao conjunto dos episódios, uma vez que estes se desenrolam de forma independente uns dos outros.Se em seus primórdios os seriados não acompanhavam a cronologia da contemporaneidade cotidiana - as mesmas datas festivas, comemorações e férias -, hoje, eles tendem, tal qual as telenovelas, a estabelecerem um programa narrativa que se orienta conforme o calendário do telespectador. Tal característica é visível nos seriados brasileiros (filiados mais às telenovelas do que aos seus irmãos norte-americanos), e ocorre algumas vezes com os estrangeiros. Entrementes, tal fato é difícil de ser percebido pelo telespectador brasileiro, uma vez que este só consome os “enlatados” após o final de temporada norte-americana devido às óbvias exigências de importação deste produto.

Assim, a convivência dos seriados com seus fãs tem sido, ao longo das décadas, produtiva e duradoura. Neste sentido, a geração atual, tal qual as anteriores, ainda dá a resposta desejada por seus produtores: o consumo ávido e apaixonado de suas tramas quer ocorram nas violentas ruas de Miami, nos movimentados bares de Nova York ou nos subúrbios brasileiros.

Fonte: http://diariodonordeste.globo.com

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura