Fé, religião e mídia têm tudo a ver" – Por José Ferrão


Fé, religião e mídia têm tudo a ver.


Desde tempos mais remotos, alguma coisa ou pessoa sempre serviu de intermediária na relação do homem com Deus, com os deuses que escolheu ou que o grupo a que pertence lhe apresentou: a palavra falada e escrita, os objetos de culto e adoração, as preces murmuradas em sussurros ou gemidos e o canto melodioso, ainda que sem letra. As tábuas da lei de Moisés, na tradição judaico-cristã, por exemplo, se tornaram o suporte material e concreto para que o próprio Javé inscrevesse os mandamentos e, assim, o povo pudesse lembrar das ordenanças divinas. Depois, veio o livro. As religiões afro-brasileiras, de tradição eminentemente oral, em cada celebração fazem perpetuar a memória dos ancestrais de um outro continente muitas vezes através do corpo e da dança que evoca os espíritos e os chama à presença da comunidade reunida. A função dos líderes religiosos de qualquer seita ou forma de culto já instituída nada mais é do que fazer a ponte entre a divindade e os que a reverenciam.

A palavra latina media, plural de medium, que mais tarde foi aportuguesada para mídia, tem o sentido, hoje, de conjunto dos meios de que o homem dispõe para comunicar e, assim, tentar organizar o caos do mundo e lhe dar sentido. A noção de mediação - ou seja, da ação do que está entre, do que interliga, soma, divide ou intervém - não é estranha a qualquer prática espiritual. Até mesmo a negação de Deus supõe a interferência de uma suposta razão, ela mesma construída historicamente pelo pensamento, fruto de mediações faladas ou escritas, carregadas de idéias e visões de mundo provenientes de variados suportes de informação.

E, se para o ser humano, a linguagem e, consequentemente, o ato de comunicar é essencial nesse processo de organização da experiência, nada mais sensato do que a conclusão de que o sentido maior de todo meio de comunicação é suprir a necessidade do homem de compor e ouvir histórias. Cada religião - entendida como uma forma de cultivo da espiritualidade - é uma espécie de mídia que organiza a existência humana através das narrativas que produz. A mídia vaticana, por exemplo, me diz que o Papa é o Sumo Sacerdote do Deus Triuno, herdeiro das funções do apóstolo Pedro, este, por sua vez, comissionado pelo próprio Cristo para fundar a Igreja. A mídia muçulmana, também uma religião do livro e da tradição, me ensina a lançar as preces em direção a Meca e uma série de preceitos que norteiam minha vida e minha relação com outros indivíduos, iguais ou diferentes de mim, no tempo e no espaço. A mídia evangélica, no geral, que reivindica a mediação da Escritura Sagrada como única fonte de regra e prática, orienta-me a crer num único Mediador entre Deus e os homens - o próprio Cristo, Palavra encarnada. Mídia é, pois, tudo o que re-organiza padrões de pensamento, comportamento e prática social. De todas essas construções, divinas e humanas ao mesmo tempo, saem narrativas em forma de parábolas, diálogos, rituais performáticos, preceitos e leis que procuram dar sentido à produção material da vida, neste mundão de Deus. E o que acaba determinando os meios, sua eficácia ou os efeitos produzidos, é menos a natureza de cada um do que os usos que deles fazemos em condições diversas de existência.

Mas, quando se diz que as religiões compõem histórias, não se exclui o homem do processo de tecer intrigas a respeito da vida. Inspirado ou não pela divindade, considerado amiúde como instrumento privilegiado na mediação entre Deus e a terra, o homem é também co-autor das histórias em que acredita. Dizem que Deus o fez para ter com quem dividir o Amor e, portanto, para ter com quem comunicar. Deus fala no silêncio, na palavra, na natureza, nas coisas e nas pessoas. Com ou sem mediação. Com ou sem mídia. Para quem acredita, é claro. "Fala que eu te escuto". A frase é bem conhecida dos telespectadores brasileiros da madrugada. Mostra que há mais coisas entre Deus e os homens do que pode imaginar nossa capacidade de especulação. Já pensou que essa pode ser uma grande chave para entender o que é a mídia e, mais ainda, o que ela tem a ver com a religião?
[José Ferrão é jornalista, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense - Niterói-RJ]

Fonte: http://www.sidneyrezende.com

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