Livros que Clio recomenda: Gangues, galera e movimento hip hop - Por Tiago Coutinho

Com nova roupagem, o livro cartografias da cultura e da violência, da socióloga Glória Diógenes, ganha nova edição



Cartografias da Cultura e da Violência, da socióloga Glória Diógenes, foi publicado pela primeira vez em 1998. O livro trazia o mapeamento das gangues existentes no momento em Fortaleza, um glossário de uma juventude violenta e muitas falas de jovens estigmatizados e, até então, não escutados. A publicação resultava de uma árdua pesquisa de doutorado. Dez anos depois, o livro ganha reedição, tal qual publicado pela primeira vez. Não foi por negligência. "Foi proposital. Esse livro é histórico. Marca um momento em que a academia e a periferia estão sintonizadas. Ele acabou suscitando vários outros trabalhos. Se fosse mudar alguma coisa, precisava mudar tudo. Ele não me pertence mais. Ele ganhou o mundo. É uma representação do encontro de um bocado de gente. O relançamento é um motivo para essas pessoas se encontrarem", comenta Glória Diógenes. Para o lançamento de logo mais, às 19h30min (10/07/2008), no Mercado dos Pinhões, deverá estar presente representantes do moro Santa Terezinha, das comunidades Lagamar e das Quadras. O subtítulo da tese denuncia a dificuldade do trabalho. Ao fazer um mapeamento da violência e da cultura de Fortaleza, Glória Diógenes optou por delimitar o olhar nas gangues, nas galeras e no movimento hip hop. Numa memória não muito distante, durante a década de 90, a palavra "gangue" atemorizava a cidade. Tratava-se de um termo estigmatizado para as galeras e grupos ligados aos bailes funk. No mesmo período, o movimento hip hop dava os primeiros passos e recebia preconceito semelhante. A partir desses três elementos, Glória, em oito capítulos, faz uma ampla discussão sobre globalização, consumo, rebeldia, cultura de massa, movimentos identitários, confrontos policiais e corpo. Num dos capítulos mais interessantes, Juventude e Estilo: a rebeldia como lema, a violência como marca, ela apresenta uma tese original. Dentro de uma sociedade apartada e dividida, a violência aparece como um elemento de visibilidade para os jovens. "De tanto não ser escutado, de não poder falar, de ter recebido estigmas, a violência acaba sendo uma forma de visibilidade deles". Em vez de Glória Diógenes tentar 'resolver' o problema, ela parte para a lógica da compreensão. Como esses jovens se entendem? A questão não podia ser respondida apenas com leituras. Tinha de ir a campo. O resultado é maravilhoso. Além de ser um livro pioneiro do ponto de vista político-acadêmico, Cartografias da Cultura e da Violência possui uma escrita invejável. Longe de uma linguagem hermética, o texto de Glória Diógenes garante a densidade de uma pesquisa complexa e, ao mesmo tempo, uma leitura agradável. A pesquisadora dá espaço para as falas de adolescentes que explicam a realidade social a qual estamos inseridos talvez melhor do que alguns teóricos da Sociologia. Atualidade Dez anos depois, muita coisa mudou em Fortaleza. Na rapidez da modernidade, o livro já apresenta resquícios de uma cidade modificada. "Hoje, a gente percebe uma maior potência da juventude como ator social. Existem vários grupos de hip hop, de rock, de skate, de igrejas. Existe uma diversidade de sociabilidade juvenil e uma relação muito forte com a cidade. Eles reivindicam mais os seus direitos", compara. Por outro lado, alguns problemas permanecem. O confronto entre a juventude e a polícia é um dos sintomas ainda percebidos por Glória Diógenes. "Hoje, ainda existe muita denúncia de policial. É uma cultura do confronto e da ameaça que acaba criando um muro de resistência de uma sociedade que não compreende essa complexidade, que não quer atuar por dentro dela e busca geralmente ações imediatas. A gente precisa entender esse fenômeno como linguagem, para poder canalizar essa força da violência", conclui.

Quem é Glória Diógenes

Professora do programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, atualmente é presidenta da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci). Desde 1993, realiza pesquisas relacionadas com a temática da juventude. Possui vários livros e artigos publicados sobre o assunto. Destaque para Cartografias da Cultura e da Violência e Itinerários de Corpos Juvenis, ambos publicados pela editora AnnaBlume.

Fonte: http://www.opovo.com.br

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