Caminhos para o livro – Por Adriana Martins


José Castilho (MinC), Sandra Lima (CCL), Primo Maldonato (ANL) e Cinéas Santos (Salão do Livro do Piauí) na 1° mesa do debate: rumos para o Nordeste

(Foto: SILVANA TARELHO/ MARÍLIA CAMELO)




Como aumentar a base de leitores no Brasil? De que maneira inserir pequenas livrarias e autores do Norte e Nordeste no mercado editorial e minimizar o monopólio das grandes editoras? Como contemplar a diversidade cultural na escolha dos livros didáticos e paradidáticos? De que forma equacionar políticas de proteção aos pequenos empresários? Essas e outras questões centrais para o desenvolvimento da cadeia produtiva do livro no país foram discutidas no Ciclo de Debates: questões do livro e da leitura, nos dias 14 e 15 deste mês, durante Bienal Internacional do Livro do Ceará.


Realizado pelo Ministério da Cultura, Fórum dos Secretários de Cultura do Nordeste, Sindicato do Comércio Varejista de Livros do Estado do Ceará (Sindilivros) e Câmara Cearense do Livro (CCL), o encontro reuniu entidades, livreiros, editores e escritores de vários Estados, com objetivo de iniciar estratégias voltadas ao fortalecimento da política editorial e livreira no Nordeste. A programação foi dividida em cinco mesas, focadas especialmente na organização política.


O debate é complexo. De preocupações ligadas à educação e diversidade cultural até interesses pela sobrevivência econômica no setor, há um emaranhado de reivindicações e a necessidade de um delicado equilíbrio entre auto-regulação do mercado e interferência do Governo. Na abertura da programação, o secretário de cultura do Ceará, Auto Filho, definiu o evento como estruturante e um dos mais importantes da Bienal. “É preciso cumprir a Constituição, combater as disparidades. Somos admiradores de Haddad (Fernando Haddad, Ministro da Educação) e do PNLL (Plano Nacional do Livro e Leitura, ligado ao MinC), mas a admiração só é justa quando identificamos lacunas e silêncios. O Nordeste é prejudicado pelo preconceito”, desabafou.


Como exemplo da desigualdade de investimentos, o Secretário citou a divisão de incentivos fiscais em 2006, na qual os estados do Sudeste ficaram com 86% dos recursos, que são a principal forma de financiamento de ações culturais. O Nordeste ficou com pouco mais de 2%. “Isso é inaceitável e um dos motivos que gerou o Fórum dos Secretários de Cultura do Nordeste. Há um discurso que precisa ser efetivado”, enfatizou Auto.


Mapeamento

A representante do MinC no Nordeste, Tarciana Portela, ressaltou que o encontro era algo desejado há muito tempo pelas diversas esferas do setor, tendo em vista um quadro editorial complicado no país, em que grandes editoras estão cada vez mais internacionalizadas. A desarticulação entre integrantes da cadeia produtiva no Nordeste permaneceu uma das questões centrais do debate, apontada como problema fundamental por todos os participantes. Integrante da primeira mesa, o presidente da Fundação Quixote e do Salão do Livro do Piauí, Cinéas Santos, abordou o assunto de maneira enfática. Para o escritor, editor e professor, o Nordeste é sumariamente ignorado no panorama da literatura brasileira.

As poucas referências difundidas são sempre as mesmas, a exemplo de Pernambuco com João Cabral de Melo Neto ou Ariano Suassuna. “Não lembro a última vez que vi o nome de um escritor sergipano. Os livros adotados nas escolas são de autores do Sudeste. Cadê a Batalha do Jenipapo, em que cearenses e piauienses morreram na luta contra o exército português? Não estamos na literatura, na história, e acidentalmente sequer na geografia. Como construir nossa auto-estima se nos negam existência até física?”, provocou, em referência ao célebre episódio de 1998, quando um livro didático de geografia, editado no Paraná, deu fim ao Piauí, engolido no mapa pelo Maranhão.


A ausência estende-se para além do âmbito escolar. Para Santos, autores nordestinos não têm espaço em feiras, eventos e livrarias da própria região, que privilegiam sempre os mesmos autores, a exemplo de Moacyr Scliar e Loyola Brandão. “Não temos linhas de comunicação, mecanismos de conhecimento. O Nordeste não sabe onde fica o Nordeste. Estamos fora da festa deles e da nossa também” , criticou o piauiense.


A constatação ganhou força quando Sandra Lima, presidente da CCL, revelou que hoje existem no ceará 687 empresas que se declaram editoras. “Fiquei abismada com esse número. Mostra que não conhecemos nossa cadeia produtiva. Qual a média das tiragens? Quem são os autores independentes? Porque livro do professor encalha ou autores não recebem? É preciso considerar essas questões para descobrir o que temos e o que somos, e a partir daí gerar um documento com propostas e buscar soluções”, resumiu.

O número, porém, inclui muitas gráficas registradas como editoras (mas que não realizam edição, distribuição e outras etapas), e não tardou a ser contestado pelos participantes, que reivindicaram um real mapeamento. “Por isso esse primeiro momento foi dedicado ao levantamento de informações, para que nós nos conheçamos”, esclareceu a presidente do Sindilivros, Mileide Flores.


Caminhos

Outro consenso é que parte da solução passa pelas ações do Governo Federal, especialmente no que diz respeito à compra de livros didáticos. José Castilho, coordenador do PNLL, ressaltou o compromisso da atual gestão do MinC com a questão. “De 2003 a 2005 não ouvimos falar de livro e leitura no MinC. Em 2007 foram 105 milhões de reais de incentivos via Lei Rouanet (contra 90 miLhões do ano anterior), dos quais 94 milhões foram destinados à edição de livros. Neste ano, até julho foram 52 milhões, dos quais 40 para livros. Isso é verba pública por isenção fiscal”, enfatizou o coordenador.

Boa parte das ações voltadas ao livro e a leitura serão efetuadas por meio do PNLL, entre as quais se destaca a recuperação de bibliotecas e construção de novas. A meta é zerar o número de municípios brasileiros que não contam com o equipamento. Outra previsão é a estadualização das ações. “Os Estados ficariam responsáveis pelos editais, licitações e compras, de acordo com as realidades locais. Esse seria um caminho para incluir a bibliografia regional no cenário nacional”, explicou.


A opinião não foi compartilhada pelos participantes. Para muitos o investimento em bibliotecas é sabotado pelo acervo único (igual em todos os Estados), e a estadualização não garante a compra de obras locais. Da mesma forma, vários participantes explicaram que a compra dos livros didáticos pelo Governo Federal passa por cima das livrarias, especialmente as pequenas. “As livrarias não são mencionadas nas políticas públicas. As grandes editoras dão descontos de 80% ao Governo e compensam no preço repassado às as escolas particulares. Ao mesmo tempo, o autor local não entra nas listas de livros escolares e isso prejudica toda a cadeia produtiva. Em relação às bibliotecas, Norte e Nordeste não têm voz na escolha dos acervos. No Ceará falávamos encarnado, agora é vermelho; falávamos bila, no livro vem bolinha de gude. É uma cultura homogeneizante”, desabafa Flores.

Um caminho apontado pela presidente do Sindilivros seria a inclusão das livrarias no processo de distribuição dos livros didáticos. “O Governo compra, o livreiro entrega e recebe comissão. Isso possibilitaria a sobrevivência dos livreiros no mercado e criaria um espaço físico para o livro, que não cairia mais do céu nas mãos dos alunos. A freqüência à livraria aumentaria e isso seria um bom incentivo à prática da leitura”, acredita. Outra medida importante é efetivar a regulamentação pendente de várias leis do setor. “A lei do preço único facilitaria muito as coisas. Ela estabelece, na verdade, um desconto máximo, no sentido de acabar com os descontos predatórios que inviabilizam a existência de pequenas livrarias. Para aqueles que se sentem feridos em sua liberdade de comprar pelo menor preço, tenho apenas uma pergunta: imagine se você morasse em uma cidade do interior, onde muitas vezes não há uma livraria?”, pondera.



Diante de uma discussão desse porte, o tempo tornou-se curto para tirar propostas concretas. De acordo com Sandra Lima, foi criada uma comissão, que ficará responsável por maturar o debate, através de videoconferências e troca de informações. Um novo encontro ficou acertado, a princípio, para maio de 2009, em local ainda a definir. A coordenação é composta por Mileide Flores, do Ceará, Cinéas Santos, do Piauí, e Tarcisio Tavares, de Pernambuco. “Mas a comissão terá representantes de todos os Estados do Nordeste. Até o próximo encontro, algumas propostas levantadas nesse debate serão discutidas, a fim de sanar impasses. Por exemplo, alguns querem o fortalecimento de instituições já existentes, como a Liga Brasileira de Editoras. Outros acham que é necessário criar uma nova associação, exclusiva do Nordeste. Isso porque os problemas atingem o setor em todo o Brasil, mas são acentuados na nossa região e no Norte, especialmente a distribuição”, explica a presidente da CCL. Após o segundo encontro será gerado um documento final, com propostas a serem encaminhadas para o Ministro da Cultura, Juca Ferreira.


Conheça a opinião dos debatedores



Mileide Flores (Sindilivros)



´O autor local não entra nas listas de livros escolares e isso prejudica toda a cadeia produtiva. Em relação às bibliotecas, Norte e Nordeste não têm voz na escolha dos acervos. É uma cultura homogeneizante´.

José Castilho (MinC)



´É preciso acomodar a bibliodiversidade brasileira cfrente à internacionalização irreversível do mercado editorial. A luta não é só do Nordeste, mas do Brasil inteiro, que precisa se afirmar frente aos grandes conglomerados´.



Cinéas Santos (Salão do Livro do PI)



´Não estamos na literatura, na história, e acidentalmente sequer na geografia. Como construir nossa auto-estima se nos negam existência até física? O Nordeste não sabe onde fica o Nordeste, não temos linhas de comunicação´.



FIQUE POR DENTRO



Conheça o PNLL



O Plano Nacional do Livro e Leitura é um conjunto de políticas, programas, projetos, ações continuadas e eventos empreendidos pelo Estado e pela Sociedade para promover o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas no Brasil, em conformidade com a Lei 10.753/2003, que instituiu a Política Nacional do Livro. O processo de elaboração do PNLL teve a participação de centenas de instituições públicas e privadas e inúmeros profissionais da área, em encontros presenciais, videoconferências, consultas pela Internet, debates, seminários e oficinas. Foi lançado em março de 2006 durante o Fórum PNLL Vivaleitura e institucionalizado em agosto de 2006. O PNLL é dividido em quatro eixos temáticos: Democratização do Acesso.


Fonte: www.diariodonordeste.globo.com



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura