Racismo, ignorância e má-vontade do poder público dificultam a vida de comunidades religiosas - por Ismael Freitas


Além de preservar a cultura religiosa dos antepassados que vieram escravizados da África para o Brasil, as religiões de matriz africana desenvolvem trabalho social em suas sedes e atendem a população, geralmente de menor renda. Onde o poder público não chega, lá está um terreiro de candomblé, suprindo as necessidades espirituais e físicas da população. No entanto, apesar do esforço dos líderes dessas comunidades em se fazer perceber pela sociedade e pelo Estado, ainda há muito preconceito, discriminação e ignorância sobre esses grupos. Um desses casos é o da Sociedade Afro-brasileira Cacique Pena Branca, localizada no Núcleo Santa Marta, na região da Colônia Dona Luíza. Segundo a ialorixá (mãe-de-santo) Tânia Mara Batista, os obstáculos em Ponta Grossa são muitos e por algumas vezes pensou em parar de atender a comunidade como líder espiritual. "Nós somos discriminados em tudo. Não recebemos incentivo nenhum do poder público para a área cultural. Nessa terra de coronéis, nossa cultura não vale nada e inclusive retiram os subsídios que temos na área social também", relata a mãe-de-santo. Ela conta que há muita dificuldade para uma sociedade tradicional como a do interior do Paraná em entender e conhecer culturas diferentes e outros modos de tratar o sagrado. "Alguns religiosos nos esculacham, nos humilham e não tem nenhum respeito. Nem parece que são cristãos, porque o cristianismo prega exatamente o contrário", reclama a ialorixá. Ela também conta que as coisas melhoraram muito nos últimos tempos. "Há cerca de dois ou três anos, fizemos a primeira missa Afro em Ponta Grossa, na Igreja do Rosário, que inclusive foi construída por uma comunidade negra. Algumas empresas como a Kaiser e instituições como a Receita Federal também colaboram com nosso trabalho e assim vamos levando", conta.

Estado tem quatro mil terreiros



O Paraná tem registrado quatro mil terreiros de candomblé e umbanda, a maior parte deles, cerca de dois mil, na região metropolitana de Curitiba. De acordo com o pejigan yansã (um dos administradores na hierarquia do candomblé) Glauco Souza Lobo, a situação dessas casas religiosas é razoavelmente tranqüila no Estado, mas ainda há muita violência, principalmente simbólica, contra as religiões de matriz africanas. "Isso é devido à ignorância a respeito do trabalho que fazemos. Fazemos parte de uma religião, com tudo o que ela tem de bom e ruim. Assim como no cristianismo, também existem charlatães em nosso meio. Temos a iniciação dos discípulos, o culto, a hierarquia, tudo como outras religiões, mas em alguns casos não somos respeitados como tal", conta. A legislação atual dá o mesmo status para todas as religiões e, segundo Glauco, há avanços porque há uma luta muito grande por parte dos líderes do Candomblé e da Umbanda. "Estamos conseguindo nos unir contra a discriminação e já formamos diversas associações, algumas até rivais, assim como em outras religiões que também tem grupos rivais (risos), mas avançamos em diversos pontos. Ainda resta um embate com algumas igrejas neo-pentecostais, mas na maioria das vezes obtemos reconhecimento", salienta. Em 20 de novembro de 1695, foi assassinado Zumbi, um dos últimos líderes do Quilombo dos Palmares, que se transformou em um grande ícone da resistência negra ao escravismo e da luta pela liberdade. Por sugestão do poeta gaúcho Oliveira Silveira, há 35 anos essa data é lembrada como o "Dia Nacional da Consciência Negra", representando a disputa e a preservação pela memória histórica e da cultura Afro-brasileira, assim como a luta por uma sociedade de fato democrática, igualitária.

A comunidade umbandista comemorou os cem anos da religião no Brasil, durante a sessão plenária da última quinta-feira (13), na Assembléia Legislativa.

Conceitos de bem e mal dificultam relação



Segundo o estudioso de História da Cultura, doutor Edson Armando Silva, os problemas de relacionamento entre algumas religiões cristãs com as de matriz africana como o Candomblé e Umbanda, por exemplo, se deve à forte herança medieval que permeia a sociedade ocidental. "Nesse período (Idade Média) os conceitos de bem e mal, céu e inferno, deus e diabo, acabam se arraigando na sociedade e isso está muito presente ainda hoje. Algumas religiões cristãs tomam para si, claro, o papel do bem, reservando para as outras o lado ruim ou maligno e daí surgem os conflitos. Podemos dizer também que os embates atualmente se dão mais entre algumas igrejas neo-pentecostais, porque a maioria das outras religiões cristãs já conseguem conviver de forma pacífica com as religiões africanas". Para Silva, o fator racial na discriminação dessas religiões é relativo. "Temos que ver mais apuradamente essa questão. O catolicismo também é muito forte nas comunidades negras e pode-se dizer que o trabalho de evangelização realizado por séculos surtiu resultado. Essas comunidades encontraram também identificação em alguns cultos de santos católicos como São Gonçalo, Santo Antônio e outros", diz. O professor salienta que os problemas de discriminação podem ser amenizados com a crescentes laicização do Estado, ou seja, um Estado não confessional, que adere a uma única religião e ignora outras. "A legislação existente já é suficiente, porque dá os mesmos benefícios para as religiões diversas, mas é possível melhorar em alguns pontos. Por exemplo, a televisão, que é uma concessão pública, poderia ser mais plural, elas não poderiam ser confessionais, mas são. É preciso garantir a pluralidade de manifestações religiosas", aponta.

Fonte: http://www.jmnews.com.br

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