História das mulheres – Por Igor de Lima

A partir das modificações em relação ao gênero feminino, ocorridas no final do século 20, questões importantes foram trazidas para o âmbito da História das Mulheres. Como perceber as transformações na vida das mulheres no passado? Como essas mudanças afetaram o relacionamento entre gêneros? Nas relações familiares e de trabalho desde o Brasil Colonial (1500-1822), as mulheres atuavam em múltiplas atividades, como escravas tecedeiras indígenas, escravas africanas quitandeiras, libertas quituteiras e lavadeiras, viúvas chefes de fogos e proprietárias escravistas senhoras de engenho. É preciso observar também que não foram poucas mulheres capazes de acumular pecúlio, por meio da administração de bens e mão de obra.

No entanto, no decorrer dos séculos 19 e 20, as mulheres inseriam-se, de maneira significativa, no mercado de trabalho formal, como professoras, operárias, trabalhadoras domésticas, modistas, comerciantes, advogadas, médicas, engenheiras, dentistas, enfim, profissionais liberais. Conviviam juntamente com os homens nos ambientes de trabalho, porém, muitas vezes, recebendo salários menores, assim como cargos inferiores, apesar de terem as mesmas ou melhores qualificações. Além disso, tinham dupla jornada de trabalho. No que se refere à sexualidade, as mulheres adquiriam novos status com o uso de métodos anticoncepcionais, bem como a luta pela igualdade no relacionamento amoroso, apesar das leis proibitivas contrárias ao casamento do mesmo sexo e ao aborto. Assim, a liberação sexual feminina ocorre por meio de um longo processo de lutas, conflitos e negociações.

No passado, as mulheres, sofreram com as construções morais religiosas, sendo acusadas pela Igreja, que era intrinsecamente relacionada ao Estado até a Proclamação da República em 1889, de feiticeiras, pecadoras, curandeiras, diabólicas, bem como de manter relações ilícitas e possuírem filhos ilegítimos. Mulheres, principalmente índias e mulatas, eram representadas como de vida fácil, sempre disponíveis aos senhores escravistas, ou até ao clero regular e secular. Os padrões familiares e de comportamento feminino foram rígidos no Brasil desde o período colonial, por intermédio da cultura patriarcal, escravista e cristã. Fazia parte do ideal feminino que a mulher fosse enclausurada, submissa, obediente ao pai, irmão e marido, zelosa dos filhos, prestativa aos senhores. Na esfera política, o direito ao voto, no Brasil, a partir de 1934, não significou a participação das mulheres no Executivo e Legislativo, sendo ainda difícil conseguirem cargos como prefeitas, governadoras, ministras e até presidente. Com a ascensão no poder, há ainda resistência e preconceito quando exercem cargos administrativos relevantes. No entanto, somente nos finais do século 20, com a redemocratização, conseguiram por meio de lutas chegar até alguns pontos altos na vida pública brasileira.
No campo cultural, foram significativos os trabalhos de artistas e intelectuais como Anita Malfati, Tarsila do Amaral, Patrícia Rehder Galvão (Pagu), Raquel de Queizoz, Clarice Lispector, Zélia Gatai, Lygia Fagundes Telles. Essas mulheres conseguiram destaque graças ao próprio empenho e ao movimento de emancipação feminina, que revolucionou o século 20. É preciso destacar o papel de Pagu (1910-1962), escritora que se tornou órfã aos 10 anos, casou três vezes, o segundo matrimônio com Oswald de Andrade, abortou aos 14, filiou-se no Partido Comunista em 1931 e foi a primeira mulher presa política no País durante a ditadura de Vargas. Trabalhou como tecelã e, apesar de não cursar universidade, escreveu obras relevantes como Parque Industrial (1933) e fez importantes críticas literárias. Além de tudo isso, tentou suicídio várias vezes. Apesar de angustiada com a vida, participou de maneira radical do movimento social de emancipação das mulheres, bem como as suas companheiras intelectuais e artistas. Sua descrição literária mais triste é a trajetória de vida da mulata costureira Corina. Ao descrever o cotidiano das mulheres trabalhadoras, Pagu afirma: "As seis costureirinhas têm olhos diferentes. Corina, com dentes que nunca viram dentista, sorri lindo, satisfeita. É a mulata do atelier. Pensa no amor da baratinha que vai passar para encontrá-la de novo à hora da saída. Otávia trabalha como um autômato. Georgina cobiça uma vida melhor. Uma delas murmura, numa crispação de dedos picados de agulha que amarrotam a fazenda. Depois dizem que não somos escravas".
Observa-se, assim, a importância da literatura na reconstituição dos problemas do universo feminino e as conquistas das mulheres no decorrer da história. Todavia, para a maioria das brasileiras, é necessário observar que as condições de vida ainda são penosas. Pode-se encontrar mulheres violentadas e exploradas pelos maridos, mães solitárias, excluídas das condições mínimas de Saúde e Educação. Enfim, apesar da histórica atuação e das conquistas, é difícil encontrar igualdade e tolerância às diferenças quando se trata de todas camadas sociais, e de todas as regiões do Brasil.


Quem é Igor de Lima



Doutorando em História Econômica na USP e pesquisador do Cedhal (Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina) da USP.
Fonte: http://diaadia.dgabc.com.br

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