religião, cultura e história atraem turistas ao Nepal – Por Florência Costa


O Nepal era praticamente fechado para os estrangeiros. E mesmo os raros forasteiros que vinham a convite da família real não tinham permissão para sair do Vale de Katmandu. Mas, a partir de 1949, os portões se abriram para esse país que tem mais de 60% de seu território cobertos por montanhas - o Himalaia é o principal cartão-postal do Nepal. A guerra civil iniciada pelos maoístas em 1996 terminou afastando muitos turistas. Mas o fim da guerrilha e a realização das eleições parlamentares que acabaram dando vitória ao próprio partido maoísta, em 2008, impulsionaram o turismo. Neste ano, o governo lançou a meta de dobrar o número de visitantes para um milhão, até dezembro. E as montanhas não são o único atrativo do país. A religião, a cultura e a História são um prato cheio para quem chega ao Nepal, grande centro de peregrinação budista-hindu.

O sincretismo é uma forte marca no país
Em comparação à Índia, o Nepal tem a mesma proporção de hindus, a maioria da população, equivalendo a 80%. Já a porcentagem de budistas é maior do que na Índia: são 10% do total, enquanto por lá eles representam apenas cerca de 2%. Por isso, houve um forte sincretismo entre o budismo e o hinduísmo no Nepal. E as duas religiões sofrem ainda a influência de várias seitas locais e da prática do tantrismo, uma herança da cultura medieval do subcontinente indiano. Assim, é possível ver celebrações e formas de cultos específicas, que não se encontram em nenhum outro lugar do mundo. O budismo tem forte referência histórica, já que o príncipe Sidarta Gautama, o Buda, nasceu no século VI a.C., em Lumbini, que na época ficava na Índia, mas hoje está dentro do território nepalês. A cidade atrai muitos turistas e peregrinos budistas. O templo budista de Swayambhunath é talvez o principal cartão-postal da capital Katmandu. Apelidado de "Templo dos macacos" pelos nepaleses, por causa da enorme quantidade desses animais que ali vivem, Swayambhunath fica no alto de um morro. De lá, tem-se ampla vista para a cidade. Outro ponto de peregrinação budista de Katmandu é o templo de Boudhanath, em meio a um dos maiores assentamentos de tibetanos do país. Quem não vai ao Tibete pode ter ali mesmo no Nepal contato com essa cultura, seu povo e seu artesanato. Desde a invasão do território pela China, em 1959, os tibetanos se refugiam em vários países. No Nepal, eles somam 15 mil. A melhor época para visitar o Nepal e ter contato com a cultura tibetana é durante o chamado Losar, o ano novo tibetano, que ocorre em fevereiro e março (os dias mudam a cada ano, de acordo com o calendário lunar). Quem quiser mergulhar mais na cultura tibetana pode até dar uma esticada ao Tibete, já que o Nepal é o principal portão de entrada dessa região. É só procurar uma agência turística em Katmandu: todas elas oferecem pacotes para lá. É necessário apenas tirar o visto, e o documento pode ser obtido na embaixada chinesa da capital nepalesa. É muito comum ver hindus nos templos budistas, por causa do sincretismo: eles consideram Buda uma encarnação do deus hindu Vishnu (símbolo da preservação). O local mais sagrado para os hindus nepaleses é o templo de Pashupatinath, em Katmandu, dedicado ao deus Shiva (que representa a destruição e o renascimento, ou o surgimento do novo). Shiva é o deus mais celebrado no Nepal. Não se trata de adoração pela destruição, e sim de respeito ao fato de que todas as coisas têm um fim e de que, deste fim, haverá um novo começo.

Pashupatinath é um verdadeiro ímã de sadhus, os homens santos hindus. É muito comum o visitante estrangeiro receber dos sadhus uma tika, a marquinha no meio da testa feita de um pó vermelho chamado sindur, além de iogurte e arroz. O gesto representa a bênção dos deuses. A tika virou fashion, e, hoje em dia, as lojas vendem tikas-decalque somente como enfeite. No geral, os sadhus - normalmente vestidos de laranja, com longos cabelos que, dizem, não são cortados há décadas - pedem uma gorjetinha após a bênção.

Os dalits

Os chamados oprimidos do sistema de castas hindu, termo que recentemente invadiu o vocabulário brasileiro por causa do sucesso da novela "Caminho das Índias" - do Nepal só passaram a ter permissão para entrar no templo em 2001. O país tem um complexo sistema de castas, com regras que determinam casamentos, relações profissionais e religiosas e os atos de tocar e comer, à semelhança do que acontece na Índia. Os visitantes não-hindus não podem entrar no templo principal do complexo de Pashupatinath. Também como os indianos, os nepaleses consideram os rios sagrados. Mas uns o são mais do que outros. Assim, o Rio Bagmati, que atravessa a área do complexo de Pashupatinath, é tão sagrado para os nepaleses quanto o Ganges para os indianos. Foi ali que as cinzas dos corpos cremados dos dez integrantes da família real mortos no massacre de 2001 foram jogadas (leia mais sobre a tragédia e o palácio onde ela ocorreu na página 15). Há vários portões de cremação no Rio Bagmati, e ali é possível assistir à cerimônia do adeus hindu. Apesar de sagrado, o Bagmati é extremamente sujo, e mesmo assim os moradores locais entram nas suas águas, junto com vacas e cachorros. Muitos nepaleses sentam-se à beira do poluído rio para fazer suas preces. Uma das construções mais curiosas do complexo de Pashupatinath é o pequeno Templo de Bachhareshwari, com várias figuras esculpidas nas paredes inspiradas no tantrismo, além de cenas eróticas e esqueletos pintados. Diz-se que já houve sacrifício humano nesse templo, em uma das festividades do calendário hindu. O hinduísmo nepalês inclui - ao contrário do da Índia - o sacrifício de animais. Durante os festivais religiosos, os nepaleses levam cabras, por exemplo, para ofertar aos deuses nos templos. Mas a oferenda nunca inclui vacas, animais também considerados sagrados no Nepal: matar uma é um crime, punido com dois anos de cadeia.

Fonte: http://oglobo.globo.com [com adaptações ]

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