Ugo Giorgetti filma os dilemas da "sociedade do prazer" – Por Mauricio Stycer


Sem apresentar um filme desde 2004, o cineasta Ugo Giorgetti comparece à Mostra de Cinema de São Paulo com dois novos projetos, que serão exibidos em sequência neste sábado (31/10), no Unibanco Arteplex.


Como de hábito, Giorgetti coloca o dedo na ferida, propondo discutir temas incômodos, mas fundamentais, que caracterizam todo o seu cinema (“Festa”, “Sábado”, “O Príncipe”, entre outros). “Paredes Nuas”, uma madame milionária, cujo marido foi preso por crime financeiro, conversa com seus empregados e seu advogado sobre o futuro. Em “Solo”, um idoso solitário expõe para a câmera sua dificuldade em se adaptar aos tempos modernos. “Paredes Nuas” é um filme de 52 minutos, feito para a televisão, com recursos da Secretaria da Cultura de São Paulo, a ser exibido na TV Cultura. A história se desenrola integralmente na sala de uma mansão, dias depois da prisão do dono da casa, cujo retrato na parede é a única obra de arte que a polícia não recolheu.

A empregada e o motorista, angustiados, refletem sobre o futuro deles, longe do conforto que têm na mansão. O velho advogado da família, perplexo, fala da incapacidade de compreender o crime que seu cliente cometeu. A esposa do empresário, eufórica, se prepara para deixar a casa depois de resgatar os tesouros escondidos numa parede falsa, que escaparam da ação policial.

“O filme dá a idéia, inicialmente, de que vou fazer uma denúncia. Mas isso não é necessário. Todos os jornais já fazem isso”, diz Giorgetti. “Pego um desvio. O homem nunca viveu uma época como hoje. Vivemos uma sociedade do prazer. E o prazer vicia.” Do mais humilde ao mais rico, os hábitos de consumo orientam as preocupações dos personagens de “Paredes Nuas” no momento em que estão ameaçados de perder o que têm. “O sistema coloca a criminalidade como algo possível e quase inevitável para qualquer um”, acredita Giorgetti. “Este sistema te coloca à beira da ilegalidade.”

A única solução que vê seria o ascetismo, a fuga para um local isolado, longe das tentações. “Mas quem se priva?”, pergunta. “O supérfluo virou essencial.” Citando o cineasta italiano Píer Paolo Pasolini (1922-1975), Giorgetti diz: “Esse é um fascismo da alma, está dentro da gente”. Mais ousado, “Solo” é um raro filme com apenas um ator, no caso Antonio Abujamra, que conversa com as câmeras durante 72 minutos. Giorgetti nunca assistiu, mas conhece um projeto semelhante, “Secret Honor”, realizado por Robert Altman em 1984, no qual o ator Philip Baker Hall interpreta o ex-presidente Richard Nixon num monólogo de 90 minutos.

Giorgetti escreveu “Solo” a pedido de outro ator, com características físicas e idade semelhantes a Abujamra, mas a parceria não foi adiante. “Um dia, conversando com o Abu, mostrei o texto e ele se empolgou.”

Com apoio da TV Cultura, durante dez dias Giorgetti filmou o monólogo, no qual o velho vivido por Abujamra fala da sua terrível solidão, da saudade dos parentes já mortos, dos tempos em que São Paulo era uma cidade agradável de viver, das ruas e praças que foram transformadas. “Tudo está ficando incompreensível”, diz o velho. “A minha é uma solidão como todas as outras.” Tanto o texto de Giorgetti como a interpretação de Abujamra têm muitos momentos impagáveis. Mas o cineasta, que planeja exibir “Solo” no circuito comercial em uma única sala, em horários especiais, está preocupado. “Sei que esse filme é um tiro no escuro, um projeto de altíssimo risco”, diz.

- “Solo” tem sessões no sábado (31), às 19h10; no Unibanco Arteplex, na segunda-feira (2/11), às 13hs, no Unibanco Arteplex; e na terça, às 18h20, no Espaço Unibanco Pompéia. Mais informações sobre o filme no site da Mostra.

- “Paredes Nuas” tem ainda apenas uma sessão, neste sábado (31), às 17h20, no Unibanco Aretplex.

Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br

Comentários

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Se você gosta de histórias, garanto que vai gostar.
Saudações Florestais !cisma

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